Qualquer pessoa sabe que Deus adora missas e carece delas para a estabilidade psíquica e facilidade das digestões.
Os crentes de várias religiões servem-lhe orações, ervas aromáticas, água turva benzida e velas acesas. O clero executa a liturgia e exulta com crentes ajoelhados ou de rastos. E Deus fica muito contente com a subserviência da clientela.
Uma das multinacionais da fé – a ICAR – já teve crentes mais convictos, frequentadores dos sacramentos e entusiastas das distracções místicas. O Papa esforça-se por chamar os devotos ao redil mas eles preferem os divertimentos mundanos à missa e à homilia.
B16 duvida da capacidade de Deus para compreender as línguas autóctones em que a missa passou a celebrar-se depois do concílio Vaticano II. Para tentar o diálogo com o patrão regressa ao latim e ao Concílio de Trento.
Deus desapareceu há muito, mas o negócio precisa de mudanças para prosperar. Com este Papa as mudanças serão sempre em marcha-atrás. É por isso que volta a missa em latim. Pode ofender judeus – advertem especialistas -, mas que mal tem para quem já queimou tantos e confia no Novo Testamento um execrável manual de anti-semitismo?
A ICAR nunca lhe atribuiu a felicidade colorida do Céu nem as penas sofridas do Inferno. Era uma espécie de bairro abandonado para as almas não matriculadas, o espaço neutro para os não baptizados, sítio que não rendia lucros à ICAR.
Pelos vistos, ao mínimo descuido dos pais, lá viajavam as almas infantis para o eterno abandono do Limbo. Era uma injustiça que os teólogos da ICAR agora se preparam para reparar.
De futuro as crianças que morrerem sem baptismo já vão para o Céu. É preciso que o documento papal esclareça algumas dúvidas:
1 – Quando passam a vigorar as novas normas;
2 – Como se faz a mudança para o Paraíso das almas residentes no Limbo, caso tenha efeitos retroactivos a decisão papal;
3 – A que idade é que a ausência do baptismo deixa de conferir bilhete para o Céu.
O Vaticano é um poço de surpresas e uma central de fértil imaginação.
Um dos argumentos mais utilizados pelos crentes na defesa da utilidade religiosa é o argumento da necessidade do moralismo religioso como sustento de uma sociedade moral. Segundo este princípio, o moralismo religioso é indispensável ao funcionamento da sociedade, através da divulgação de valores de justiça e de regras de boa conduta.
Contudo, este princípio não tem qualquer fundamento. Os sistemas religiosos são sistemas fechados, relutantes à influência externa e só assimilam novos valores exteriores quando lhes é conveniente, através de um simples processo de sobrevivência ou, como quase sempre acontece, tardiamente, quando já toda a sociedade assimilou as alterações em causa.
Por serem sistemas fechados e, consequentemente, as normas morais demorarem muito tempo a sofrerem adaptações, as religiões permanecem praticamente imutáveis aos olhos de qualquer geração e as alterações só se conseguem vislumbrar, muitas vezes, numa perspectiva histórica.
Assim, como se explicaria, baseando-nos no princípio exposto no primeiro parágrafo, que os valores morais de uma religião sofram dessa imutabilidade enquanto as sociedades, com o seu dinamismo independente da religião, alterem consideravelmente os seus valores em processos que muitas vezes duram escassos anos?
Se o princípio da moral religiosa fosse válido viveríamos ainda sob a moralidade medieval, uma vez que os princípios morais religiosos dessa era ainda vigoram na sua maior parte; nos casos em que isso não acontece, a religião foi sempre a reboque das alterações impostas pela dinâmica da sociedade.
Não existem razões de facto para sustentar a superioridade de qualquer moral religiosa. A moral é fruto desse enorme empreendimento que é – e continuará a ser – a adaptação do ser humano ao mundo que o rodeia, procurando equilíbrios de justiça na busca da felicidade individual e colectiva.
(Diário Ateísta / Penso, logo, sou ateu)
«1. A liberdade de consciência, religião e culto é inviolável. 2. Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa. 3. As igrejas e comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto. 4. É garantida a liberdade de ensino de qualquer religião praticado no âmbito da respectiva confissão, bem como a utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades. 5. É reconhecido o direito à objecção de consciência, ficando os objectores obrigados à prestação de serviço não armado com duração idêntica à do serviço militar obrigatório.» (Artigo 41º)
Foi há cinquenta anos na Figueira da Foz. Eu era um adolescente muito magro obrigado a usar um fato de banho com uma saia dianteira que ocultasse eventuais entusiasmos e uma camisola interior que tapasse algum pêlo que despontasse no peito.
O cabo de mar era intransigente na defesa da moral e dos bons costumes. Um rapazinho de 14 anos não poria em causa a ordem estabelecida. Portugal não era um país onde o corpo se expusesse com soía em países de baixas temperaturas e elevada devassidão.
Hoje, se alguém se apresentasse numa praia portuguesa, nos preparos que a lei prescrevia então, seria de novo alvo de suspeita e não era a polícia que o incomodava, eram médicos que duvidariam da sanidade mental.
Lembrei-me deste episódio com a notícia iraniana de que a respectiva polícia passou a vigiar os abusos das mulheres (maldita misoginia) que usam véus incorrectos e deixam ver algum cabelo. A defesa dos costumes e a vigilância moral ficarão a cargo da polícia islâmica. Maomé pode dormir descansado, as prevaricadoras serão chicoteadas em público.
