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Mês: Novembro 2006

25 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres II

Pelas razões indicadas no post anterior, não é de espantar que a argumentação recorrente dos pró-prisão – que se desdobram em regurgitações «moralistas» sobre os motivos que levam as mulheres a abortar – assente implicita ou explicitamente no paradigma católico da mulher, um ser sem direitos que se deve «sacrificar» por um qualquer óvulo fertilizado, sendo as que não o fazem seres imorais em quem não se pode confiar a decisão sobre o futuro de uma gravidez indesejada!

De facto, sem se aperceberem que essa argumentação deixa claro que não é a defesa da vida por que militam os pró-prisão, mas sim a recusa em reconhecer direitos à mulher, os que consideram ser a prisão o lugar das mulheres que abortam por motivos «fúteis» ou «egoístas» ululam:

«o que está em causa e o SIM autorizará, é que a grávida possa decidir, sem qualquer justificação ou outra motivação, abortar»

Ou seja, o problema não é abortar, o problema é que a mulher possa abortar por decisão própria sem autorização de moralistas que julgarão os seus motivos! O que subentendem os defensores do NÃO ao referendo que se aproxima é que a mulher não tem qualidades morais para que se possa deixar a decisão sobre a interrupção de uma gravidez indesejada em mãos femininas!

Como ironiza Fernanda Câncio no Glória Fácilde leitura diária recomendada – «a ideia primordial de quem defende o não» é assim «a ideia de que a uma mulher que rejeita a gravidez não tendo sido violada ou não lhe tendo sido detectada qualquer malformação no feto não se reconhecem ‘justificações’para abortar» .

Isto é, contrariando todos os axiomas em que deveria assentar o Direito num estado moderno, os pró-prisão consideram perfeitamente legítimo que o Código Penal nacional criminalize um crime sem vítimas – o embrião não é uma pessoa, como eles próprios admitem ao considerar perfeitamente «morais» os abortos permitidos pela lei actual – , isto é, que se mande para a prisão as «desavergonhadas» que pensam serem pessoas de plenos direitos que podem decidir por si próprias!

A criminalização do aborto é uma forma de violência contra as mulheres e «atenta contra os valores da sua autonomia e dignidade enquanto pessoas humanas». Hoje é um dia em que os adeptos do NÃO deveriam reflectir sobre os motivos porque não só toleram como acham justificada a manutenção desta violência contra as mulheres!

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25 de Novembro, 2006 Carlos Esperança

Os bispos não desarmam

Os bispos católicos consideram-se detentores da verdade única e vêem a Europa como coutada da Igreja Católica e um protectorado do Vaticano.

Lembram constantemente as origens cristãs do Continente como se não houvesse milhões de homens e mulheres que sentiram na pele a intolerância, as perseguições e as fogueiras purificadoras que bandos de eclesiásticos ateavam aos hereges. Mesmo entre os cristãos não esquecem os protestantes a violência do proselitismo romano e o espírito retrógrado do Concílio de Trento ou do Vaticano I.

A identidade da Europa reside na tolerância e no secularismo. A sua coroa de glória é a laicidade. A única bíblia é a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

A sua vergonha é a inquisição, a reforma, a contra-reforma, as cruzadas e a última teocracia que resiste num bairro mal frequentado de Roma, com 44 hectares de sotainas, muitas arrobas de pias ossadas e imensos tesouros surripiados dos países pobres pelo poder que o Papa exercia ou pelo terror que infundia.

Do esclavagismo à tortura, da condenação à morte ao desterro, não houve maldade, infâmia ou crueldade que os sucessivos bandos de eclesiásticos, de mitra e báculo, não praticassem.

Os Papas foram quase sempre os responsáveis pelo atraso, ignorância e superstição dos povos. Ainda hoje infantilizam os crentes com milagres que embrutecem, orações que ensandecem e uma catequese que infunde o terror divino.

Qualquer referência ao cristianismo não é mera redundância, é um gesto de fanatismo que germina no coração do Papa e o pretexto para o proselitismo que é a tara comum às três religiões do livro.

É dessa demência mística, desse negócio da fé, que é preciso libertar a Europa.

25 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres

A incapacidade de compreender e conviver com a diversidade e de aceitar que os direitos do Homem se referem também à mulher, mesmo quando disfarçadas por manobras de marketing, são o apanágio da Igreja de Roma. A Inquisição, uma das fontes privilegiadas para tipificar a intolerância, preservada na congregação dirigida durante décadas pelo actual Papa, especializou-se em difundir na sociedade civil o pensamento único e em perseguir ou estigmatizar todos os que ousassem questionar os ditames do Vaticano.

