9 de Março, 2007 Carlos Esperança
Juízo Final
Os supersticiosos do Juízo Final crêem que Deus, no fim dos tempos, viajará até ao Vale de Josafá, para dirigir a batalha do Armagedão contra os homens e dedicar-se, depois, a julgar os vivos e os mortos.
Pensam os prudentes que será impossível ressuscitar Deus da morte lenta que o vai erradicando, de tal modo que será incapaz de ressuscitar outros mortos. Mas os beatos acreditam nas patranhas que alimentam o imaginário dos simples e o estômago do clero.
Não imaginam os devotos os problemas logísticos de uma ressurreição universal, a escassez do espaço para tantos, o caos à hora das refeições, a cólera quando faltasse o vinho e os impropérios quando Deus proferisse as primeiras sentenças.
Começa por não se saber com que idade o Deus abraâmico, de parco juízo e sem hábitos de trabalho, iria ressuscitar os mortos. Por questões de espaço era apropriado convocar os embriões mas era uma idiotice julgar inimputáveis apesar de a jurisprudência divina ser um catálogo de horrores.
Se acontecesse reunir todos os vivos e mortos na idade adulta não conviria a juventude propensa ao exacerbamento dos sentidos e a obrigar à separação dos sexos para bem da castidade e dos bons costumes.
A tolice com que sonham os créus e assustam as crianças desde pequenas, daria origem a cenas caricatas quando um ressuscitado pedisse a outro o coração que lhe sacaram no desastre de moto, para o transplantar num professor de latim, ou o engenheiro mecânico que tinha um rim alheio visse um torneiro mecânico com uma chave de fendas na mão a exigir-lhe a devolução.
Felizmente que Deus não pode ser juiz por falta de habilitações e de experiência. Como é que um aldrabão que, desde o princípio do Mundo, não concluiu um único processo teria condições para, de uma assentada, julgar os vivos e os mortos reunidos no Vale de Josafá?
E quem é que iria obedecer-lhe? Os mortos que teriam de abandonar as «delícias do nada» ou os vivos, deslocados de suas casas, com o reumático e o catarro a apoquentá-los? Deus morreu e essa é a boa notícia. A má é o clero recusar a certidão de óbito.