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Morte: o derradeiro trunfo da religião

A religião enquanto sistema de crenças terá servido para organizar o modo como se via o mundo. Mas, hoje em dia, ninguém acredita que existam anjos a empurrar os planetas à volta do sol, ou que seja possível fazer chover com a força do pensamento (embora haja quem continue a tentar). A confiança nas capacidades explicativas da religião, depois de duzentos anos de ciências exactas, aproxima-se finalmente de zero.

Mas, será que os indivíduos continuarão a ter fé? E porquê? A maior parte das «necessidades espirituais» que a religião satisfaz podem ser resolvidas de outras formas. A beleza estética há muito que está nos museus à vista de todos, e cada vez há mais sítios onde organizar encontros com os amigos. Acontecimentos sociais como o nascimento de crianças ou a união de casais aparecem hoje cada vez mais desligados da fé. Mas existe sempre a última fronteira: a morte. O animal humano tem consciência dos seus limites, pensa-os, e sabe que um dia morrerá. E isso não é imaginável: a consciência não consegue imaginar o que é não existir. Lidar com a perda de amigos ou familiares também não é fácil.

Todas as religiões, desde as abrâamicas com a sua consciência separada do corpo (a «alma»), até à religião tradicional chinesa (com a veneração dos ancestrais), passando pelo hinduísmo e pelo budismo (com o ciclo morte-«renascimento»), sem esquecer os antigos egípcios (a morte é uma «passagem»…) e ainda a cientologia («reencarnação» num novo corpo, talvez num outro universo), todas as religiões oferecem uma qualquer ilusão que conforta a necessidade do crente de acreditar que «algo» sobrevive à morte, e que possivelmente voltaremos a encontrar aqueles a quem quisemos bem e que nos fazem falta. Mesmo as religiões inventadas mais recentemente (como certas formas de «comunicação» com «espíritos») insistem em convencer as pessoas de que a consciência humana não é função do corpo, e de que portanto a morte não é o fim. Embora plenamente refutada pela ciência, esta crença reflecte uma necessidade forte que não desaparecerá. Aceitar o absurdo da morte exige força de vontade.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

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