Atavismos: da Igreja Católica e referendos – II
Em causa estão não só a ausência de referências ao catolicismo no Preâmbulo do novo Estatuto de Autonomia mas essencialmente os desvios flagrantes do novo texto em relação à interpretação católica dos Direitos Humanos, que se traduzem para os prelados simplesmente no Direito da Igreja impor a todos os seus atavismos.
De facto, são inadmíssiveis para a Igreja as políticas de promoção de igualdade de género abundantemente expressas em todo o texto, uma abominável «concessão à ideologia de género vigente» contrária aos «fundamentos antropológicos da diferenciação de sexos».
Recordo que para a ICAR, auto-proclamada expert em antropologia, os fundamentos antropológicos que devem reger as nações são a inenerrante «antropologia bíblica» – leia-se pecado original – que denuncia como profundamentes erradas as «perspectivas igualitárias para a mulher, libertando-a de todo o determinismo biológico». Ou seja, a igualdade de direitos para a mulher promovida no novo Estatuto andaluz é uma aberração ateísta que não reconhece a ordem «natural» do mundo «divinamente» ordenada!
Assim como são aberrações ateístas denunciadas veementemente pela Igreja o articulado referente à educação pública, definida como laica «conforme o carácter aconfessional do Estado» – mas que «terá em conta as crenças religiosas da confissão católica e das restantes confissões» -; o reconhecimento das uniões de facto e o facto de o novo Estatuto de Autonomia não dar protecção jurídica a óvulos fertilizados!
O arrazoado jurássico com que a delegação andaluz da Igrejade Roma critica o novo documento máximo desta comunidade, «declarações retrógradas, reaccionárias e próprias de uma instituição medieval» – como a porta voz da IU, Concha Caballero, as classificou – mereceram a reprovação de todos os partidos políticos, PP e PA, o único que apela ao voto NÃO no referendo, incluídos!
Aparentemente em Espanha os políticos já meditaram no significado político dos indicadores sociais referidos pelo Ricardo. Reflexão de que resultou, por exemplo, o recente Manual de Ceremonial Civil. Los días más grandes, um instrumento que «sob parâmetros exclusivamente laicos» descreve «fórmulas para viver con solenidade» os «ritos de passagem» – nascimentos, casamentos e funerais -, publicado pela Asociación Catalana de Municipios y Comarcas. Manual que critica a Igreja e questiona o conceito de Deus!
Num Portugal que os mesmos indicadores sugerem estar mais secularizado que a vizinha Espanha é mistificante que a nossa classe política permita a imiscuição atávica da Igreja, abundantemente confirmada nos últimos tempos, em matérias que deveriam ser exclusivamente de política e/ou de Direito …
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