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Vem aí um meteorito? – II

Não existem boas razões para acreditar que venha um meteorito em direcção a minha casa, e por isso não fujo de casa.

E também não existem boas razões para acreditar em Deus.
E ainda menos existiriam para acreditar num Deus que nos julgasse.
Mas pior que tudo, não existem boas razões para acreditar que ele nos julgaria desta forma ou daquela. Nenhuma boa razão para acreditar que ele penalizaria a descrença e beneficiaria a Fé.

Parece-me insensato confiar no clero para nos dizer quais os planos de Deus para nós, mais ainda quando são os primeiros a admitir os erros de outros clérigos (quer os das outras religiões; quer os das outras Igrejas da sua religião; quer os do passado da sua Igreja; quer os de outras correntes teológicas na sua Igreja) na interpretação dos planos divinos. Parece insensato confiar na autoridade de instituições que só têm a ganhar com a confiança cega e acrítica do seus fiéis.

Parece-me insensato confiar nos relatos de milagres feitos antigamente. Há relatos antigos de sereias e lobisomens, e tendemos a descartar esses. Há relatos antigos do aparecimento de Isis, Thor e Zeus, e tendemos a descartar esses. Também há relatos da Virgem Maria, mas porque é que ela se tornou mais tímida quando surgiram câmaras de filmar, máquinas fotográficas, e meios sofisticados de verificação independente?

A IURD e outras Igrejas Evangélicas mais pequenas apresentam curas milagrosas aos molhos, mas muitos crentes cristãos acham que isso é fraude. Se não fosse, Isso implicaria que Deus é mais atento aos crentes da IURD que aos católicos. Mas se a fraude é tão fácil, porquê acreditar em relatos escritos de tempos em que a verificação da fraude era muito mais difícil? Se tantos crentes entendem a facilidade com que tanta gente é hoje enganada pela IURD, como é que não concebem equívocos desse tipo há cerca de 2000 anos atrás?

Na verdade não existe nenhuma boa razão para acreditar que os cristãos estão mais certos que os islâmicos. Se tívessemos nascido na Arábia Saudita quase todos seríamos islâmicos. No entanto, o Corão diz que quem acreditar na Santíssima Trindade arderá no Inferno.
Eles alegam que as profecias da Bíblia são falsas, que muitas ficaram por cumprir, e outras revelaram-se engodos; mas que as do Corão se realizaram todas. Claro que os cristãos discordarão, mas a discutir estas coisas quem acredita em Nostradamus poderá argumentar tanto quanto qualquer outro crente religioso. Em terreno igualmente sólido estará quem acreditar nas previsões do Zodíaco.

Mas há mais do que estas religiões. Há religiões aos molhos, com muito pouco em comum. O Hinduísmo, a maior religião a seguir ao Islamismo, é politeísta e acredita na reencarnação. Temos os Mormones, temos a Cientologia, temos o Judaísmo, temos o Umbanda, o Candomblé, temos o Druidismo, temos o Satanismo (se bem que algumas versões do satanismo não sejam religiosas, de acordo com os seus seguidores), temos a religião Wicca, temos o Siquismo, temos toda uma miríade de que só referi uma pequena parte, e ainda poderíamos falar nas religiões do passado. Não têm nada em comum. Para fazermos aquilo que está certo numa religião, estamos certamente a fazer aquilo que está errado noutra.

Muitos crentes de cada uma delas sentem que estão certos, e alguns até podem relatar episódios milagrosos. Mas se acreditarmos nuns, temos de ver outros tantos como gente falsa ou equivocada. O pior é não existir qualquer critério razoável para escolher um grupo em deterimento de outro. Quase toda a gente escolhe em função dos seus pais e familiares, local de nascimento ou residência, o que mostra que os critérios não andam famosos.

Mas é possível conhecer melhor o mundo e a mente humana. Entender a diversidade de religiões como mais um resultado esperado de um mundo sem Deus. Perceber a diversidade da vida como mais uma consequência da selecção natural. Encarar o mal do mundo como um desafio, que nos cabe a nós humanos, sozinhos e livres, encarar, para melhor viver em conjunto (e sem conflitos por causa de superstições).

Não é preciso referir os 20 000 sacrifícios anuais ao Deus Quetzalcóatl dos Astecas para mostrar que a religião não tem ajudado nessa tarefa. Talvez nem baste lembrar que o pior da inquisição e da caça às bruxas nem foram os milhares de torturados e queimados na fogueira, mas sim o atraso intelectual, económico, cultural e científico que esse obscurantismo provocou. É preciso mostrar repetidamente que as sociedades com maior número de descrentes são aquelas em que existe menor número de asassínios por mil habitantes, aquelas em que existe maior apoio aos desfavorecidos e assistência social.

Quando entendermos que é tão fácil ser felizes e decentes sem religião, quando entendermos quão frágeis são as alegações e mentiras do clero, deixamos de ter razões para temer o meteorito.
Poderemos viver a nossa vida.

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