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Mês: Outubro 2006

28 de Outubro, 2006 lrodrigues

A Defesa da Vida

O «Los Angeles Times» relata que será aprovada na Nicarágua uma lei que criminaliza todas as formas de aborto, incluindo as resultantes de violações, de malformações do feto e até mesmo as que se destinem a salvar a vida da mulher grávida.

Associações médicas da Nicarágua e movimentos internacionais de direitos humanos têm criticado fortemente esta legislação, que prevê penas de 6 a 30 anos de prisão para as mulheres que abortem e para os médicos que se atrevam a auxiliá-las.
Estima-se que anualmente se façam cerca de 32.000 abortos clandestinos na Nicarágua sem quaisquer condições de segurança ou salubridade, enquanto foram levados a cabo somente 24 abortos legalmente autorizados nos últimos três anos, incluindo o de uma menina de 9 anos que tinha sido violada em 2003 mas que, segundo a nova lei, não poderia agora abortar.
Médicos da Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia daquele país afirmaram em conferência de imprensa que esta lei vai perigar a vida das mulheres e vai fazer com que os médicos se sintam relutantes em levar a cabo quaisquer procedimentos destinados a salvar-lhes a vida.
«Quando uma mulher chega a um hospital com uma hemorragia vaginal, ficamos receosos de fazer alguma coisa: se a tratamos podemos ser condenados e se não a tratamos também», declararam.
Mas Rafael Cabrera, um médico obstetra e líder do «Movimento Sim Pela Vida», afirmou:
«A lei actualmente vigente na Nicarágua permite a abertura de uma porta pela qual os abortos podem ser praticados e nós pretendemos fechar essa porta. Não acreditamos que uma criança possa ser destruída sob o pretexto de que uma mulher pode morrer».
Por trás desta iniciativa está uma instituição milenar, fortemente implantada na Nicarágua e influente em todos os sectores da sociedade, e cujos líderes se mobilizaram activamente para redigir a lei e angariar todos os apoios necessários para a sua aprovação, e que se distingue pela sua forma única e peculiar de defesa de embriões, da dignidade das mulheres e da própria vida humana.
Chama-se Igreja Católica Apostólica Romana.

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

27 de Outubro, 2006 Carlos Esperança

A ignorância de Deus

Deus não está morto, arrasta-se em lenta e dolorosa agonia, que os padres disfarçam com missas e orações, numa vida vegetativa que serve os interesses dos parasitas.

Um dia acabam-lhe com o Inferno – fonte tradicional de rendimento, quase tão eficaz para a devoção como os métodos do Santo Ofício. Depois eliminam-lhe o Purgatório que tantas missas e orações rendeu. Agora até o Limbo foi à praça e, não tendo havido licitações, foi abatido ao activo para fugir ao Imposto Municipal sobre Imóveis.

Resta o Paraíso, desacreditado e triste, à espera de supersticiosos e desesperados, onde se encontram santos pouco recomendáveis e a fauna divina com ar soturno.

Deus, no seu ódio ao progresso e à modernidade, deixou escapar os subsídios da Comunidade Europeia para fazer uma reciclagem e aprender línguas, para se adaptar aos novos tempos e à democracia.

É por isso que deixou de ouvir as preces dos créus, balbuciadas nas línguas autóctones apesar de Bush estar convencido de que o americano é a língua sagrada importada de Londres onde julga que Cristo fez estudos universitários.

O Sapatinhos Vermelhos, enquanto tirava as medidas para um novo vestidinho de seda e experimentava um chapéu de museu, pensou em regressar ao latim para ver se o patrão percebe os pedidos dos padres e recupera o prestígio da sua Igreja.

O Deus do Islão, mais primário que o dos cristãos, só percebe árabe mas há-de julgar-se um intelectual, comparado com o seu Profeta que não conseguiu aprender a ler e anda feliz com multidões embrutecidas pelos mullahs capazes de todas as torpezas.

Enquanto o Deus do Papa se encontra ligado à máquina, com respiração assistida, B16 regressa ao latim para lhe levar algum ânimo. Para isso tem de se submeter à exigência da Sociedade do Santo Pio X (SSPX), um grupo com sede na Suíça fundado pelo falecido arcebispo Marcel Lefebvre, de pendor francamente fascista e anti-semita.

