Os parasitas do fundamentalismo
Os Manuscritos do Mar Morto continuam a despertar uma intensa curiosidade e a merecer destaque na imprensa mundial. Depois de, como tive ocasião de indicar no Diário Ateísta, dois arqueólogos terem asseverado que Qumran não tem nada a ver com essénios, conventos ou mesmo com os pergaminhos, o último número da revista Revue de Qumran tem um artigo deveras interessante que não só contraria esta hipótese como permite olhar para a comunidade dos ultra-fundamentalistas essénios com uma nova luz.
Uma equipa internacional multidisciplinar, por indicação de James Tabor da Universidade da Carolina do Norte em Charlotte que relembrou as histórias deveras bizarras descritas por Flávio Josefo sobre as práticas de latrina seguidas pelo secto, procurou a latrina comunitária descrita em dois dos Manuscritos, o Manuscrito da Guerra e o Manuscrito do Templo.
De facto, estes fundamentalistas judaicos seguiam à letra a Torah, mais concretamente a parte em que Moisés diz ao povo para construir as latrinas fora do campo e para tapar religiosamente os dejectos depois da sua utilização. Josefo menciona que os essénios, seguindo estritamente o seu livro sagrado, não saíam do campo ao sábado – e não podiam assim utilizar a latrina nem satisfazer qualquer necessidade fisiológica!
A análise bacteriológica do local permitiu localizar inequivocamente a latrina dos essénios – no local indicado nos pergaminhos o que indica ter sido Qumran de facto uma comunidade essénia – e esclareceu algo que intrigava os arqueólogos que investigam o local.
De facto, todos os dados disponíveis indicam que os essénios eram muito selectivos em relação a quem aceitavam na comunidade: jovens saudáveis – e existia um exame de saúde – de pelo menos 20 anos ( e preferencialmente bem parecidos já que para os essénios o aspecto físico traduzia a «pureza» da alma).
No entanto, de acordo com Zias da Universidade de Jerusalém «O cemitério de Qumran é o grupo menos saudável que já estudei em 30 anos». Menos de 6% dos homens (e esta era uma comunidade masculina, claro) chegavam aos 40 anos, enquanto os cemitérios de Jericó, a uns meros 12 km, indicam que na mesma altura quase metade dos homens viviam mais de 40 anos!
Mas a religiosidade dos essénios, que seguiam estritamente os ditames da Torah, não só em relação a latrinas como em relação às purificações rituais que se seguiam à sua utilização, fazia com que proliferassem – em vez de morrerem ao sol – todos os parasitas intestinais cujos ovos foram abundantemente encontrados nos locais escavados. Parasitas que os rituais de «purificação» que envolviam imersão total (olhos, boca, etc.) em piscinas de água da chuva – isto é, água parada renovada uma vez por ano, um excelente fermentador para ténias, lombrigas e restantes parasitas – garantiam infectar toda a comunidade!
Como nota Zias, os essénios «mostram o que acontece quando se leva as coisas bíblicas demasiado fundamentalista ou literalmente, como fazem em muitas partes do mundo, e quais são as consequências últimas [desse fundamentalismo]».
Mas como acrescenta Tabor, mesmo a saúde miserável deveria ser interpretada «biblicamente» pelos alucinados essénios:
«Os homens de Qumran eram muito pouco saudáveis, mas eu creio que isso provavelmente alimentou o entusiasmo religioso dos essénios. Eles deveriam ver as suas enfermidades como um castigo de Deus pela sua falta de pureza e então devem ter tentado ainda mais arduamente a purificação [garantindo que todos estavam efectivamente infectados com pelo menos os quatro parasitas encontrados nas escavações]».
Estranhamente o «Deus» que tanto punia os essénios era francamente mais simpático com os vizinhos de Jericó, uns hereges «liberais» sem sequer vestígios de obsessões fundamentalistas ou de pureza! E menos atormentados por vermes sortidos…