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Entropia Genética: primeiras impressões.

«Há umas semanas o Jónatas Machado teve a amabilidade de me oferecer o livro «Genetic Entropy & The Mistery of the Genome», do John Sanford, o que me deu a oportunidade de ficar a conhecer melhor os argumentos mais recentes do movimento criacionista.

O livro é um pouco estranho. Pretende ser uma divulgação científica e objectiva, mas todos os capítulos começam com um subtítulo que diz «Newsflash», no meio do texto há frases sublinhadas, frases a negrito, e muitos pontos de exclamação. A sensação é de estar a ouvir um pregador emocionado a exortar os seus seguidores em vez de uma explicação científica. Também incomoda a forma como o livro subestima a capacidade de compreensão do leitor. Quando o autor diz que as instruções para fazer um carrinho de mão caberiam num livro, temos um desenho de um carrinho com um livro em cima. Quando o autor fala da fábula da princesa que sentia uma ervilha através do colchão, lá vem o desenho da princesa em cima de uns colchões e ervilhas espalhadas à volta.

Mas interessa mais o conteúdo que a forma. A proposição central do livro é que o nosso genoma está a degradar-se pela acumulação de mutações. Todos nascemos com mutações e, segundo Sanford, a selecção natural não consegue eliminar um número suficiente para prevenir a destruição da informação no genoma humano. Para isto Sanford invoca o custo de selecção, um termo criado por Haldane para designar a quantidade de mortes (ou esterilidade) necessária numa população para que um alelo (um gene de um tipo) substitua outro.

Suponhamos que todos os indivíduos de uma população têm o gene A, e surge um mutante com a variante B deste gene. Para que a população fique toda com o gene B é preciso que muitos indivíduos com o gene A morram sem descendentes. Como só uma parte da população pode ser eliminada a cada geração, e como em geral vão morrer também indivíduos com o gene B, é preciso muitas gerações para que o gene B substitua o gene A na população. Haldane estimou que este processo numa espécie como a nossa demoraria cerca de 300 gerações.

Mas isto é muito diferente do problema de eliminar mutações novas. Quando surge uma mutação deletéria num indivíduo basta que esse indivíduo morra sem descendentes para que a mutação seja eliminada da população. É surpreendente que Sanford tenha confundido o custo de eliminar uma mutação nova com o custo de substituir um gene presente em toda a população.

Sanford também assume que a proporção de mutações prejudiciais é uma constante, mas isso é falso. Imaginemos um o organismo com os melhores genes possíveis para todos os atributos. Adão, para os criacionistas; a criação perfeita (antes de perder a costela). Neste qualquer mutação será prejudicial. Mas conforme os descendentes vão acumulando imperfeições vai aumentando a probabilidade de uma mutação aleatória melhorar algo, quanto mais não seja por reverter um gene mutante ao gene original.

Na realidade não há uma degradação constante mas um equilíbrio dinâmico. Mutações aleatórias introduzem um grande numero de imperfeições e algumas melhorias ocasionais. A selecção natural elimina defeitos graves rapidamente faz com que as melhorias se propaguem lentamente pela população. Alterações que têm um impacto pequeno demais simplesmente se acumulam ou desaparecem ao acaso (a evolução neutra proposta por Kimura e outros). E é verdade que a distribuição de genes pela população está em constante evolução. Não há nenhum processo natural que fixe para sempre o genoma de uma população. Mas é só o criacionismo que exige que o Homem seja o produto final duma criação perfeita. Para a teoria da evolução somos apenas um passo num deambular sem fim.

O que podemos esperar deste equilíbrio dinâmico é uma grande diversidade de características e indivíduos. Uns serão mais fortes, outros mais rápidos, outros mais atraentes, e assim por diante. Todos terão alguns defeitos, e alguns terão muitos defeitos. Exactamente o que observamos em qualquer população.

Nos próximos posts vou elaborar melhor alguns pontos que o Jónatas Machado sugeriu e que são discutidos neste livro. Mas como apreciação geral posso dizer que este livro sofre dos mesmos problemas que todos os argumentos criacionistas que conheço: uma má compreensão da teoria da evolução, e uma análise incompleta e tendenciosa dos factos.»

——————————–[Ludwig Krippahl]

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