Mas isso não é problema para B 16. Apesar de excomungado já o recebeu em euforia e mantém uma relação tão cordial como a que um boato atribui à de Deus com os anjos.

Em breve teremos de volta o latim e o Sol a girar à volta da Terra. Depois, as almas voltam ao redil do Vaticano e os beatos lambem as mãos dos padres e extasiam-se à passagem de Sua Santidade.

27 de Outubro, 2006 Palmira Silva

Back to the future?


Michael J. Fox, que sofre da doença de Parkinson, gravou este vídeo em que apela ao voto nos candidatos às eleições de Novembro próximo que apoiem a investigação em células estaminais. Para além de Michael, outras celebridades, como Sheryl Crow, que sobreviveu a um cancro, dão a cara em apoio desta área de investigação.

Michael J. Fox, diagnosticado com Parkinson em 1991, fundou a Michael J. Fox Foundation for Parkinson’s Research, uma fundação devotada a financiar investigação sobre a doença que, como muitas outras doenças neurodegenerativas, é actualmente incurável.

A investigação em células estaminais totipotentes – as células estaminais adultas, multipotentes ou seja que apenas se podem diferenciar dentro da sua linhagem celular, são inúteis neste tipo de doença – é a maior esperança para uma futura cura para doentes de Parkinson e de muitas outras doenças, não apenas neurodegenerativas, actualmente incuráveis.

Os opositores da investigação em células estaminais totipotentes – não apenas as embrionárias mas todas as células adultas manipuladas para se tornarem totipotentes – são aqueles que se auto denominam pró-vida e ululam contra o inadmissível «assassínio» de «vida por nascer», já que, como afirmou monsenhor Elio Sgreccia, que preside à Academia Pontifícia para a Vida, uma célula totipotente, independentemente da forma como foi obtida, que pode evoluir para um ser humano totalmente desenvolvido, deve ser considerada, tal como um embrião ou um zigoto, um ser humano de plenos direitos.

De facto, são os fundamentalistas cristãos, com a Igreja de Roma a liderar as hostes ululantes de fanáticos, os únicos oponentes (muito vocais e bem organizados, aliás como nas campanhas contra o aborto) da investigação em células estaminais totipotentes, que as recentes sondagens indicam merecer o apoio da maioria dos americanos.

Recordo que o defensor intransigente da vida (não nascida, claro) G. W. Bush usou recentemente pela primeira vez o veto presidencial para rejeitar legislação aprovada no Congresso norte-americano que expandia as restritas leis que governam o financiamento da investigação em células estaminais embrionárias. Restrições impostas pelo próprio paladino de óvulos, espermatozóides e células totipotentes em 2001 e que limitam a investigação nesta área a 71 linhas de células. Assim, a investigação em células estaminais é um dos temas «quentes» nas próximas eleições que os analistas políticos prevêm resultar no fim da hegemonia republicana no Congresso.

Tão quente e eventualmente tão decisivo que Rush Limbaugh, um dos mais conhecidos homens da rádio americana, um conservador tão pró-vida não nascida que mimoseia as mulheres pró-escolha com o epíteto feminazis, afirmou no seu programa de rádio que Michael J. Fox estava a fingir os tremores e restantes sintomas da doença de forma a atrair as simpatias (e os votos) dos espectadores.

A evidente desonestidade intelectual do fundamentalista cristão, tão evidente que mesmo a CNN fez uma peça sobre o tema, foi violentamente denunciada pelos peritos em Parkinson. Limbaugh, num inédito na sua carreira de maledicência contra os «infiéis» democratas e seus apoiantes, pediu (meia)desculpa pelas mentiras óbvias que debitou.

