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Mês: Janeiro 2007

21 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

De questões de consciência, boutades e embriões – II

Perto da boutade de Gentil Martins empalidecem as outras das excomunhões, dos avisos aos crentes de que o voto SIM implica que «não podem casar, baptizar-se e nem poderão ter um funeral religioso», das Marias que choram, das cruzadas de terços e até do dislate dos telemóveis do nosso cavaleiro da pérola redonda e opinador de segunda, JC das Neves!

Mas em relação à opinação deste último, na realidade uma sociedade tecnológica, moderna, é incompatível com uma sociedade que criminaliza a liberdade de consciência de metade dos seus membros! E é uma sociedade que nos lembra que o que nos distingue dos restantes animais é exactamente a capacidade do Homem em alterar o curso da Natureza, em modificar o Futuro (valioso ou não) pelas suas acções!

O que distingue o Homem dos restantes animais é a capacidade de alterar potencialidades «naturais» com a sua acção. Ninguém protesta por as acções contra natura do Homem evitarem que se morra de uma simples infecção ou permitirem a utilização de telemóveis!

Porque razão os pró-penalização se recusam em capitalizar Homem e pretendem manter a mulher, contra sua vontade, agrilhoada às leis da Natureza? Porque pretendem manter a mulher presa a uma animalidade «natural» em vez de a assumirem como integrante da humanidade, fazedora consciente de futuros improváveis?

Ninguém nega que se deixado entregue à Natureza, sem interferências humanas, a probabilidade de um embrião se desenvolver numa pessoa é elevada. Assim como é elevada a probabilidade de o mesmo acontecer se se deixar à Natureza o resultado de uma sexualidade «natural», isto é, sem contraceptivos nem abstinências contra natura.

O desenvolvimento de uma nova pessoa depende de acções humanas, há já muitos anos que não segue o curso da Natureza. E essa pessoa está tanto em potencial num óvulo como num embrião! A vontade e acção humanas determinam se essa potencialidade irá evoluir para uma pessoa.

Mas algo em potencial não é esse algo, como este fantástico comentário do Lino exemplifica: «Mas chega dizer-lhe que todos somos potenciais cadáveres, mas nenhum de nós gostava de ser cremado antes de morrer.»

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20 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

De questões de consciência, boutades e embriões

Concordo plenamente com António Costa quando este, invocando as concepções de Direito de um Estado moderno, confirmou o que todos, cruzados pelo NÃO inclusive, admitem, que «a decisão de fazer ou não um aborto é uma questão de consciência pessoal que deve sair da esfera dos poderes de Estado».

«Aquilo que são questões de consciência não são susceptíveis de ser criminalizadas – não devem ser criminalizadas questões de consciência política, religiosa ou ética. São decisões íntimas, individuais e pessoais de cada um que o Estado deve escrupulosamente respeitar e não se deve intrometer.»

Que existam pessoas que por razões religiosas ou influenciados por preconceitos de género – inadmissíveis de serem transpostas para a lei numa democracia moderna – considerem ser um embrião uma «criança» é uma opinação subjectiva, de consciência, que não podem impor a toda a população! Mas não consigo perceber como podem achar legítimo meter na prisão quem não pensa como eles! Não consigo perceber que ignorem (ou pretendam) as consequências do aborto clandestino e as humilhações em praça pública das centenas de mulheres que nos últimos 8 anos foram investigadas por abortar!

Assim, fiquei chocada com as declarações públicas de Gentil Martins quando inquirido sobre a morte de uma mulher em consequência de um aborto clandestino:

«O que é a morte de uma mulher comparada com a morte de 20.000 crianças?»

Choca-me que alguém possa ser tão fanático que considere a vida de uma mulher irrelevante, choca-me que no meu país ainda existam representantes do catolicismo mais jurássico que considere ser a morte de uma mulher a justa punição por um «pecado»!

Como António Vitalino Dantas, bispo de Beja, admitiu na passada quinta-feira, o embrião «não é pessoa humana, porque não tem consciência dos seus actos. Não tem alma».

Eu, que não acredito em almas, concordo com o dignitário católico. O embrião é uma forma de vida humana mas não é uma pessoa! Aquilo que nos torna pessoas, que nos distingue de outras formas de vida biológica, não está presente no embrião. Que um dos mais proeminentes cruzados pelo NÃO se atreva a insultar as portuguesas desta forma não pode ser deixado em branco!

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(continua)
20 de Janeiro, 2007 jvasco

Porque tenciono votar SIM

No próximo referendo é possível um ateu votar não (tal como um crente votar sim). Pessoalmente já defendia o sim desde antes do referendo anterior, mas cheguei a ponderar o voto em branco tendo em conta alguns argumentos e factos apresentados pelo Ludwig Krippahl (um ateu que vai votar não).

