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Mês: Agosto 2006

8 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Impunidade em nome de Deus – pedofilia

A Igreja católica volta a fazer as manchetes de vários jornais britânicos pelas piores razões, agora pelo maior caso de abuso sexual de menores em julgamento neste país.

Cerca de 140 ex-alunos do St William’s Community Home em Market Weighton, East Yorkshire, uma instituição de apoio a menores em risco fechada em 1992 quando as dimensões do abuso perpetrado no seu interior vieram a público, processaram a diocese de Middlesbrough, mais concretamente a Catholic Child Welfare Society e a Middlesbrough Diocesan Rescue Society, e a De La Salle Brothers, uma ordem católica de professores.

Pelas descrições dos ex-alunos que tiveram a coragem de dar a cara a instituição católica era uma casa de horrores, em que os pupilos lá colocados pelo sistema social britânico eram sujeitos a abusos físicos e sexuais constantes. As queixas dos pupilos que reportaram aos assistentes sociais os espancamentos constantes, os repetidos abusos sexuais e psicológicos sofridos às mãos dos católicos mentores não foram consideradas durante muitos anos.

O irmão James Carragher, o director do centro, encontra-se correntemente a cumprir uma pena de 14 anos por abuso sexual sistemático de menores. Já anteriormente, em 1993, tinha sido condenado a 7 anos de prisão por outras ofensas de abuso sexual grave. O superintendente Richard Kerman, que conduziu a investigação no segundo julgamento, descreveu Carragher como «o homem mais malvado que alguma vez conheci».

O abuso sistemático das cerca de 2000 crianças em risco que por lá passaram teve como resultado homens amargos, sem qualquer confiança no seu semelhante, cerca de metade dos quais se encontram na prisão a cumprir pena por crimes diversos.

Algo que tem provocado indignação é o facto de nem sequer a diocese ter pedido desculpas pelo que se passou. Um porta-voz da diocese afirmou que pedir desculpas seria equivalente a admitir culpas… e com um processo judicial em curso poderia ter como consequência uma maior indemnização a pagar pela diocese.

Uma actuação na linha da do Bispo William Skylstad que, referindo-se ao escândalo da pedofilia no clero americano e pesadas indemnizações decorrentes, afirmou para os seus pares «não há dúvida, irmãos, que estes últimos anos exerceram um pesado tributo sobre nós» não só relegando para o passado os abusos sexuais de menores perpretados por padres mas sugerindo falaciosamente que a Igreja é uma vítima inocente dos seus próprios crimes. Mais preocupada em proteger padres pedófilos que crianças, ignorando as vítimas reais dos abusos sexuais, as inúmeras crianças brutalizadas por padres ao longo dos anos, a Igreja preocupa-se apenas com o dinheiro que lhe sai dos cofres (e com o que não entra devido ao escândalo) !

Como já afirmei, pessoalmente considero que a sexualidade de cada um, desde que praticada com adultos consensuais, é algo do foro pessoal e sobre a qual nunca considerei fazer juízos de valor. Mas surpreende-me sempre pela negativa e sempre o denunciarei o empenho da Igreja Católica em determinar a sexualidade de outrem, a veemência das campanhas pela abstinência e contra o preservativo, as exortações ad aeternum à castidade e virgindade, inclusive como único método de prevenção admíssivel da SIDA, quando em casa própria a única preocupação é encobrir os crimes sexuais praticados por membros do clero católico!

Assim, continuarei a denunciar estes casos enquanto a prática adoptada pela Igreja Católica continuar a ser o encobrimento do abuso sexual perpetrado por eclesiásticos, muitas vezes «recompensados» com promoções após serem de tal denunciados pelas vítimas. Como o caso do padre Neil Gallanagh, que se declarou culpado de pedofilia com os pupilos (surdos) do St John’s Roman Catholic School for the Deaf em Wetherby, West Yorkshire. O padre Gallanagh foi promovido a esta posição depois de ter sido condenado… a uma multa de 30 libras … por ter violado um rapaz de 9 anos da sua congregação de Craigbane em Derry, Irlanda do Norte, durante uma viagem à Ilha de Man.

Enquanto aqueles que denunciam e tentam ajudar as vítimas de pedofilia são… suspensos, como aconteceu a Bob Hoatson, um padre de New Jersey, que num testemunho em Maio do ano passado, se atreveu a dizer a verdade: afirmou que os responsáveis da Igreja católica têm mentido sistematicamente sobre os casos de pedofilia!

7 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

Madonna e a cruz

Quando várias empresas se conluiam para concertar preços e sabotar a concorrência, o crime é punido por instituições públicas que têm por fim impedir distorções ao mercado, facilitar a entrada de novos fornecedores e defender os interesses dos consumidores.