Mas Limbaugh afirmou que «Michael J. Fox estava a permitir a exploração da sua doença» em favor dos democratas e da investigação «sacrílega» e imoral em células totipotentes. Claro que para o teocrata mostrar simplesmente os efeitos desta doença e apelar a que se permita a investigação mais promissora para uma cura é inadmissível. Mentir deliberadamente, usar imagens falsas e manipuladas de nados-mortos ou fetos do 3º trimestre abortados por razões médicas como sendo o resultado trivial de um aborto «pró-escolha» é perfeitamente legítimo…

Sobre o acérrimo defensor da vida não-nascida (apenas, como Keith Olberman mais uma vez denuncia magistralmente) uma das críticas mais divertidas à sua omnipresente hipocrisia foi feita por Robin Williams a propósito de um frasco de Viagra encontrado na bagagem de Limbaugh quando este regressava de um país conhecido como um paraíso do turismo sexual

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26 de Outubro, 2006 Palmira Silva

As coutadas dos machos das religiões do livro

«Quem não treme horrorizado ao ver na história tantos suplícios atrozes e inócuos, criados e empregados com frieza por monstros que se intitulam sábios?» «O legislador deve, consequentemente, estabelecer fronteiras ao rigor das penalidades, quando o suplício não se transforma senão em espectáculo e parece ordenado mais para demonstração de força do que para a punição do crime.» Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, Dos Delitos e das Penas (1764).

O controverso mufti da Austrália, Taj el-Din al-Hilali, disse num dos seus sermões que as mulheres que não usam um hijab são como «carne descoberta». Continuando «Se puserem carne destapada na rua e os gatos a comerem, de quem é a culpa, dos gatos ou da carne destapada?»

O sheikh Hilali condenou igualmente as mulheres que mexem as ancas de forma sugestiva ao andar e as que se maquilham subentendendo que estas mulheres estão a «pedir» serem violadas. O clérigo aparentemente considera que os violadores são inocentes do seu crime, o problema são os juízes – australianos neste caso particular mas os juízes ocidentais em geral – que não percebem que os verdadeiros culpados nestas histórias de violação são as provocadoras mulheres:

«Depois apanham um juíz sem misericórdia que lhes dá 65 anos [de pena]» ululou o clérigo numa alusão a um grupo de muçulmanos de origem libanesa que cometeram uma série de violações em grupo há seis anos em Sidney e foram condenados a longas penas de prisão.

A comissária para a discriminação sexual, Pru Goward, disse que o sermão do mufti pode ser considerado uma incitação ao crime, já que os «jovens muçulmanos que violem mulheres podem citar isto em tribunal, podem citar este homem, o seu dirigente espiritual no tribunal» afirmando ainda que o clérido egípcio deveria ser deportado.

As palavras do devoto clérigo muçulmano fizeram-me recordar o que se passava cá no burgo quando os valores cristãos (ou culturais como pretende o cardeal patriarca de Lisboa) permeavam o nosso Código Penal.

Para além de os «crimes de honra» serem perfeitamente legais, nomeadamente era considerado completamente apropriado que um marido assassinasse a mulher adúltera e o seu amante se apanhados em flagrante delito,nos anos 60 um tribunal português classificava o comportamento criminoso de um marido como «moderado poder de correcção doméstica» enquanto outro tribunal português, mais recentemente, «culpabilizava» duas jovens vitimas de violação -que estavam a «pedi-las» -, sublinhando que elas nunca deveriam andar vestidas de forma «indecente» numa região considerada «coutada do macho latino».

Estas situações mostram de facto que uma ética que não se consiga separar da religião ou de «os grandes valores da cultura de um povo» na realidade não passa de um conjunto de prescrições autoritárias que correspondem a uma perversão grave dos princípios que supostamente regem a nossa sociedade. Conjunto de prescrições autoritárias que, sem surpresa alguma, nas misóginas religiões do livro se dirigem especialmente às mulheres.

Algo que não nos podemos esquecer quando formos convidados às urnas para decidir da despenalização do aborto. Ou seja, se os que apelam ao «Não» de facto consideram o aborto um assassínio – e nesse caso não se percebe porque razão ululam que não querem ver mulheres «decentes» na prisão e porque não exigem uma mudança no quadro penal para fazer equivaler um aborto a um assassínio – ou se querem apenas sujeitar as «imorais» pecadoras a perigos consideráveis para a respectiva saúde e a humilhações na praça pública.