De facto, durante séculos fomos educados para a intolerância e para o radicalismo. Dogmas religiosos foram pacientemente secularizados como peças estratégicas para a preservação de grupos e sistemas ideológicos. Urge quebrar paradigmas, ousar, como fizeram os demolidores de preconceitos de todas as épocas, sair do espírito de rebanho cultivado pelos que não toleram críticas ou divergências.

A sexualidade é o tema em que a influência nefasta do cristianismo, em todas as suas vertentes, especialmente a misoginia e a homofobia, contamina com mais virulência a nossa sociedade. Uma das faces da misoginia cristã, a relegação da mulher a um sub-humano sem direitos, é o tema onde os monolíticos preconceitos cristãos – de que muitos não percebem as origens – se têm demonstrado mais difíceis de erradicar da nossa sociedade, completamente condicionada até há escassos 30 anos pelos representantes locais da Igreja de Roma!

Hoje, o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, deveríamos reflectir porque razão, como é apontado por Dulce Rocha, vice-presidente da Associação Portuguesa das Mulheres Juristas, «Bater na mulher é um comportamento que é tolerado na sociedade».

Porque razão a PSP e a GNR registaram, apenas no primeiro semestre de 2006, 10.308 queixas por violência doméstica , o que significa que em seis meses pelo menos o mesmo número de homens considerou ser perfeitamente justificada a punição física de qualquer comportamento menos «próprio» da respectiva mulher/companheira.

Condicionadas pelo paradigma mariano da mulher que permeia a sociedade nacional, quantas mais mulheres não se queixaram por considerarem que o espancamento foi «merecido»?

De facto, a nossa é uma sociedade em que permanece anacronicamente o modelo cristão da mulher subjugada ao marido, aos filhos e à casa, uma sociedade que faz julgamentos de valor sobre os comportamentos das mulheres e que desdenha como «egoístas» e epítetos ainda menos simpáticos as que não seguem esse paradigma.

Modelo inculcado pelo matraquear incessante da Igreja de Roma, que não reconhece direitos – a que chama «exigências ‘para ela mesma’»- à mulher, apenas deveres, nomeadamente o dever de morrer por um qualquer óvulo fertilizado ou às mãos de um marido mais violento.

Igreja que santificou a violência conjugal ao apontar como exemplo a seguir Isabella Canori Mora, que preferiu morrer às mãos de um marido abusivo a «violar a santidade do matrimónio». Igreja que nega o direito à vida da mulher ao canonizar como «santa Mãe de Família» Gianna Beretta Molla, que preferiu morrer a abortar.

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(continua)
25 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Fundamentalistas cristãos contra Wal-Mart

A história do Wal-Mart, a maior rede grossista ou de «discount stores» do mundo, confunde-se com a história do seu fundador, Samuel Moore Walton, mais conhecido como Sam Walton, nascido em 1918.

Sam Walton era um devoto cristão, tão devoto que institui em 1991 o prémio Sam e Helen R. Walton, destinado a premiar as igrejas que promovam formas criativas de espalhar a fé. Os fanáticos cristãos americanos, para além de se acharem no direito de decidir o que as lojas devem ou não vender -especialmente os abominados contraceptivos – esperam ainda que a companhia, que emprega mais de um milhão e meio de pessoas, siga o exemplo do seu fundador e seja não só prosélita mas reflicta todos os preconceitos e ódios indissociáveis do cristianismo mais jurássico.

Depois de no ano passado a Catholic League for Religious and Civil Rights,um grupo de pressão fundamentalista católico, ter feito um boicote ao Wal-Mart por este supostamente ter entrado na inventada «guerra ao Natal», isto é, se ter arrogado à heresia de admitir que existem não cristãos no mundo, a rede volta a ser alvo de boicote dos fundamentalistas cristãos.

Desta vez o que levou os ululantes cristãos a paroxismos de ódio foi o facto de o Wal-Mart, horror dos horrores, reconhecer que os homossexuais são pessoas e têm direitos!

Assim, a empresa é acusada pelos fanáticos cristãos de ser dominada pelo mafarrico, algo que é dever cristão impedir que continue.

«O Diabo está a forçar as nossas escolas, empresas e igrejas a reconhecer coisas que são abominações a Deus. Os cristãos não podem deixar que isto aconteça».