Nem os liberais mais exaltados condenam a aplicação de coimas e outras sanções penais que garantam a concorrência honesta. Foram, aliás, condenadas, há pouco, empresas que combinavam entre si os preços de medicamentos.

Mais danosas do que as empresas farmacêuticas são as transnacionais da fé que vendem mezinhas para salvação da alma.

A crucificação encenada por Madonna levou clérigos católicos, muçulmanos e islâmicos a unirem-se nos protestos e uivarem em uníssono contra a opção estética da cantora.

A cruz é um antigo instrumento de tortura que sacrificou homens e mulheres. Abundam pinturas e esculturas que documentam o sofrimento feminino. A suposta crucificação de Cristo não confere ao cristianismo o monopólio do logótipo nas coreografias litúrgicas.

Os cristãos exploram com a cruz o negócio da fé, exibindo o sofrimento do seu Deus, e tentam apropriar-se do símbolo, em exclusivo.

Sempre que a liberdade possa ser posta em causa, solidarizam-se as religiões do livro. É a vocação totalitária a unir três credos que se odeiam entre si.

Se as democracias tolerarem as prepotências clericais, hoje a cruz não pode ser usada em coreografia profana, amanhã não pode servir de cabide a um casaco para evitar os vincos, depois proíbem-se as contar de somar e, finalmente, a santidade torna-se obrigatória.

É preciso conter os loucos e fanáticos que pretendem crucificar a liberdade.

7 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Impunidade em nome de Deus II

Há uns tempos, a propósito de mais um caso de pedofilia no seio de uma igreja cristã, um dos nossos devotos leitores, próximo do Comunhão e Libertação, acusava-me de querer minar o celibato da Igreja Católica com os meus posts sobre abuso sexual perpetrado por membros do clero cristão. Na realidade, pessoalmente considero que o celibato, embora contra natura, não é o problema principal subjacente. O problema é o poder absoluto que corrompe absolutamente, é o sentimento de impunidade que as religiões conferem.

Os membros mais vulneráveis de uma igreja são vítimas frequentes da ganância, manipulação e ou depravação sexual do respectivo pastor. Pastor, que se sente impune para praticar estes crimes já que se considera representante na Terra de um poder supremo, mandatário de uma autoridade «divina», acima das leis dos homens.

Como é indicado no artigo sobre o reverendo King, defendo que o estado deve garantir a liberdade de religião dos seus cidadãos mas por outro lado não pode demitir-se da responsabilidade de os proteger das predações religiosas. Liberdade religiosa não é impunidade religiosa, as igrejas devem estar sujeitas às leis do respectivo país. A linha sobre o que é liberdade religiosa e o que é criminalidade religiosa deve ser bem demarcada. E as actividades da religião devem ser vigiadas para que os cidadãos não sejam vítimas da sua própria credulidade e da manipulação por gente mal formada. Não há leis «divinas», os que pretendem falar em nome de um qualquer Deus deviam estar sujeitos às mesmas leis dos restantes cidadãos!

A promessa e encenação de milagres sortidos, como é o modo de operação por exemplo da IURD ou da Igreja Maná, deveria ser considerada publicidade enganosa e como tal proibida. Não há nem nunca houve qualquer tipo de «milagres»!

De igual forma a instigação ao ódio, seja ele ao ódio contra minorias sexuais ou ao ódio contra os infiéis, ateus ou os que não seguem os preceitos do livro «sagrado», seja este livro a Bíblia, o Corão ou outra qualquer colecção dos dislates de um alucinado, deveria ser criminalizada. Os púlpitos não podem ser utilizados para uma dada religião impor as respectivas aberrações a todos!

Em relação ao abuso sexual de fiéis por parte de membros do clero, nomeadamente católico, a igreja deveria ser obrigada a denunciar às autoridades todos os casos de que tivesse conhecimento. A prática corrente de encobrimento a todo o custo da pedofilia em particular, traduzida num documento do actual Papa, debitado em 2001 ainda como Cardeal Ratzinger, que ordenou ficarem em segredo pontifício todos os casos de abuso sexual de menores por parte de sacerdotes católicos, deveria constituir um crime público!

Se, como na homília de hoje do cavaleiro da pérola redonda, J.C. das Neves, que reconhece os muitos crimes cometidos pela Igreja ao longo dos tempos, «o maior mal-entendido da História» é não perceber que a Igreja é «o único abrigo dos maus», algo de que nunca tive quaisquer dúvidas, porque razão persiste a Igreja em armar-se em depositória da «verdade absoluta», em guardiã intransigente da «moral e bons costumes» e acima das leis dos homens?