Durante o fim de semana retomarei o tema do estatuto ético e jurídico do embrião – porque é sobre o direito incondicional à vida de um embrião que vamos ser auscultados – e espero mostrar porque não são convincentes os argumentos do «Não», na sua esmagadora maioria contaminados com julgamentos de valor sobre os motivos das mulheres que abortam, distinguindo entre abortos «morais» – que não devem ser punidos – e abortos «imorais».

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26 de Outubro, 2006 Ricardo Alves

Israel avança para o casamento civil (ou talvez não)

As negociações para o novo governo israelita, que poderá incluir um partido representando a minoria russófila, provocaram um debate sobre a possível criação do casamento civil em Israel. Actualmente, os únicos casamentos reconhecidos são os realizados pelas comunidades religiosas, e muitos israelitas vão casar a Chipre, quer por quererem casar fora da sua comunidade religiosa, quer por não serem considerados judeus, quer por serem judeus moderados que não querem aturar as aulas pré-nupciais (obrigatórias) dadas pelos rabis ortodoxos (cujo fundamentalismo e intolerância não ficam atrás do pior do catolicismo).

O casamento civil permitiria aos imigrantes recentes de origem russa (cerca de 300 000 indivíduos), muitos dos quais não são considerados judeus, casarem-se. É impossível fazê-lo com os arranjos actuais, dado que em Israel o casamento só existe segundo as leis religiosas medievais e retrógradas das comunidades religiosas: consequentemente, uma judia não pode divorciar-se sem autorização do marido (e dos rabis), e a chária é aplicada aos casamentos entre muçulmanos. Evidentemente, os casamentos mistos são impossíveis, o que tem mantido a sociedade israelita segregada segundo linhas de fractura religiosas (contribuindo assim para os níveis de paz social e harmonia tão conhecidos de todos).

Infelizmente, um dos partidos necessários à coligação governamental é o Shas, um partido que obedece assumidamente ao Rabi-chefe da comunidade sefardita, Shlomo Amar. Este senhor, do alto da sua autoridade clerical, fez o seu submisso partido propôr uma «união civil» exclusivamente para cidadãos sem religião, mantendo a impossibilidade legal de casamentos mistos. Mas nem isso está garantido.
25 de Outubro, 2006 Ricardo Alves

Refutação de vários deuses (2)

(continuação)

O passo lógico seguinte é um «Deus» criador e que recebe as «almas» após a morte. A «alma» é uma ideia particularmente espatafúrdia: seria a consciência humana, separada do corpo e pressupostamente perpétua. A ideia resulta da resistência do ser humano a aceitar que a consciência de si próprio desaparecerá no momento da morte. Essa resistência, deve notar-se, é um sinal de presciência. Todavia, a consciência (o «eu») é a mera continuidade das funções cerebrais, que existe de uma forma mais ténue em muitas outras espécies animais. Pretender que a nossa consciência sobreviva depois da morte é um desejo compreensível, mas quimérico: a nossa consciência apaga-se com a morte das nossas células, por mais dificuldade que tenhamos em aceitá-lo.

Finalmente, o «Deus» mais popular na nossa cultura deveria ser o «Deus» cristão, que seria um «Deus» criador, recebedor de almas e interventor (o «Deus» do judaísmo e o do islão gozariam dos mesmos atributos). No entanto, a maior parte dos crentes confessam que não acreditam na existência de uma entidade não material que interviria no mundo material violando as leis da Física ou simplesmente forçando acontecimentos improváveis. A mais importante dessas intervenções das leis naturais, segundo os seguidores da seita cristã (uma presumível dissidência do judaísmo), teria sido a paternidade de um indivíduo que teria vivido na região israelo-palestiniana há cerca de dois mil anos, e que teria «ressuscitado» após a morte. A prova da sua «divindade» seria este último acontecimento, que é tão possível como uma lâmpada fundida voltar a funcionar. Apesar de raros cristãos me jurarem a sua fé na realidade desse evento primacial (a «ressurreição»), nenhum deles guarda lâmpadas fundidas na arrecadação. («Fé» incoerente e pouco consequente, é o que vos digo…) Os crentes neste «Deus» interventor têm outro problema sério: as «intervenções» ou aconteceram há muito tempo, ou aconteceram perante «testemunhas» que já tinham «fé» (ou seja, teimosia suficiente para afirmar acreditar no impossível ou no improvável). E alegações fantásticas de intervenções sobrenaturais nos assuntos humanos devem ser rejeitadas enquanto não houver testemunhos credíveis, do mesmo modo que fazemos com outros boatos inverosímeis.