Os fanáticos cristãos inspiram-se no seu livro «sagrado e inerrante» para preconizar o modus operandi contra os possuídos pelo Demo:

«David não teve qualquer problema em cortar a cabeça a Golias porque sabia que Golias era um inimigo de Deus e um inimigo do povo de Deus. Ele sabia os estragos que Golias faria se fosse permitido viver».

Aparentemente os «defensores incondicionais da vida» consideram que vida é sinónimo de cristão… os não cristãos não são vida: são inimigos de Deus e como tal não têm quaisquer direitos!

Algo que sempre me intrigou é o facto de, embora ululando ser a sua uma religião de «amor(?)», as únicas campanhas, para além de espalhar a fé, em que estes cristãos mais fundamentalistas se empenham são campanhas de ódio: ódio contra homossexuais, ódio contra as mulheres que abortam, ódio contra ateus e os que não aceitam os ditames do cristianismo, etc..

24 de Novembro, 2006 jvasco

O conflito entre Ciência e Religião

O vigia num navio de guerra avista uma luz entre o nevoeiro. Avisa o comandante, que manda o imediato ordenar ao outro navio que mude de rota. O imediato tenta várias vezes, mas pelo rádio recebe apenas um pedido idêntico. Irritado, o comandante pega no microfone: «Daqui fala o Comandante Silva. Este é um navio da Marinha, e não alteramos o nosso rumo! Saiam da nossa rota!». Do outro lado vem a resposta paciente «Aqui fala o Martins, e isto é um farol. Faça lá o senhor Comandante como achar melhor…»

O conflito entre ciência e religião faz me lembrar esta anedota. A religião traz a autoridade da tradição, duma coisa séria e importante, mas a ciência está limitada pela realidade e daí não pode sair. Se a astronomia, a geologia, ou a biologia contradizem uma certa interpretação de um dos muitos livros sagrados não é a ciência que tem que mudar. E o humor em si ilustra outro ponto de divergência. Para uma piada ter graça temos que a compreender, mas não precisamos de acreditar. O gozo de fazer ciência é essa compreensão, associada a uma dúvida que antecipa algo ainda mais fascinante. A religião é o oposto. A Santíssima Trindade ou a hóstia que se transforma no corpo de Jesus são ideias incompreensíveis, que a religião quer que se acredite sem reserva, sem compreensão. Sem humor. A ciência tem piada; a religião é séria e sisuda.

E isso vê-se nas atitudes. Em todos os laboratórios vemos piadas ou cartoons com sátiras à ciência. A prestigiosa universidade de Harvard atribui anualmente os prémios Ig-Nobel, uma crítica sardónica às argoladas dos cientistas. Mas basta um desenho de um papa com um preservativo no nariz ou de um profeta com um turbante em forma de bomba e ficam milhões de crentes ofendidos. O humor é uma forma poderosa de crítica, que suscita a exploração de outros pontos de vista. Enquanto a ciência se alimenta deste diálogo crítico, a religião não quer nada com isso.

E a maior diferença é na reacção a outras ideias. Os cientistas que discordam colaboram para determinar quem tem razão. Quando crentes discordam não há nada a fazer. Nunca Católicos e Judeus vão colaborar num projecto para determinar objectivamente a divindade de Jesus. Há quem queira resolver o conflito entre ciência e religião isolando os campos, com a ciência encarregando-se dos factos e a religião dos valores. Mas o problema não é o conflito de ideias. Há conflitos de ideias na ciência, na arte, e na filosofia sem qualquer problema. Pelo contrário, este conflito de ideias é bom porque estimula o diálogo, o progresso, e novas ideias. O problema é que certas ideologias não toleram o conflito de ideias. Os nacionalismos, ideologias políticas, e religiões tendem a reagir muito mal a ideias contrárias, e a transformar conflitos de ideias em conflitos de pessoas.

Não é o farol que tem que sair da frente, e não são as ideias diferentes que criam o conflito entre ciência e religião. O que causa este conflito é basear uma ideologia na certeza absoluta que é Verdade. Quem tem esta certeza está fechado a posições contrárias, nega a possibilidade de mudar de ideias, e não tem interesse em manter o diálogo. Interessa-lhe suprimir a oposição em vez de aprender com ela, desde a subversão do ensino científico por meios políticos até aos atentados bombistas.

