9 de Outubro, 2006 Palmira Silva
Em nome de Deus
Bob Woodward, o jornalista do Washington Post que com Carl Bernstein denunciou o caso Watergate, conversa no programa «Meet the Press» acerca do seu último best seller, «State of Denial», o terceiro devotado às guerras «divinamente inspiradas» contra «o eixo do mal» de G.W. Bush.
Os Estados Unidos são cada vez mais um país onde o muro de separação entre Igreja e Estado vai sendo demolido tijolo a tijolo. Como indica este artigo no New York Times, que mostra com um exemplo simples, creches e centros de ATL, que as igrejas estão fora da lei. Mesmo das inúmeras e dispendiosas regras indispensáveis a qualquer outra organização para poder operar estes centros. Este artigo, que recomendo, mostra como nos últimos anos foi produzida legislação que concede impunidade (e isenção fiscal) aos muitos negócios das igrejas americanas, muitos deles sem nada a ver com religião. Recordo que, por exemplo, a Igreja Católica é a multinacional mais poderosa nos Estados Unidos, com negócios totalmente isentos fiscalmente que vão desde a operação de parques de estacionamento, hotelaria, empresas de comunicação social a bancos.
Apesar de mais de 200 novas disposições legais que colocam efectivamente as igrejas acima da lei, os pastores consideram que decorre nos Estados Unidos uma (inexistente) «guerra aos cristãos». Expressa, nomeadamente, em legislação que os impede de prosseguir a «causa» cristã mais glorificada nos Estados Unidos: o direito à intolerância daqueles que não seguem os preceitos «morais» cristãos. Aliás, os devotos pastores consideram ser a luta cívica do século XXI o direito à intolerância, a que chamam o «direito de serem cristãos». Devo confessar que neste ponto estou totalmente de acordo com os cristãos americanos mais fanáticos, isto é, na correlação entre intolerância e religião!
Em muitos estados esse direito à intolerância manifesta-se em «cláusulas morais» a que a legislação federal está sujeita. Como nos conta uma feminista do Ohio na sua crónica da humilhação a que foi sujeita ao tentar obter algo que de acordo com a legislação vigente é perfeitamente legal e nem sequer necessita receita médica: a pílula do dia seguinte.
A esperança reside nas gerações mais novas que, de acordo com os preocupados pastores evangélicos, abandonam em massa as igrejas. As projecções desses pastores indicam que apenas 4% dos adolescentes serão «adultos que acreditam na Bíblia», isto é, fundamentalistas cristãos, intolerantes e integristas, que acreditam literalmente em todos os dislates inscritos na colecção de delírios e fantasias que dá pelo nome de Bíblia.
Como Evan Derkacz indica, é curioso que 4% seja igualmente a percentagem que os teocratas americanos acreditam representar a fracção de muçulmanos fundamentalistas…