O ateu tem a enorme vantagem de não acreditar em qualquer uma das quebras de lógica mencionadas mais acima (há muitas outras, por exemplo os extra-terrestres que raptam pessoas para as violar ou as «alminhas» aprisionadas no micro-ondas). Mas a maior vantagem é metodológica: questionar e desmontar as crenças religiosas é um treino analítico, que ajuda a consolidar a capacidade de adaptarmos as nossas ideias ao que se comprova através da experiência e do raciocínio.
25 de Outubro, 2006 Ricardo Alves

Refutação de vários deuses (1)

Sou ateu porque aceito o universo tal como é: um sistema fechado no qual todos os acontecimentos são explicáveis pela natureza dos elementos constituintes, das suas interacções e das condições iniciais do próprio universo. Desta definição retiram-se como corolários a inexistência tanto de cada um dos deuses das diversas mitologias humanas, como de «espíritos», unicórnios invisíveis ou cães azuis que vivam do outro lado da Lua. Na sequência refutarei os diversos «deuses», partindo do mais «fraco» (o «Deus» exclusivamente conceptual), até ao mais «forte» (o «Deus» interventor dos teístas). Sendo ateu por educação, só conheço os deuses de que os crentes me falam, e devo confessar que ao longo da minha vida já ouvi as versões mais díspares sobre o conteúdo da palavra «Deus».

Nas conversas com crentes, o «Deus» que mais frequentemente me mencionam como sendo irrefutável é um mero conceito (e quanto mais vago melhor). Concretamente, alguns crentes dizem-me que não posso refutar a existência de uma entidade que não faz parte do nosso universo, mas que no entanto existe no seu «exterior» e poderia intervir no nosso mundo se quisesse. É evidente que concordo. Não posso refutar a existência de tal entidade, como não posso refutar a existência de unicórnios cor-de-rosa invisíveis que não respiram por cima do meu ombro, não transpiram, nem são feitos de matéria. E também não posso refutar a existência de quinze milhões de passarinhos que andem a voar em bando em redor do universo, trinando o hino nacional e defecando para fora do dito universo. Mas, honestamente, não conheço uma única religião que cultue o «Deus» conceptual ou os quinze milhões de passarinhos. E se não podemos usar o cocó dos passarinhos como fertilizante, ou se o dito «Deus» não intervém, seria totalmente inútil cultuá-los (quer aos passarinhos, quer ao «Deus» mudo e quedo).

Seguidamente, existe quem acredite no «Deus» dos deístas, que teria criado o universo, tendo-se depois remetido a uma inacção digna do «Deus» conceptual. Assume-se geralmente que este «Deus» sabia o que fazia, e que portanto teria soprado a «grande bolha» com os parâmetros físicos intencionalmente regulados para permitir a aparição de vida na Terra (ah, a vaidade…), tendo depois ficado a fazer cera. A ideia tem o problema de que, para prever a evolução do nosso universo, «Deus» teria que dispor ou de uma máquina que lhe permitisse calcular essa evolução, ou de uma inteligência própria suficiente para tal. Em qualquer dos casos, teria que usar um suporte material para os seus cálculos mais extenso e mais complexo do que o próprio universo «criado», o que exige que ele próprio tivesse sido criado por um «super-Deus», o qual por sua vez teria sido criado por um super-«super-Deus», e assim sucessivamente. Qualquer um destes super-deuses, para que pudesse ter capacidades observacionais e computacionais presentes em qualquer ponto do universo instantaneamente, violaria a relatividade restrita e a relatividade generalizada todos os dias de manhãzinha até à noite.