Porque será que persiste em achar legítimo que os crimes cometidos em nome de Deus só por Deus podem ser julgados e devem ser perdoados enquanto, por exemplo no caso do aborto, considerado um «crime» pior que a pedofilia, exige que se mande para a cadeia as mulheres que decidam por interromper uma gravidez, mesmo no caso de aborto terapêutico em que a vida da mulher (ou criança) corre risco?

Não é relativismo, não é criar um sentimento de impunidade inadmissível afirmar que mesmo os mais «horríveis pecadores» serão perdoados e até conduzidos «à glória, logo que se convertam»? Porque razão um crente deve ser perdoado e um não crente castigado? Que comportamento ético podemos esperar dos seguidores de uma religião que assenta nestes pressupostos?

7 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Impunidade em nome de Deus

O reverendo Emeka Ezeuko King, da Christian Praying Assembly (CPA) em Lagos, Nigéria, foi acusado pelo ministério público local de conspiração e assassínio depois de ter ateado fogo em 7 dos seus fiéis. Uma das vítimas, Ann Uzoh, não resistiu ao tratamento de choque do devoto pastor, que se autointitulava o Cristo dos nossos dias, para obrigar os pecadores a confessar o «crime» de imoralidade sexual.

De acordo com as testemunhas, no fatídico dia, 22 de Julho passado, o reverendo King primeiro tentou arrancar-lhes a confissão de tão imoral e anti-cristã conduta a golpes de uma barra metálica. Depois, com a colaboração da reverenda irmã Kelechi, igualmente em custódia policial, aspergiu os pecadores com gasolina e deitou-lhes fogo.

King é um líder religioso carismático, o Jesu Oyingbo, que prometia milagres tais como «inoculação espiritual» contra o HIV/SIDA, cancro e todas as doenças relacionadas com sangue. Aparentemente «inoculava» de forma mais carnal as mulheres da sua congregação, mesmo as casadas.

O abuso sexual dos fiéis, sejam eles adultos ou crianças, é, como já escrevi inúmeras vezes, recorrente no clero cristão. Mais um exemplo chega-nos dos Estados Unidos, em que o bispo Terry Hornbuckle está a ser julgado por violação de 3 mulheres da sua congregação. Uma dessas mulheres foi violada por Hornbuckle na sequência de um encontro privado em que este pretendia dissuadi-la de comportamentos «contrários à lei da Igreja», já que tinham chegado ao «moralista» pastor rumores de que a mulher em causa era homossexual.

Os dois casos têm em comum o facto de os clérigos envolvidos serem «estrelas» (cadentes) no panorama religioso local, com frequentes aparições nos media dos respectivos países e a sua popularidade de certa forma lhes ter concedido um sentimento de impunidade, nomeadamente no que diz respeito à imposição nas congregações respectivas da sua visão aberrante de (i)moralidade sexual.

6 de Agosto, 2006 Palmira Silva

A crucificação de Madonna – actualização

Alguns dos nossos leitores informaram-me que a encenação da composição «Live to tell», em que Madonna aparece numa cruz de espelhos e com uma coroa de espinhos na cabeça, tem a finalidade de alertar os seus espectadores para as vítimas da SIDA em África. Na realidade, o objectivo de Madonna é angariar pelo menos 3 milhões de dólares para auxiliar os quase 1 milhão de orfãos da SIDA no Malawi. A cantora anunciou os seus planos numa entrevista à Time.

Considerando a posição criminosa da Igreja católica em relação ao preservativo, reiterada pelo actual Papa ainda no ano passado, quando recebeu os bispos africanos, acho francamente oportuna esta encenação de Madonna.

No Malawi, como nos restantes países africanos em que a Igreja detem uma influência não despicienda, e não obstante os apelos do governo local para que a Igreja reveja a sua posição em relação ao preservativo, os representantes do Vaticano continuam a opôr-se a qualquer programa de prevenção da SIDA que envolva preservativos.

6 de Agosto, 2006 Palmira Silva

A crucificação de Madonna


O deus etrusco Ixion crucificado
Prometeu acorrentado

A imprensa católica especialmente mas praticamente todas as agências noticiosas reproduzem a reacção da Igreja Católica ao espectáculo que Madonna leva hoje a Roma, a uns escassos metros do Vaticano. Durante o «Confessions Tour», há uma cena em que Madonna, usando uma coroa de espinhos, desce para o palco numa gigantesca e cintilante cruz de espelhos.

O Cardeal Ersilio Tonino ululou que a cena é «um acto de hostilidade aberta» enquanto o bispo Velasio De Paolis verberou que o espectáculo «representa os frutos podres da laicidade e do absurdo do mal».

