De bioética, ciência e tolices sortidas
Acho sempre divertido – embora irritante – que a Igreja Católica, empenhada numa cruzada contra a «irracional» ciência e os «terroristas» que a praticam, tente confundir os mais incautos invocando em vão o nome ciência para vender como verdades científicas as maiores barbaridades.
Em relação ao tema aborto ler e ouvir o bispo da Guarda, Manuel Felício, que nem deve ter uma pálida ideia sobre o que seja a ciência – a crer nos abundantes dislates que debita sob a (pseudo)égide da mesma – confirma que a única moral «absoluta» cristã na história do cristianismo é a que estabelece que os fins justificam os meios, e um dos meios banalizados para propagar e manter a fé é o medo, instalado pela mentira e pela ameaça.
Já a homilia de Ano Novo do dignitário católico tinha sido uma elegia da mentira e especialmente das «opiniões tolas», as tais que Agostinho de Hipona tão sabiamente advertiu os cristãos para não pronunciarem. Claro que uma plateia tão analfabeta cientificamente como o seu pregador não se apercebe da tolice abundantemente debitada pelo empenhado pró-prisão. Mas a resposta «científica» apresentada como prova cabal de que o embrião/feto é uma pessoa é tão tola que precisei ler de novo, para mais uma vez confirmar que não tinha ido parar ao equivalente nacional da minha «Cebola» favorita.
Se não vejamos: diz o dignitário que «há uma relação vital que se desenvolve progressivamente entre o feto e a mãe», isto é, a verdade de la Palice que a vida do feto depende da mulher, relação que para o dignitário «é só própria de pessoas e entre pessoas». Não sei se o facto de existir uma «relação vital» entre um parasita e um hospedeiro equivale taxonomicamente o primeiro ao último mas certamente que face a esta explicação Feliciana a ciência vai conhecer uma revolução inaudita!
Mas as tolices felicianas não pararam aqui! Uns dias depois de classificar o aborto como medida de «exclusão social», um Felício à beira da apoplexia ululou em prime time hoje que o «aborto é equivalente à pena capital» e que ele, Manuel Felício, bispo da Guarda, é um embrião.
As excepções já contempladas na actual lei confirmam que a segunda afirmação não anda muita longe da verdade – pelo menos no que a neurónios diz respeito – e assim se explica a tolice da primeira!
E após conversa com outro Carlos de Coimbra, com uma pena tão fácil e erudita como o nosso, mas com apelido que apenas contém esperança de um Portugal cientificamente mais esclarecido, recupero um texto do Carlos Fiolhais, mais um cientista pelo SIM, publicado na revista Omnia no longínquo ano de 1991, de que reproduzo excertos no próximo post. As conclusões do Carlos, velhas de 16 anos, mantêm-se actuais: «A falha de ética ou o défice de ciência, podem, juntas ou separadas, vir-nos a custar o futuro».
Dia 11 de Fevereiro joga-se também o futuro de Portugal, o modelo de sociedade que queremos construir. Se queremos uma sociedade democrática e moderna ou uma sociedade de embriões felicianos. E é preciso que o não esqueçamos! E, principalmente, urge que não deixemos que os fundamentalistas católicos explorem a falha de ética e o défice de ciência da população menos esclarecida para manipular o resultado do referendo para os fins necessários ao integrismo totalitário que ambicionam!
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