Consortio daemoniorum
«o bom cristão deveria estar atento aos matemáticos e a todos aqueles que fazem profecias vazias. Existe o perigo de que os matemáticos tenham feito um pacto com o diabo para obscurecer o espírito e confinar o homem no inferno». Agostinho de Hipona, aka santo Agostinho
Aparentemente os devotos do NÃO seguem à risca os conselhos do teólogo de eleição do actual Papa e fogem do rigor matemático como do Demo. Esta capa do Correio da Manhã de 14 de Janeiro ilustra perfeitamente o horror aos números dos pró-penalização e anti-liberdade de consciência da mulher. O mesmo jornal que anunciou há uns tempos que 350 000 portuguesas já abortaram (número que, dada a clandestinidade do aborto, peca necessariamente por defeito) vem agora na linha de Vasco Pulido Valente tentar passar a mensagem falsa de que o aborto é uma questão residual. Que não é!
Como já abordei, a extrapolação do que se passa na Europa civilizada, em que a IVG por opção da mulher é despenalizada pelo menos até às 10 semanas, há acesso a contracepção segura e a educação sexual desde os bancos da escola, permite prever que no mínimo 1 em cada 2 portuguesas, em média, já interromperam uma gravidez.
No debate de ontem a recomendação de Agostinho de Hipona àcerca de previsões estatísticas foi seguida «escrupulosamente» pelos devotos do NÃO presentes, que afirmaram ir a despenalização a IVG conduzir a um aumento exponencial do número de abortos. Na realidade, criminalizada ou não, quando uma mulher considera não ter condições para levar a termo uma gravidez indesejada interrompe-a mesmo. Sujeita a riscos consideráveis para a sua saúde, às mais diversas humilhações na praça pública e a uma pena de prisão até 3 anos se o fizer em Portugal, ou em segurança e condições dignas se se deslocar a Espanha.
Por esta última razão, é falacioso tentar usar informação da vizinha Espanha não só comparando directamente dados de 1985, ano em que foi aprovada a lei da despenalização em Julho, com os últimos valores disponíveis. Como deveria ser óbvio para todos, os primeiros anos em que a IVG é despenalizada num país não devem ser incluidos numa análise de tendências.
Mas principalmente esquecendo que cada vez mais portuguesas se deslocam a Espanha para cumprir a sua opção de consciência no país vizinho. Relembro que apenas na Clínica dos Arcos em Badajoz, uma entre 120 análogas em Espanha, 4000 portuguesas interromperam a gravidez no ano passado. Os dados de Espanha não discriminados por nacionalidades, que indicam ter existido em 2006 um aumento de 6.5% em relação ao ano anterior, não podem ser analisados sem ter em conta este factor.
Por outro lado deve ser analisada a evolução global das estatisticas, não podemos apenas olhar pontualmente para os dados. Isto é, uma vez que factores económicos e de segurança de emprego pesam substancialmente na decisão por uma IVG, em tempos de crise – como os que actualmente vivemos, em Portugal especialmente – podem existir flutuações pontuais numa tendência de diminuição.
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