Refutação de vários deuses (2)
(continuação)
O passo lógico seguinte é um «Deus» criador e que recebe as «almas» após a morte. A «alma» é uma ideia particularmente espatafúrdia: seria a consciência humana, separada do corpo e pressupostamente perpétua. A ideia resulta da resistência do ser humano a aceitar que a consciência de si próprio desaparecerá no momento da morte. Essa resistência, deve notar-se, é um sinal de presciência. Todavia, a consciência (o «eu») é a mera continuidade das funções cerebrais, que existe de uma forma mais ténue em muitas outras espécies animais. Pretender que a nossa consciência sobreviva depois da morte é um desejo compreensível, mas quimérico: a nossa consciência apaga-se com a morte das nossas células, por mais dificuldade que tenhamos em aceitá-lo.
Finalmente, o «Deus» mais popular na nossa cultura deveria ser o «Deus» cristão, que seria um «Deus» criador, recebedor de almas e interventor (o «Deus» do judaísmo e o do islão gozariam dos mesmos atributos). No entanto, a maior parte dos crentes confessam que não acreditam na existência de uma entidade não material que interviria no mundo material violando as leis da Física ou simplesmente forçando acontecimentos improváveis. A mais importante dessas intervenções das leis naturais, segundo os seguidores da seita cristã (uma presumível dissidência do judaísmo), teria sido a paternidade de um indivíduo que teria vivido na região israelo-palestiniana há cerca de dois mil anos, e que teria «ressuscitado» após a morte. A prova da sua «divindade» seria este último acontecimento, que é tão possível como uma lâmpada fundida voltar a funcionar. Apesar de raros cristãos me jurarem a sua fé na realidade desse evento primacial (a «ressurreição»), nenhum deles guarda lâmpadas fundidas na arrecadação. («Fé» incoerente e pouco consequente, é o que vos digo…) Os crentes neste «Deus» interventor têm outro problema sério: as «intervenções» ou aconteceram há muito tempo, ou aconteceram perante «testemunhas» que já tinham «fé» (ou seja, teimosia suficiente para afirmar acreditar no impossível ou no improvável). E alegações fantásticas de intervenções sobrenaturais nos assuntos humanos devem ser rejeitadas enquanto não houver testemunhos credíveis, do mesmo modo que fazemos com outros boatos inverosímeis.
O ateu tem a enorme vantagem de não acreditar em qualquer uma das quebras de lógica mencionadas mais acima (há muitas outras, por exemplo os extra-terrestres que raptam pessoas para as violar ou as «alminhas» aprisionadas no micro-ondas). Mas a maior vantagem é metodológica: questionar e desmontar as crenças religiosas é um treino analítico, que ajuda a consolidar a capacidade de adaptarmos as nossas ideias ao que se comprova através da experiência e do raciocínio.