——————————–[Ludwig Krippahl]

24 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Recolher obrigatório em Bagdad


Bagdad é desde ontem à noite uma cidade fantasma, depois da série de atentados mais sangrentos desde o início da guerra, que causou 202 mortos e cerca de 250 feridos, ter levado o governo a impor um recolher obrigatório sem fim prevísivel.

O aeroporto de Bagdad assim como o de Bassorá e os portos no sul do Iraque encontram-se fechados. O massacre em Sadr City, uma área densamente populada por iraquianos shiitas que foi o palco da série de atentados bombistas de ontem, ocorreu momentos depois de helicópteros americanos e o exército iraquiano terem sido obrigados a intervir num ataque ao Ministério da Saúde – dominado por shiitas.

Desde o ataque em Fevereiro último a Samarra – que atingiu um dos lugares mais sagrados dos muçulmanos shiitas, o santuário al-Askari – que o Iraque tem assistido a um escalar da violência entre shiitas e sunitas. Segundo a ONU, foram vítimas mortais desta violência cerca de 3 709 civis iraquianos em Outubro, o número mais alto de mortes civis verificado desde o início da guerra há 44 meses, um número que se prevê ser eclipsado em Novembro.

As Nações Unidas indicaram igualmente que fogem mensalmente do país cerca de 100 000 iraquianos, perfazendo um total de 1.6 milhões de refugiados desde Março de 2003, data em que a guerra «divinamente ordenada» se iniciou.

Desenvolvimentos: Enquanto em Bagdad se desenrolavam os funerais das vítimas dos atentados de ontem, em que os que quiseram prestar homenagem às vítimas foram autorizados pelo governo a quebrar o estrito recolher obrigatório na cidade, um atentado com um carro armadilhado fez mais 22 vítimas mortais na cidade de Talafar, perto da fronteira com a Síria.

O grupo shiita liderado por Moqtada Sadr, que tem apoiado o governo do primeiro-ministro Nouri Maliki, ameaçou retirar-se do governo e do parlamento se Maliki se encontrar na próxima semana, como está previsto, com G. W. Bush.

24 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Casal adopta menina de 5 anos

O título deste post pareceria inusitado não fora o casal em questão ser constítuido por Vasco Pedro da Gama e Júnior de Carvalho, ou seja, um casal homossexual. De facto, num inédito no Brasil – em que apenas por duas vezes foram confirmados os direitos de adopção por casais homossexuais, mas ambos constituídos por mulheres-, o casal referido, que cohabita há 14 anos, viu confirmada por um tribunal estadual a adopção por ambos de uma menina previamente adoptada por Vasco da Gama.

De acordo com o advogado, se os dois homens tivessem inicialmente tentado a adopção como um casal muito provavelmente não a teriam conseguido.

23 de Novembro, 2006 Ricardo Alves

O regresso do véu

A questão do véu marcou, nas últimas semanas, a opinião pública de três países europeus. No Reino Unido, Jack Straw afirmou que pede às mulheres muçulmanas com quem se reune que tenham a cara visível; na Holanda, Rita Verdonk (a tal que chegou a retirar a nacionalidade a Hirsi Ali) quer proibir o uso da burca nas ruas; em França, alguma extrema direita quer interditar o véu em todo o território.

Desde que comecei a escrever neste blogue que tenho defendido a lei francesa de 2004 que proibiu os «símbolos religiosos ostensivos» nos serviços públicos. Porque defendo a laicidade do Estado e porque, num país como a França que retirou os símbolos religiosos dos edifícios públicos há um século, é hoje necessário impôr regras aos fundamentalistas que tentam instrumentalizar as alunas muçulmanas para provocarem nas escolas públicas a segregação dos sexos, tensões entre comunidades confessionais, e o avanço de um programa obscurantista e reaccionário. Entendo portanto, igualmente, que uma professora não pode dar aulas de véu, e muito menos de cara tapada, uma questão que se colocou recentemente na Inglaterra (o mesmo é válido para uma advogada num tribunal).

No entanto, não defendo que se proíba o uso da burca ou de máscaras na rua, a menos que haja razões de segurança, ou quando é necessário romper com um passado de submissão da mulher. Nesse espírito, a Tunísia tem a minha compreensão por proibir o véu nas ruas, como a Turquia também a tem por o proibir nas universidades e no parlamento. Num país como a Holanda, não defenderia a proibição da burca nas ruas, mesmo sendo (e é) um símbolo e um instrumento da autoridade familiar ou clerical, da desigualdade dos sexos, e de uma ideologia totalitária. Quando vi mulheres de cara tapada num supermercado do Seixal ou num centro comercial da capital, senti um desconforto e uma revolta semelhantes ao que sinto quando vejo os «cabeças rapadas» que se passeiam orgulhosamente por Lisboa.

