5 de Abril, 2007 Carlos Esperança
A agonia da fé aumenta a raiva do Vaticano
A mitologia cristã vive, há dois mil anos, da liturgia e dos embustes. Nos produtos mais refinados da mitologia constam a virgindade de Maria e a Ressurreição do patrão.
Pio IX, um déspota cheio de ódio e de fé, digeriu mal a perda do poder temporal e criou dois dogmas, para compensar. Colocou um hímen na vagina da Virgem e atribuiu-se o dom da infalibilidade. A síntese do seu pensamento está na frase: «O catolicismo é incompatível com a democracia» – ideia que a história confirma e os sucessores honram.
De todos os déspotas que usaram a tiara, Pio IX foi, nos últimos duzentos anos, o mais violento e amoral. O rapto de uma criança judia, seguido de baptismo e de catequização, criou um padre católico perante o desespero dos pais que o perderam. Pio IX foi o Papa mais anti-semita dos últimos dois séculos, Pio XII incluído.
Agora que B16 chegou ao trono que a tradição atribui ao apóstolo Pedro, complica-se a vida para o último ditador europeu. A democracia é o inimigo que não pode afrontar por palavras. A laicidade é o calcanhar de Aquiles da vocação totalitária do Vaticano, mas o Papa não desiste de a combater e de aliciar outros dignitários das religiões concorrentes.
A possibilidade remota de ter sido encontrado o túmulo do improvável Jesus põe B16 em estado de choque. Não que ele estivesse convencido de que o patrão emigrasse em corpo para as paragens celestiais, mas era o truque que Maomé e Buda não fizeram.
B16 conseguiu que várias sucursais do Vaticano tivessem proibido o documentário produzido por James Cameron – «O Túmulo Perdido de Jesus» -, mas o mundo tem espaços de liberdade e o filme faz o seu percurso. O que irrita o celibatário do Vaticano é a possibilidade de o patrão ter tido filhos, uma heresia que podia pôr as beatas a pensar como seria doce afagar-lhe o corpo e mordiscar-lhe as orelhas.
Assim, o perigoso ditador procura minar as democracias e fazer regredir a humanidade. O perigo que representa o velho déspota é objecto de uma excelente análise neste artigo do jornal francês «Le Monde». Grande lucidez e terrível premonição.