O Irão de hoje é o Portugal da minha adolescência. O Salazar de lá – Ahmadinejad – é o mesmo biltre moldado pelo seminário e pela demência dos bons costumes. A liberdade é uma ousadia que a polícia se encarregará de reprimir.
Diz um membro da comissão cultural do Parlamento: «um homem que veja estas manequins na rua não prestará mais atenção à sua mulher em casa, destruindo o fundamento da família». A tara não é exclusiva do Islão. A repressão sexual é uma forma de domínio e de exercício da tirania.
Joel e Augusto estão na esquadra. São suspeitos de homicídio, e cada um deles presta depoimento, desconhecendo as declarações do outro. A PJ acredita que são cúmplices e espera que o interrogatório lance luz sobre os acontecimentos passados.
Filipe Soares está encarregado de dirigir a investigação deste caso. Como profissional experiente sabe perfeitamente o seguinte: se porventura os depoimentos de Joel e Augusto não contiverem qualquer incoerência; se cada um deles responder sempre da mesma forma a cada pergunta que é colocada; se nenhum dos pormenores de algo que se lembram for ligeiramente diferente; se cada detalhe é perfeitamente compatível, então é provável que tenham combinado juntos qual a história que iriam contar. Em princípio terão verificado todas as questões, procurando evitar qualquer ponta solta, tentando não deixar nada ao acaso.
Mas não é isso que acontece.
Joel diz que nesse dia estiveram a jogar Poker e que quem estava a ganhar era ele. Que estavam a beber cerveja, que o jogo estava entediante, e a conversa amena. Que não havia nada para comer.
Augusto diz que nesse dia estiveram a jogar Poker e que quem estava a ganhar era Joel. Que comeram piza até ficarem ambos muitos cheios, e que estiveram sempre a beber coca-cola. O jogo estava entediante e a conversa amena.
Filipe Soares continua a sua investigação. São reunidas as provas e indícios e Joel e Augusto, que não confessaram qualquer crime, vão a Tribunal.
O advogado de defesa diz que uma das maiores provas da inocência de Joel e Augusto são as contradições entre ambas as versões. Diz que se as versões fossem combinadas, coincidiriam em todos os pormenores.
O que é que o juiz achará disto?
O que é que o leitor acharia?
Fraca defesa aquela que recorre a tão tolo argumento.
Então não há centenas de criminosos cúmplices que se contradizem nos seus depoimentos? Depoimentos que se contradizem atestam a inocência de quem quer que seja?
Na verdade o advogado de defesa do Joel e do Augusto, ou tem um fraco conhecimento de lógica, ou espera que o juiz o tenha. Ele não sabe que quando A implica B, isso não quer dizer que a negação de A implique a negação de B.
Vou dar um exemplo: «se eu estou a saltar, eu estou vivo» não quer dizer que «se eu não estou a saltar, eu estou morto».
Da mesma forma: «se o Joel e o Augusto têm depoimentos compatíveis ao mais pequeno pormenor, então provavelmente são culpados» não quer dizer que «se o Joel e o Augusto têm depoimentos com várias contradições (grosseiras?), então são inocentes».
Agora parece claro que o argumento do advogado de defesa do Joel e do Augusto é pateta. Pior, é absurdo. É indigno de uma defesa sólida.
Dá a impressão que não existem bons argumentos para defender o Augusto e o Joel das evidências contra eles, e que por isso é necessário recorrer a estas falácias tão descaradas.
E isto é verdade quer as contradições entre Joel e Augusto sejam muitas e graves, quer sejam pequenas e pouco importantes. Em nenhum caso provam a inocência de ambos.
Suponho que o leitor não discordou até este ponto do texto.
Agora diga-me, que devo eu pensar quando volto a ouvir, repetidamente, alguns cristãos afirmarem que «uma das maiores provas que o Novo Testamento é verdadeiro é a existência de algumas contradições nos Evangelhos»?
Mas os pais que optem pela única forma segura e legal de garantir o paraíso aos seus filhos serão condenados ao inferno. O que será pior? Sofrer eternamente sabendo que todos os filhos estão no paraíso, ou estar no paraíso sabendo que, para lá chegar, pode ter condenado os filhos ao sofrimento eterno?
Quanto mais aprendo sobre religião mais me agrada o ateísmo.»
(«Crianças mortas suspiram de alívio.», no Que Treta!)– Ora aí está! Foi Deus quem causou essa flutuação quântica.
– Não pode. Este tipo de acontecimento não tem causa. O conceito de causalidade nem se aplica.
– Não tem causa. Muito bem. Mas, mesmo assim, foi Deus quem o causou!
» («Um diálogo.», no Que Treta!)Provavelmente por habitar em paragens muito longínquas, ou numa cave insonorizada com água potável e conservas para uma vida inteira, JCN ignora que vive numa sociedade que não só não discrimina os crentes, não só não dá mostras de severidade para com a Igreja, mas que, pelo contrário, a trata com uma benevolência que roça, por vezes, a subserviência.
Pode até dar-se o caso de JCN ter ouvido falar de um país, chamado “Portugal”, no qual a perseguição aos crentes não prima pela ferocidade: a Igreja tem direito a transmissão televisiva das eucaristias, a mensagem de Natal do patriarca, a emissões especiais por ocasião do aniversário da cidadã Lúcia de Jesus dos Santos, a uma Universidade, e, até há bem pouco tempo, a presença no protocolo do Estado.»
(«BRANDA SEVERIDADE», no umblogsobrekleist)O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.