Por tudo isto, espanto-me com a ingenuidade de alguma esquerda multiculturalista (refiro-me a Joana Amaral Dias no 5 dias) que parece não compreender o real significado das burcas e dos véus. Nos anos 60, eram raros os véus nas capitais árabes. Foi a revolução islamo-fascista de Khomeini, em 1979, que os trouxe de volta. Desde aí, os véus tornaram-se um instrumento e um símbolo de um movimento islamista que pretende escravizar as mulheres (e os homens) do mundo muçulmano, e que detém o poder no Irão, na Arábia Saudita, na Palestina, no Sudão e na Somália. Mais importante do que defender o direito de ter comportamentos extremistas e separatistas, deveria ser, penso eu, combater contra uma ideologia totalitária, obscurantista e machista como o islamismo. E entender o que têm para dizer tantas mulheres de origem muçulmana que não encaram o véu como apenas mais um trajeum direito»?), mas sim como o símbolo e instrumento de opressão feminina que efectivamente é.

Quanto à lei francesa que proibiu os símbolos religiosos ostensivos, há razões para fazer um balanço essencialmente positivo. Das muitas centenas de alunas que usavam o véu, apenas algumas dezenas foram excluídas da escola e remetidas para o estudo em casa. E as escolas privadas islâmicas não proliferaram. Não é por acaso que os muçulmanos de França têm uma opinião positiva da laicidade, e que em França apenas 46% dos muçulmanos se vêem primeiramente como tal (e 42% se vêem primeiramente como franceses), enquanto no Reino Unido 81% se vêem primeiramente como muçulmanos (e apenas 7% como britânicos)…
23 de Novembro, 2006 lrodrigues

O mundo maravilhoso da cura pela fé

Uma das actividades mais lucrativas que o homem já inventou é a religião.

De facto, haverá sempre pessoas capazes de darem o que têm (e até o que não têm), para comprar um lugar no Paraíso, para assegurarem a concessão de um favor divino ou até a cura de uma doença.
Claro está que os profissionais da exploração da fé – qualquer que seja a sua religião – não hesitam em aproveitar-se da frequente fragilidade emocional das pessoas para lhes extorquirem dinheiro.
Quantas pessoas em desespero tentam tudo e mais alguma coisa, e se arruinam autenticamente na esperança de conseguirem que alguém interceda junto de uma divindade qualquer, e lhes consiga a cura para a doença terminal de um filho.
A profissão da exploração da fé das pessoas é de tal forma lucrativa, que não faltam habilidosos que criam as suas próprias religiões.
Há lugar para todos, e todos se passeiam nos seus jactos particulares exibindo fortunas colossais armazenadas em contas bancárias off-shore à custa de incautos «fiéis», que lá vão acreditando que os seus gurus são capazes de milagrosas curas pela fé.
Claro que só «os outros» é que aparecem curados. Porque se alguma doença não se cura, a culpa não é do santo milagreiro, mas unicamente de quem não tem uma fé «suficientemente forte».
Pois bem:
Um dos mais famosos desses free-lancers da religião pululou nos Estados Unidos nos anos 80 do século passado, e dava pelo nome de Peter Popoff.
Durante anos ficaram célebres as suas curas pela fé e as suas extraordinárias exibições em recintos desportivos adaptados para o efeito.
Até que um belo dia… apareceu James Randi, que resolveu desmascarar a habilidosa marosca.
Como uma imagem vale mil palavras, o filme abaixo mostra e conta melhor do que ninguém as habilidades de Peter Popoff.
Chegando a facturar, naquela altura, mais de 4 milhões de dólares anuais com as suas curas milagrosas, Peter Popoff parecia sem qualquer dúvida dotado de extraordinários poderes divinos.
E as pessoas não cessavam de se maravilhar: não só curava cancros com as mãos como ainda adivinhava de longe os nomes das pessoas que o procuravam e quais as doenças que as afligiam.
Por vezes adivinhava até as suas moradas!
«Desconfiado» de que as divinas iluminações de Popoff teriam uma explicação mais terrena, James Randi decidiu levar para uma das suas exibições um «scanner» de frequências de emissões de rádio.
Como é óbvio, não tardou a descobrir que as milagrosas inspirações de Peter Popoff se deviam a um auricular sem fios e a preciosas dicas que de longe lhe eram ditadas pela sua mulher, que lia as «fichas de oração» que os fiéis preenchiam antes das sessões.
O esquema foi desmascarado por James Randi no «Tonight Show», e em 1987 Peter Popoff declarou falência.
Mas se desta vez o mundo se livrou de um aldrabão que impiedosamente se aproveitava das fragilidades das pessoas para lhes extorquir dinheiro, muitos outros aldrabões continuam a pulular impunemente por todo o lado.
Uns exercem a sua profissão de forma mais rudimentar, em templos insufláveis, outros em velhos cinemas adaptados, outros ainda em gigantescas basílicas.