Após alguma reflexão pessoal, alguma procura, alguma análise dos diferentes argumentos cheguei à conclusão que vou votar sim. Há muitas razões válidas que o sim apresenta e que certamente levei em conta. Mas há duas razões que foram decisivas, as quais passo a apresentar:

a) Passo a citar parcialmente um artigo do Blasfémias, escrito pelo João Miranda, que traduz algo que acredito mas que nunca verbalizei de forma tão adequada:

«Portanto, vamos supor que o feto é uma pessoa, isto é, que se entende que tem os mesmos direitos que um recém nascido. Não se segue imediatamente que deve haver uma lei que penaliza o aborto. Uma lei para ser lei para além de ser justa tem que respeitar outros critérios. Um dos critérios mais importantes é que não pode ser uma farsa. E para não ser uma farsa tem que ser aplicável.

O problema da actual lei é que ela é uma farsa por diversos motivos:

1. É desrespeitada pela generalidade da população que conta, isto é, se uma mulher precisar de fazer um aborto a sua última preocupação é a lei. A lei dificulta a logística, mas não é suficientemente eficaz para impedir o aborto.

2. Existe uma quase unanimidade de que a lei não deve ser cumprida. Nem sequer os defensores do NÃO têm coragem para afirmar que as mulheres que fazem abortos devem ir presas. Pelo contrário, os defensores do NÃO fazem questão de lembrar, seguindo uma estratégia estranha para os seus interesses, que a actual lei não é cumprida e ainda bem. Pois se é bom que a actual lei não seja cumprida, suponho que também seja bom que seja revogada.

3. A lei só não seria uma farsa se o estado fosse omnisciente e omnipotente. Se soubesse a cada momento o que se passa no útero de cada mulher, talvez colocando sensores ou espiando as listas de compras das mulheres ou os respectivos caixotes do lixo. Ou talvez se colocasse agentes infiltrados nas clínicas de Badajoz ou se fizesse ecografias na fronteira do Caia.

A lei que existe é um meio ineficaz de protecção da vida do feto. Os problemas da lei não são meros problemas de incompetência sanável. O problema da lei é que ela pressupõe uma sociedade e um estado que não existem (felizmente). Nem a sociedade acha os abortos graves ao ponto de colaborar na implementação da lei, nem o estado tem capacidade para vigiar o que se passa nos úteros das mulheres. A penalização do aborto é claramente uma ferramenta inadequada para proteger os fetos do aborto e por isso o facto de o feto ser uma pessoa não implica que deva ser protegida pela lei. Só implicaria se a lei protegesse a generalidade dos fetos, o que não é o caso.»

b) Na sociedade em que vivemos, parece-me melhor não nascer – nunca chegar a ser um ser consciente, que sente dor e sofrimento – do que nascer filho de uma mãe que não nos deseja: que nos teria abortado se o pudesse e que carregou o sofrimentos de nos ter durante 9 meses, e assim o continuará a fazer.

Acredito que para se ser mãe não basta conceber. É preciso amar o seu filho, é preciso ter a capacidade de lhe dar uma vida com alguma estabilidade, é preciso poder propiciar-lhe um futuro com esperança.

Uma mãe que, podendo abortar, não o faz, é uma boa candidata.
Uma mãe que porventura não abortou apenas porque era ilegal vai possivelmente arruinar a sua vida e a do filho.

Será que a lei funciona? Será que há menos abortos por ser ilegal abortar?
Actualmente penso que se tal for verdade, essas crianças não estão a ser protegidas: estão a nascer no mundo sem a garantia de uma mãe que as ame, com poucas condições para serem criados e serem pessoas estáveis, e equilibradas.

20 de Janeiro, 2007 Carlos Esperança

A ICAR e a IVG

O piedoso cónego Tarcísio Alves pegou no Código de Direito Canónico – o Código Penal das almas católicas -, percorreu o menu dos pecados capitais e arremessou aos paroquianos o Cânone 1331: os que votarem Sim, no próximo referendo, «não podem casar, baptizar-se e nem poderão ter um funeral religioso».

Lá está, na mancha impressa, a pena que soturnas criaturas imputaram a quem votasse «Sim» no referendo da República.

Aliás, o direito de voto e a própria democracia já foram considerados pecados mortais por infalíveis Papas que acharam a liberdade uma abominação e excomungaram os livres-pensadores.

Eis, pois, a pena a que automaticamente se expõem os pios eleitores de Castelo de Vide se não seguirem no voto o reverendo cónego.

