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8 de Dezembro – IV

«1817. Cân. 2 – Se alguém disser que as ciências humanas devem ser tratadas com tal liberdade que as suas conclusões, embora contrárias à doutrina revelada, possam ser retidas como verdadeiras e não possam ser proscritas pela Igreja – seja excomungado [cf. nº 1797-1799].

1818. Cân. 3 – Se alguém disser que às vezes, conforme o progresso das ciências, se pode atribuir aos dogmas propostos pela Igreja um sentido diverso daquele que ensinou e ensina a Igreja – seja excomungado [cf. nº 1800].

1825. [Cânon] Se, portanto, alguém negar ser de direito divino e por instituição do próprio Cristo que S. Pedro tem perpétuos sucessores no primado da Igreja universal; ou que o Romano Pontífice é o sucessor de S. Pedro no mesmo primado – seja excomungado

1831. [Cânon] Se, pois alguém disser que ao Romano Pontífice cabe apenas o ofício de inspecção ou direcção, mas não o pleno e supremo poder de jurisdição sobre toda a Igreja,[…] – seja excomungado.» Concílio Vaticano I, Sessões III e IV.

Para além da Revolução Francesa outro duro golpe recebido pelo poder papal foi a supressão da ordem dos jesuítas, um poderoso instrumento das políticas pontifícias. Após ser expulsa pelo Marquês de Pombal de Portugal e suas colónias, exemplo seguido rapidamente por Espanha e França, a Companhia de Jesus foi dissolvida em 1773 pelo papa Clemente XIV. Assim, ironicamente, enquanto os papas insistiam na sua jurisdição universal, eles estavam de facto perdendo poder e autoridade.

No século XIX, com a Companhia entretanto restaurada em 1814 pelo Decreto do Papa Pio VII Solicitudo omnium Ecclesiarum, Pio IX assistia impotente à queda do poder temporal absoluto de Roma que tão ardentemente desejava. Os domínios papais começaram a ser perdidos no Risorgimento, primeiro Toscana, Parma, Módena e Romagna (1859), depois a região da Úmbria, Marcas (1860) e finalmente Roma (1870). O Papa ficou restrito ao Estado do Vaticano e a igreja de Roma não era mais a soberana absoluta que ditava com mão-de-ferro os destinos da Europa.

Existiam ainda fortes conflitos doutrinários que dividiam os teólogos católicos e ameaçavam a hegemonia de Roma, nomeadamente o galicanismo que Pio IX queria suprimir, cujas principais teses eram inadmissíveis para o Papa:

1) Total independência do rei (ou governo) em assuntos temporais em relação ao papa;
2) a autoridade papal é inferior à do Concílio;
3) obrigação por parte do papa de respeitar as antigas tradições da igreja francesa (ou outras);
4) necessidade de consentimento da Igreja Universal para a ratificação dos dogmas proclamados pelo papa.

A igreja, durante séculos considerada infalível e omnipotente, assistia assim à derrocada do seu poder absoluto. Não só as novas ideias seculares que emergiam – as quais o Papa condenou como «erros modernos» – se espalhavam por toda a Europa, nomeadamente a «peregrina» ideia de que os judeus tinham direitos, como dentro da própria Igreja muitos não aceitavam os ditames de Roma.

Para obstar a estas situações pré-cismáticas e consolidar o poder que a Igreja ainda detinha nas mãos de um agente único – o Papa – Pio IX convocou o concílio Vaticano I, que decorreu entre 8 de Dezembro de 1869 a 18 de Dezembro de 1870 (e que não foi concluído devido à eclosão da guerra franco-prussiana, em 1870 e se encontra até hoje suspenso).

* O terramoto de 1755 abalou muito mais que a cidade e os seus edifícios. Lisboa era a capital de um país católico, com uma larga tradição de evangelização das suas colónias. O facto de o terramoto ocorrer num feriado religioso e destruir várias igrejas importantes levantou muitas questões religiosas por toda a Europa. Para a mentalidade religiosa do século XVIII esta manifestação da ira divina era de difícil explicação.

O sismo influenciou assim de forma determinante muitos pensadores europeus do Iluminismo. De facto, muitos filósofos fizeram menção ou aludiram ao terramoto nos seus escritos, dos quais se destaca Voltaire, no seu Candide e no Poème sur le désastre de Lisbonne (Poema sobre o desastre de Lisboa). A arbitrariedade da sobrevivência foi, provavelmente, o que mais marcou o autor, que satirizou a ideia, defendida por autores como Gottfried Wilhelm Leibniz e Alexander Pope, de que «este é o melhor dos mundos possíveis»; como escreveu Theodor Adorno, o terramoto de Lisboa o foi suficiente para Voltaire para refutar a teodiceia de Leibniz (Negative Dialectics 361).

Como adenda aos textos do João Vasco sobre o paradoxo do mal, o termo teodiceia, do grego theós, Deus e díke, «justiça», significa literalmente «justiça de Deus».

(continua)

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