Mas, ao fim e ao cabo, e tirando isso, nada mais os distingue…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

23 de Novembro, 2006 Palmira Silva

Cientistas unidos contra a religião

Há mais de dois anos que alertamos os nossos leitores para a guerra que prevíamos iminente entre as religiões do livro e a ciência. Com grandes protestos dos nossos leitores católicos que asseveravam ser a sua uma religião completamente compatível com a ciência, escrevemos muitas dezenas de posts* alertando para o problema e desmascarando todas as patetadas criacionistas.

Dois anos passados as nossas previsões, infelizmente, mais uma vez se concretizaram. Como seria expectável, já que para recuperar o integrismo perdido é absolutamente necessário às religiões que os crentes acreditem nas patetadas que vendem como «verdades absolutas reveladas» e que são de facto reveladas como cretinices absolutamente absurdas pela ciência.

Os nossos avisos de uma guerra iminente entre religião e ciência eram escarnecidos pelos fanáticos de serviço ao nosso espaço de comentários como alarmismos sem justificação. Fanáticos de serviço que agora se referem ao evolucionismo em particular e à ciência em geral, como cientifismo, isto é, a irracional «religião» dos abominados ateus!

Felizmente já muitos na comunidade científica se aperceberam do carácter organizado e profundamente político das investidas das religiões organizadas contra a ciência, guerra aberta cujo fim é um retrocesso civilizacional ao pré-Iluminismo. Esta regressão é indispensável para as religiões recuperarem a hegemonia medieval, quando a religião dominava todos os aspectos do quotidiano e quando todo o poder estava de facto na mão dos clérigos não dos governantes.

Boa parte da comunidade científica já despertou da complacência em relação às religiões e apercebeu-se que a contemporização com as patetadas religiosas não pode continuar!

Assim, a revista Nature de amanhã apresenta um artigo que traça o quadro negro do criacionismo na Europa e alerta para a necessidade da comunidade científica se empenhar na luta contra o movimento anti-evolucionista em que os fanáticos de todas as religiões se empenham neste momento.

De igual forma, o Washington Post de há uns dias noticiou a formação de um Think Thank para promover o uso da razão. O anúncio, acompanhado de uma declaração em defesa da ciência e da laicidade, expressa as preocupações de vários cientistas sobre o poder nefasto e desmesurado da religião na política norte-americana em especial, em que a esmagadora maioria das decisões são tomadas com base na fé e não na razão.

O The Center for Inquiry-Transnational combate a influência nefasta da religião na política (e na sociedade) pugnando para que as decisões políticas sejam baseadas solidamente na razão – ou seja, na ciência – e não na irracionalidade – isto é, na religião.

A ameaça que constituem as religiões foi ainda analisada durante três dias no Salk Institute for Biological Studies em La Jolla (San Diego), Califórnia, num evento recheado de prémios Nobel apropriadamente intitulado «Para além da crença».

Como afirmou Steven Weinberg logo no ínicio da conferência «O Mundo precisa acordar deste longo pesadelo da crença religiosa. Tudo o que os cientistas puderem fazer para enfraquecer o poder da religião deve ser feito e pode ser de facto a nossa maior contribuição para a civilização».

Não poderia estar mais de acordo e nada me poderia dar mais satisfação que ver as minhas preocupações com o desvario fundamentalista que infectou o Mundo serem partilhadas pela comunidade científica internacional! E confirmar que o antídoto para o vírus religioso que utilizamos no Diário Ateísta já há uns anos, o livre pensamento, o racionalismo, a divulgação da ciência e a demolição dos disparates religiosos, é preconizado abertamente como um dever dos membros da comunidade científica – se não quisermos regredir para um passado sangrento e obscurantista!

* São demasiados artigos para indicar as hiperligações. Podem ver os resultados da pesquisa no ateismo.net sobre o tema aqui, aqui ou aqui.