Hoje deprecia-se a pena porque deixou de ser acompanhada do churrasco do corpo, esse invólucro imundo que compromete o destino da alma. Os réprobos que desobedecerem aos funcionários de Deus já não padecem as torturas a que os antepassados se expunham para purificar a alma. Nem a GNR lhes dá uns safanões no Posto. Nem existe PIDE para os arrecadar na enxovia.

O método expedito de amaldiçoar os créus que votarem «Sim» no dia 11 de Fevereiro, corre o risco de transformar Portugal no país com maior densidade de excomungados e a ICAR, obsoleta e chantagista, torna-se a cloaca da fé, a bolçar inanidades pela boca piedosa dos seus padres.

Por sua vez, João César das Neves, um frasco de água benta revestido a pão ázimo, diz que o aborto vai ser «tão normal como o telemóvel», numa previsão de que ambos os sexos possam praticá-lo. Finalmente, a igualdade entre os sexos que tanto abespinha o espírito misógino dos beatos.

Deus, na sua infinita insignificância, torna-se mero pretexto para esportular os últimos óbolos dos derradeiros créus de uma religião em estado comatoso.

19 de Janeiro, 2007 Ricardo Alves

Aqueles para quem a liberdade vale zero

A nota pastoral «Razões para escolher a vida», de Outubro de 2006, foi o documento teórico fundamental sobre a despenalização do aborto produzido pela Conferência Episcopal Portuguesa da ICAR. Apesar de aí se prometer que «nós, os Bispos, não entramos em campanhas de tipo político», a ICAR tem feito exactamente uma campanha de tipo político, que aliás tem sido profusamente documentada no Diário Ateísta (e na qual os bispos têm participado). É também significativo que se afirmasse que «a escolha no dia do referendo é uma opção de consciência, que não deve ser influenciada por políticas e correntes de opinião», e que se procure influenciar religiosamente a campanha: os bispos da ICAR aceitam (com relutância) a autonomia política do Estado, mas recusam a autonomia ética da sociedade.

No documento referido, os bispos da ICAR afirmam «[considerar] a vida humana um valor absoluto», uma valoração incoerente com a possibilidade de pena de morte prevista no parágrafo 2267 do catecismo católico, mas que até por isso é de louvar. (Mas é suspeito que não tenham o mesmo empenho em combater a violência doméstica, como assinala uma leitora católica do Diário Ateísta: «Mulheres mortas por violência doméstica, era um bom tema para uma homilia num domingo, ou uma Nota Pastoral. Nunca ouvi nenhuma».) As razões profundas para a obsessão eclesial com a IVG, que jamais são assumidas pela CEP, devem-se ao facto de evidenciar que existem pessoas que têm relações sexuais sem finalidade procriativa.

Os senhores bispos dizem alguns disparates. Por exemplo, afirmam que «é hoje uma certeza confirmada pela Ciência [que] todas as características e potencialidades do ser humano estão presentes no embrião». As «potencialidades», não tenho dúvidas de que estão todas. Mas todas as características? Será que a actividade cerebral não é uma característica do ser humano? Ou o controlo do corpo? A autonomia biológica não conta? Estranho…

Mas passemos à questão ética. Como escrevi na minha declaração de voto, o dilema fundamental é entre o valor da liberdade da mulher e o valor da vida. Os senhores bispos dizem que «a vida humana, com toda a sua dignidade, existe desde o primeiro momento da concepção». (Em rigor, a vida humana não começa com a fecundação: os espermatozóides e o óvulo são células humanas vivas. Na fecundação, começa um novo indivíduo, ou vários com a mesma herança genética.) No entanto, é muito curioso que, apesar de apregoarem que vêem «toda a dignidade» e um «valor absoluto» no óvulo fecundado, os senhores bispos não lhe dêem a mesma dignidade e valor que conferem a uma criança. Efectivamente, se fossem coerentes, os senhores da CEP defenderiam a criminalização da «pílula do dia seguinte», e que a pena por abortamento correspondesse a um crime de homicídio. Não o fazem, e dizem até que as mulheres que abortam «precisam de ser ajudadas e não condenadas». Fica a impressão de que nem para os bispos da ICAR a vida intra-uterina é realmente um valor absoluto, apesar de afirmarem o contrário. Qual será o valor a partir do qual relativizam o «absolutismo» que, enganosamente, afirmam atribuir à «vida»? A única pista está no facto de citarem o episódio da fonte de Samaria, onde «Cristo» «perdoa» uma mulher adúltera. Portanto, fica a suspeita de que o aborto está mais próximo do adultério do que do homicídio. De qualquer forma, a liberdade não consta, como valor ou sequer como referência, na nota pastoral, o que é coerente com a antipatia católica pela autonomia dos indivíduos.

