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Joseph Ratzinger: «Deus aparece nas contas sobre o homem e sobre o universo»

Na homilia de terça-feira em Ratisbona (já mencionada pela Palmira), Ratzinger não evitou criticar a ciência, uma das suas preocupações assumidas nos tempos mais recentes. Deve, porém, notar-se que o texto divulgado foi lido numa missa, e por isso tem sobretudo uma função litúrgica, ao contrário do discurso de Wojtyla que analisei recentemente, e com o qual JP2 pretendia interpelar os cientistas.

As presumíveis reflexões de Castelgandolfo emergem em dois parágrafos. Ratzinger começa por preocupar-se porque «uma parte da ciência se dedicou a buscar uma explicação sobre o mundo na qual Deus seria desnecessário». Acrescenta que «se isso fosse assim, Deus seria desnecessário em nossas vidas». Arrisca muito, porque liga a necessidade de «Deus» na vida das pessoas (que eu aceito, como «conforto emocional») à necessidade na ciência (que já não é aceitável). O pior vem imediatamente a seguir: «Mas cada vez que parecia que este intento havia conseguido êxito, inevitavelmente surgia o evidente: as contas não batiam. As contas sobre o homem, sem Deus, não batem, e as contas sobre o mundo, sobretudo o universo, sem Ele, não batem». Esta passagem presta-se a ser ridicularizada: Ratzinger ganhará um lugar na História como o Papa que meteu «Deus» nas contas da física e da biologia. Só é pena que não nos diga que contas são: serão as equações de Einstein? Ou serão diagramas de Feynman? Termodinâmica? As equações diferenciais que se usam em certos ramos da biologia ou da neurologia? Contas de mercearia? Que eu saiba, a cosmologia não necessita de «Deus» para calcular a idade do universo ou a distância a que se encontram as galáxias. E não é necessário «Deus» algum para compreender o que é a tuberculose ou para estudar as funções do córtex cerebral. Portanto, não se compreende do que fala Ratzinger, se é que ele próprio compreende do que está a falar. Para a próxima, é melhor que explicite em que parte das «contas» teve que inserir «Deus» (coisa que nenhum cientista alguma vez reportou ter feito, já agora…).

Mas continuemos com o (confuso) arrazoado de Ratzinger: «apresentam-se duas alternativas: O que existiu primeiro? A Razão criadora, o Espírito que faz tudo e suscita o desenvolvimento, ou a Irracionalidade que, carente de toda razão, produz estranhamente um cosmos ordenado matematicamente, como o homem e sua razão. Esta última, contudo, não seria mais que um resultado casual da evolução e, portanto, definitivamente, também racional. Como cristãos, dizemos: «Creio em Deus Pai, Criador do céu e da terra», creio no Espírito Criador». As alternativas apresentadas são essencialmente um jogo de palavras, mas Ratzinger parece querer dizer que a «irracionalidade» (seja lá isso o que for no contexto de uma interrogação sobre as origens) não pode «produzir» a racionalidade (idem). É um argumento do género «o complexo não pode produzir o simples» ou «a ordem não pode surgir da desordem». Porém, existem vários exemplos do contrário nas ciências da natureza (e é no contexto da ciência que Ratzinger coloca as suas «alternativas»…).

Resumindo: aparentemente, Ratzinger não meditou tão profundamente nas questões epistemológicas como Karol Wojtyla. Se só tem para oferecer jogos de palavras e raciocínios tão pobres, não merece a reputação de intelectual culto que lhe têm construído.

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