(continua)
25 de Outubro, 2006 jvasco

Compreensão e Respeito

A publicação no Diário Ateísta do meu post Religião Imoral suscitou os comentários previsíveis: temos que compreender que muitos religiosos não levam à letra os seus textos sagrados, e temos que respeitar as ideias dos religiosos se os queremos persuadir a aceitar as nossas.

Com o primeiro ponto concordo, e era mesmo essa a ideia que queria transmitir. À parte dos fundamentalistas mais fanáticos, os crentes tendem a filtrar as tradições religiosas para que se conformem à sua noção do que é certo e errado. Os que não o fazem são tidos como extremistas. É por isso que digo que não é a religião que nos dá a moral, mas a moral que deve ditar o que aceitamos ou não como religião. A religião como fundamento ético não só é treta como é indesejável e perigosa.

Com o segundo ponto discordo. Imaginem que um político defendia que as mulheres não devem ter cargos de chefia, e que a sua função deve ser ficar em casa a cuidar da família. Ninguém diria que temos que respeitar esta opinião, ou que devemos criticá-la com diplomacia para que o político melhor aceite a opinião contrária. O justo seria expor esta ideia como ridícula e absurda, e mesmo criticar o político por defender tais barbaridades.

Se for um padre é o mesmo. O absurdo não é ser uma ideia política, nem se torna menos absurda por convicção religiosa. Disparate é disparate, venha de onde vier, e merece ser criticado da mesma forma independentemente da origem.

Nem concordo que eu deva ser diplomático para ser persuasivo, pois o meu objectivo não é converter crentes ao ateísmo ou ao cepticismo. O que quero é que todos se sintam livres de criticar as crenças dos outros e obrigados a justificar as suas, quaisquer que sejam, pois é a única forma de coexistirmos pacificamente numa sociedade pluralista e livre. Se nessa sociedade houver mais religiosos que ateus, pouco me importa. Quero lá saber se gostam mais de chocolate ou de baunilha.

——————————–[Ludwig Krippahl]

24 de Outubro, 2006 Carlos Esperança

O momento Zen da segunda-feira

João César das Neves (JCN) tem substituído a habitual homilia das segundas-feiras por artigos de opinião com manifesto prejuízo dos leitores que procuram nas prédicas do devoto os ensinamentos das missas a que se baldam e o tratamento para o fígado.

JCN não é um desses devotos que viajam de joelhos, de língua estendida, a caminho da eucaristia. Não se priva da rodela de pão ázimo com que lambe a comissura dos lábios como os mais glutões soem fazer com o leitão da Bairrada; não falta à confissão nem deixa de rezar o terço que a Irmã Lúcia recomendou, a rogo da Senhora de Fátima, uma Virgem voadora que fazia das azinheiras aeroporto. Mas não faz figuras tristes na rua.

JCN não estraga as calças de bom corte a fazer gincanas de joelhos à volta da capelinha das aparições, faz desporto em beatas homilias nos jornais e nos livros que publica.

No Diário de Notícias de ontem JCN dissertou sobre «A vida de Deus em mim» – salvo seja. «Hoje nas sociedades laicizadas vê-se muito Deus» – garantiu o prosélito. Onde andará o Deus dele que não aparece nos cafés, na via pública, nos escritórios, nos sítios por onde passam as pessoas normais?

Andará Deus na clandestinidade com medo de ser apanhado sem identificação ou só aparece ao padre Vaz Pinto e a ele próprio, como ambos alegam?

JCN diz que «a grande surpresa, a única Boa Nova que o mundo recebe é que Deus vem pessoalmente viver aqui no meio de nós». Será que já alugou casa, fez o contracto do gás, electricidade e água ou vai viver com o padre Vaz Pinto e o JCN?

Estes dois publicitários do divino dizem que não podem viver sem Deus. Para eles é o urso de peluche a que as crianças se agarram para vencer o medo.

Deus é uma espécie de anti-depressivo de que carecem pessoas pouco estáveis ou mais supersticiosas. É um placebo de resultados comprovados em pessoas instáveis mas pode tornar-se perigoso quando os clientes querem impor aos outros a mesma receita.

Eu já tomei óleo de fígado de bacalhau em doses suficientes. Deixo Deus só para eles. O pior é que os prosélitos não desistem de o impingir aos outros.