Para resumir a análise do documento dos bispos da ICAR, uma mera contagem de palavras é suficiente. A palavra «mulher» aparece sete vezes, e a palavra «mãe», três vezes; enquanto a palavra «vida» aparece dezassete vezes. Há uma palavrinha fundamental que não faz parte do léxico católico: liberdade. Aparece zero vezes. Zero.

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19 de Janeiro, 2007 jvasco

10 perguntas para cristãos

A primeira pergunta deveria suscitar uma reflexão profunda em muitos crentes…

19 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Consortio daemoniorum

«o bom cristão deveria estar atento aos matemáticos e a todos aqueles que fazem profecias vazias. Existe o perigo de que os matemáticos tenham feito um pacto com o diabo para obscurecer o espírito e confinar o homem no inferno». Agostinho de Hipona, aka santo Agostinho

Aparentemente os devotos do NÃO seguem à risca os conselhos do teólogo de eleição do actual Papa e fogem do rigor matemático como do Demo. Esta capa do Correio da Manhã de 14 de Janeiro ilustra perfeitamente o horror aos números dos pró-penalização e anti-liberdade de consciência da mulher. O mesmo jornal que anunciou há uns tempos que 350 000 portuguesas já abortaram (número que, dada a clandestinidade do aborto, peca necessariamente por defeito) vem agora na linha de Vasco Pulido Valente tentar passar a mensagem falsa de que o aborto é uma questão residual. Que não é!

Como já abordei, a extrapolação do que se passa na Europa civilizada, em que a IVG por opção da mulher é despenalizada pelo menos até às 10 semanas, há acesso a contracepção segura e a educação sexual desde os bancos da escola, permite prever que no mínimo 1 em cada 2 portuguesas, em média, já interromperam uma gravidez.

No debate de ontem a recomendação de Agostinho de Hipona àcerca de previsões estatísticas foi seguida «escrupulosamente» pelos devotos do NÃO presentes, que afirmaram ir a despenalização a IVG conduzir a um aumento exponencial do número de abortos. Na realidade, criminalizada ou não, quando uma mulher considera não ter condições para levar a termo uma gravidez indesejada interrompe-a mesmo. Sujeita a riscos consideráveis para a sua saúde, às mais diversas humilhações na praça pública e a uma pena de prisão até 3 anos se o fizer em Portugal, ou em segurança e condições dignas se se deslocar a Espanha.

Por esta última razão, é falacioso tentar usar informação da vizinha Espanha não só comparando directamente dados de 1985, ano em que foi aprovada a lei da despenalização em Julho, com os últimos valores disponíveis. Como deveria ser óbvio para todos, os primeiros anos em que a IVG é despenalizada num país não devem ser incluidos numa análise de tendências.

Mas principalmente esquecendo que cada vez mais portuguesas se deslocam a Espanha para cumprir a sua opção de consciência no país vizinho. Relembro que apenas na Clínica dos Arcos em Badajoz, uma entre 120 análogas em Espanha, 4000 portuguesas interromperam a gravidez no ano passado. Os dados de Espanha não discriminados por nacionalidades, que indicam ter existido em 2006 um aumento de 6.5% em relação ao ano anterior, não podem ser analisados sem ter em conta este factor.

Por outro lado deve ser analisada a evolução global das estatisticas, não podemos apenas olhar pontualmente para os dados. Isto é, uma vez que factores económicos e de segurança de emprego pesam substancialmente na decisão por uma IVG, em tempos de crise – como os que actualmente vivemos, em Portugal especialmente – podem existir flutuações pontuais numa tendência de diminuição.

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18 de Janeiro, 2007 Ricardo Alves

Portugal está mais secularizado do que a Espanha

O artigo do Semanário que a Palmira citou é um exercício de ficção política que raia a paranóia, e que foi nitidamente concebido para atacar Vital Moreira. Com todo o respeito por Vital Moreira, cujo currículo laicista é impecável, o jornal atribui-lhe duas acções que na realidade tiveram a sua origem em tomadas de posição da Associação República e Laicidade (o pedido de retirada dos crucifixos das escolas, e a nova lei do protocolo, na sequência da tomada de posse do PR). Mais, quando o Semanário atribui a Vital Moreira e aos «jacobinos ex-comunistas e anticlericais» intenções de «perseguir» a ICAR, esquece-se que a nova Lei do Protocolo de Estado é uma consequência directa do artigo 4º da Lei de Liberdade Religiosa, um diploma que levou a assinatura do católico militante António Guterres. E esquece-se também de que a presença permanente de símbolos religiosos em escolas públicas é vedada pela mesma lei e pela Constituição de 1976. Portanto, quando falam em «perseguição» a propósito destes assuntos, é o próprio regime constitucional que colocam em causa.

