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Anedota do Ano: o CDS e o obscurantismo

Retractação de Galileu ao Santo Ofício

Ribeiro e Castro afirmou que «é o CDS que conduz verdadeiramente a batalha contra o obscurantismo».

Esta declaração bombástica insere-se na campanha pelo «Não» no próximo referendo sobre o aborto, em que o dirigente do CDS-PP, reclamando conhecimento (divinamente inspirado) sobre as origens da vida, proclamou os democratas-cristãos paladinos intransigentes da «criança por nascer» já que «existem cada vez mais evidências de que há vida desde a concepção» .

Na realidade, há vida antes da concepção e, para ser coerente com os valores cristãos que diz defender, Ribeiro e Castro deveria emular outro devoto cristão, o intransigente defensor da vida não nascida G. W. Bush, que há uns meses debitou directivas federais que ordenam serem tratadas nos sistemas de saúde como pré-grávidas todas as mulheres em idade fértil. Isto é, todas as mulheres devem deixar-se de relativismos ateus e assumir o seu papel «divinamente» predestinado de meras parideiras sem quaisquer direitos!

Vindo do dirigente máximo do partido que alberga os grandes defensores do ensino do criacionismo da nossa praça esta surpreendente declaração de luta contra o obscurantismo por parte de Ribeiro e Castro só pode ser entendida como anedota ( e de muito mau gosto)!

Aliás, basta olhar para o panorama mundial da legislação sobre o aborto para se confirmar que este não constitui crime apenas em países em que o obscurantismo está instalado, países cientifica e tecnologicamente atrasados, como a Inglaterra, Alemanha, países escandinavos, etc..

Resta saber se Ribeiro e Castro assume de facto a coerência com os valores cristãos que reclama e exige a pena máxima para o único crime imperdoável* à luz da doutrina cristã.

De facto, tirando rebeldias cismáticas, apenas o aborto é agraciado com excomunhão automática: assassinos e violadores de crianças podem sempre ser perdoados; quem aborta ou quem faz abortos, em quaisquer circunstâncias e seja qual for o motivo, mesmo salvar a vida da mulher, não merece perdão.

Para a Igreja Católica, o aborto constitui sempre «um ataque à vida humana» – subentendendo-se que para a ICAR a mulher é um sub-humano sem quaisquer direitos, sequer o direito a legítima defesa. Como confirmado, por exemplo, pelas declarações do responsável do Conselho Pontifical da Família em relação à recente alteração na legislação da Colômbia, que permite o aborto em caso de violação, malformações fatais do embrião/feto e quando a vida da gestante está em perigo.

Como já escrevi, no cerne da questão do aborto, assim como na questão da investigação em células estaminais ou na clonagem terapêutica em que a argumentação da Igreja é exactamente a mesma, reside simplesmente a questão: têm direito incondicional à vida uma célula estaminal toti ou pluripotente, um óvulo fertilizado e um embrião?

Se os democratas-cristãos, assim como a delegação nacional da Igreja de Roma que já confirmou ser o aborto apenas uma questão religiosa, atribuem a um embrião até 10 semanas o estatuto ético e legal de uma pessoa, então é uma hipocrisia total não pedir pena máxima para quem esteja envolvido no que só podem considerar ser um crime de homicídio!

Não faz sentido afirmar que não se pretende mandar para a cadeia as mulheres que abortam se se considera que elas estão a cometer um crime tão abominável. Apenas faz sentido se admitirmos que o que se pretende criminalizar não é o aborto mas sim a prática de sexo sem intuito reprodutivo. Ou seja, as mulheres que se atrevem a tal pecado e se veêm a braços com uma gravidez indesejada devem estar sujeitas a uma mui democrata e cristã punição: se não prisão pelo menos humilhação pública e/ou risco de vida!

* A Igreja considera o aborto provocado, mesmo em caso de perigo grave da vida da grávida, um pecado gravíssimo. Impõe a excomunhão automática, excomunhão latae sententiae, a todos os que tomam parte nele, consciente e voluntariamente (para além da mulher, familiares, médicos, farmacêuticos, enfermeiras, parteiras, etc.) – Código do Direito Canónico, Canon 1398.

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