Ratzinger e a negação do evolucionismo II
Para os crentes mais esclarecidos, a linguagem escolhida para negar o evolucionismo é outra, lembra a de Philip E. Jonhson, um dos pais da IDiotia, que afirmou ««Ser um cientista não é necessariamente uma vantagem, quando lidamos com um tópico tão abrangente como a evolução, que se entrelaça com muitas disciplinas científicas e também envolve os toques da filosofia»
Também o Vaticano recorre à «filosofia», isto é, à pseudo-filosofia que dá pelo nome de teologia, para tentar reconciliar esses crentes. Ou seja, como filosofia normalmente não é tema em que sejam fluentes aqueles que têm uma educação mais científica, aquilo que vemos delineado na imprensa é uma apresentação da IDiotia como filosofia da natureza, philosophia naturalis (um termo que designa o estudo objectivo da natureza e do mundo físico, isto é, outro nome para ciência) pelo que, sem se perceber bem como, «os cientistas estão a ultrapassar os limites da ciência» explicando a origem das espécies a partir de um ancestral comum com o ateu evolucionismo, como afirma o padre jesuíta Joseph Fessio, que participou do encontro.
Assim, Fessio afirma que «os neodarwinistas [aka evolucionistas] que negam Deus tiram uma conclusão ideológica que não é comprovada pela teoria». O que é igualmente absolutamente falso, a ciência não nega Deus, apenas conclui que este é uma hipótese desnecessária na explicação do mundo e tal é comprovado não apenas nas ciências da vida mas em todas as áreas da ciência!
Noutras palavras, manipulando sofismatica e habilmente a linguagem, enganando os mais incautos com a pretensão de que filosofia da natureza é algo diverso de ciência, o Vaticano vai atacar directamente a ciência, tentando impor limites, pelo menos na opinião pública, ao que a ciência pode ou não abordar, e indirectamente assestando as baterias nos ateus cientistas.
Pretendendo que, devido ao seu desconhecimento de «filosofia», os cientistas são totalmente incompetentes para explicar os mecanismos da evolução, já que causas sobrenaturais não são contempladas pela ciência – aliás, são negadas pela ciência – e estes deveriam esperar por autorização «superior» das instâncias religiosas, as senhoras absolutas da «filosofia», antes de ousarem explicar algo que só pode ser alvo de uma explicação religiosa (que sofismaticamente tentam igualar a filosófica, quando na realidade religião está nos antípodas de filosofia).
Assim, não é complicado prever que as actas do dito seminário vão estar recheadas de argumentos IDiotas que negam o evolucionismo, que o papa vê como «uma filosofia fundamental … que pretende explicar a realidade como um todo» sem Deus, mas que aceitem a evolução, que é impossível de negar.
Diria ainda que esta aceitação da evolução será fraseada de forma que, embora evidenciando que o Vaticano «aceita» a micro evolução, deixe espaço de manobra para a negação da macro evolução, isto é, a evolução de uma espécie para outra. Macro evolucão que Ratzinger questiona e que é impossível de aceitar já que refuta «a base imutável de toda a antropologia cristã», que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, e torna muito complicado justificar o pecado original…
Pecado original de que Ratzinger usa e abusa, nomeadamente para explicar porque as mulheres se devem submeter cristamente aos seus melhores, os homens! E remissão do dito cujo na qual assenta o cristianismo.
Isto é, se não houve pecado original, se o homem evoluiu muito lenta e progressivamente de um organismo unicelular primevo, como justificar a necessidade de um mítico salvador de «almas» incarnado e crucificado – a tal complicação com duas essências que faz parte de uma entidade com três pessoas e uma essência – mesmo com macro evolução «desenhada»? Se, como pretendem alguns teólogos, o pecado original é uma alegoria do pecado indissociável do ser humano, será o designer assim tão incompetente que não conseguiu eliminar essa pecha para o «pecado» do seu desenho – assim como, sei lá, cancro, HIV, etc., para além de inúmeros outros exemplos do «mal»? Ou será necessário recorrer à teoria dos anjos para explicar «desenho malevolente»?
Para além, disso, se houve macroevolução, mesmo «desenhada», em que ponto da evolução fomos mimoseados com almas que necessitam ser «salvas»? Mesmo admitindo apenas microevolução, teria o Neanderthal alma? Se sim, que «pecado» cometeu para «merecer» a extinção? Ou apenas o Homo sapiens sapiens foi agraciado com a dita? Mas então, como se justificam os indícios de comportamento «anímico» que as últimas descobertas arqueológicas indicam para o Neanderthal? E porquê alma no Sapiens e não no seu ancestral Homo erectus? Ou no ancestral mais remoto, o Australopithecus afarensis? E já agora porque não nos outros ramos da mesma árvore evolutiva, por exemplo os restantes primatas?