Mas, adiante. Escrevo este artigo principalmente porque a diatribe do Semanário merece ser refutada num ponto particular: afirma-se que «Sócrates não percebeu que essa deriva anticlerical em Portugal não teria o preço da espanhola (…) porque, ao contrário, em Portugal o peso da Igreja é ainda bastante significativo». O erro que consiste em considerar a Espanha actual «menos católica» do que Portugal é comum. Mas é um erro.

Vejamos alguns indicadores. A percentagem de casamentos realizados pelo registo civil, em Portugal, tem sido superior à percentagem espanhola pelo menos desde 1999, com ambas as percentagens em ascensão. Parece previsível, aliás, que o casamento civil passe a ser maioritário em Portugal já em 2008 ou 2009 (em 2005, a percentagem foi de 45%).

Quanto à percentagem de nascimentos fora do casamento, o cenário é o mesmo. Portugal tem maior proporção de nados-vivos de mãe não casada do que a Espanha, pelo menos desde 1999. Em 2005, Portugal já chegou aos 31%.

Conclui-se que, em Portugal, o afastamento em relação ao modelo de família católico é maior do que em Espanha. Os políticos deveriam meditar no significado político destes factos sociais.

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18 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Campanha de excomunhão – II

As manobras intimidatórias e a chantagem emocional sucedem-se a uma velocidade alucinante. Para além dos folhetos mais indescrítiveis de puro terrorismo psicológico, descubro via Renas e Veados que o cónego de Castelo de Vide e Portalegre, Tarcísio Fernandes Alves, no seu quarto boletim semanal sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, distribuído aos fiéis na missa do passado domingo, avisa que serão excomungados os que votarem SIM e os «que se abstiverem de votar cometem um pecado mortal gravíssimo que os irá impedir de participar na missa».

Acho que, tal como o João Oliveira, vou aproveitar o ensejo para ser retirada dos registos que me consideram católica pelo facto de a minha mãe me ter baptizado com alguns dias de vida. Face ao que explicou o empenhado pároco, espero que a minha desbaptização seja automática mal o pároco de Santos-o-Velho receba a minha carta registada confirmando a minha excomunhão e concomitante pedido para ser retirada da contabilidade que a ICAR esgrime para contar espingardas e exigir benesses. E espero que, a exemplo do que acontece em Espanha, o meu pedido não seja recusado. Suponho ser pouco católico fazer ameaças vãs…

Mas a próxima ameaça anunciada pelo cruzado contra a liberdade de consciência da mulher induz-me um frémito expectante pelas suas consequências. De facto, o pároco afirma que o próximo boletim avisará as católicas que «quem fizer aborto não poderá ter um enterro religioso».

Olhando para as estatísticas internacionais disponíveis sobre a taxa de aborto, considerando que Portugal tem uma taxa de natalidade das mais baixas da Europa e que não há qualquer razão para considerar que cá no burgo a eficácia dos contraceptivos sobe vertiginosamente em relação à que apresenta no resto da Europa, diria que, com base no indicador médio europeu sobre o número de abortos por mulher, no mínimo metade das mulheres portuguesas não terão direito a um funeral religiososo. Por exemplo nos Estados Unidos, com uma taxa de natalidade em 2004 de 2,05, muito superior à nacional de 1,42, em média 7 em cada 10 mulheres faz um aborto.

Na realidade, embora a clandestinidade a que o condicionalismo católico remeteu o aborto não permita qualquer tipo de estatísticas, uma vez que o mesmo condicionalismo e falsa moralidade inibem a educação sexual e o planeamento familiar encontrados nos países livres das teias de aranha religiosas, – que curiosamente são os que apresentam maiores taxas de natalidade na Europa – diria não ser arriscado extrapolar que a taxa de aborto em Portugal deve ser substancialmente superior à verificada nos restantes países europeus – com excepção das ex-Repúblicas soviéticas – e estar mais próxima das estimadas para a América Latina. Países em que todas as mulheres realizarão em média entre 1 a 1,5 abortos ao longo da vida!

Assim sendo, e acreditando mais uma vez que estas não são ameaças em vão, seria útil que os nossos governantes começassem a pensar seriamente na construção de tanatórios em todo o país já que espero que os portugueses não se deixem coagir pelas manobras da Igreja de Roma e o resultado do referendo de 11 de Fevereiro mostre claramente a maturidade cívica e de cidadania nacional!

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