Não se percebe muito bem porque razão a devota da Kabbalah, um ramo místico do judaismo, que afirma estar mais próxima de Deus desde o seu acidente no ano passado, é um fruto podre da laicidade. Só se o bispo se estiver a referir ao facto de que foi o advento da laicidade que impediu a perseguição e queima na fogueira de todos os que não seguissem escrupulosamente a «única» religião verdadeira.

É também a famigerada laicidade que impede que este perigo para a «verdadeira» fé, como o Vaticano descreveu a Kabbalah em 2004, seja erradicado. O facto de De Paolis considerar implicitamente a Kabbalah um fruto do mal é apenas expectável de uma Igreja que cada vez mais mostra as suas verdadeiras cores e cada vez mais dá mostras da rejeição do ecumenismo do concílio Vaticano II.

E mais uma vez, os representantes de todas as religiões do livro, que são incapazes de apelar à paz no conflito entre Israel e o líbano, uniram-se a uma só voz, desta vez contra a cantora e o seu uso «blasfemo» da simbologia da cruz.

Não percebo muito bem os fundamentos das estridentes objecções à utilização da cruz, introduzida na simbologia cristã pelo mitraista Constantino, um dos símbolos mais antigos e mais ubíquos que existem. Desde o Neolítico que a simbologia da cruz está presente em todas as mitologias jamais inventadas. Até Prometeu, o criador dos homens na mitologia grega, é representado nalgumas versões acorrentado a uma cruz, e não a uma rocha, no monte Cáucaso.

A cruz, e posteriormente o crucifixo, só aparece regularmente na arte cristã a partir do século V. E era vulgar em todo o mundo muitos séculos antes. Na realidade, o termo stauros, que aparece na Bíblia e foi traduzido como cruz, significa apenas estaca.

As cruzes solares, muito frequentes, representam o círculo do zodíaco (do grego zoidion que significa círculo animal) com uma cruz que marca as quatro estações. No centro era muitas vezes representado o Sol «crucificado». As cruzes eram assim comuns como representações da crucificação do Sol, simbolizando a passagem das estações e a sua ressureição no equinócio da Primavera (a Páscoa na mitologia cristã).

O sol e o deus Sol não são os únicos deuses encontrados crucificados em antigas cruzes. Muitas figuras de mitologias sortidas morreram na cruz e foram ressuscitados; desde Osiris e Hórus no Egipto, Krishna na India, Mitra na Pérsia, Quetazlcoatl no México, Hesus dos druidas, Attis na Frígia, etc.. Os paralelos entre as míticas vidas destes Messias pagãos com o que é descrito na Bíblia são inúmeros, e são apenas mais uma indicação que Cristo, tal como os seus antecessores, é apenas mais uma figura mítica.

Nomeadamente, inúmeras figuras da mitologia pré-cristã «nasceram», de mães «virgens», pouco depois do solstício de Inverno, mais ou menos a 25 de Dezembro. O Natal cristão é apenas mais um ritual pagão recuperado que festeja o solstício do Inverno e o «nascimento» do Sol.

5 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Os criacionistas, Epicurus e a mecânica quântica

«O Mundo como o conhecemos foi criado por uma colisão fortuita de átomos»
Titus Lucretius Carus, De Rerum Natura (Da Natureza das Coisas), Livro V

A refutação de dados científicos pelos criacionistas da Terra jovem são hilariantes de tão cretinos. Por exemplo, pretendem que todos os métodos de datação que indicam muitos milhões de anos para a idade da Terra, são falíveis já que assentam em pressupostos errados, isto é, não são assentes nas Escrituras.

Mas a estrela da cretinice diz respeito à mecânica quântica que parece exercer um fascínio especial nos criacionistas. Uns pretendem que o desvio para o vermelho é um «efeito quântico»*, logo não prova que o Universo está em expansão – isto é, o Universo mantem-se tal qual a impossibilidade lógica Deus o criou. Este «efeito quântico» sempre tem um certo ar científico, no «Criation World View» pretendem que, à luz da 2ª lei da Termodinâmica, que segundo eles diz que todas as «coisas» se degradam espontaneamente com o tempo -o enunciado desta lei mais imbecil que já vi – então a luz degradou-se, isto é, «cansou-se» nos 6 000 anos que distam da criação o que se traduz numa diminuição da sua frequência e aos ateus cientistas parece um desvio para o vermelho!

ainda outros, que sem perceberem raspas do que é a mecânica quântica, tentam de certa forma – e divertida, rebolei-me a rir entre outras com a parte «mistério envolve estes passos computacionais» – conciliar a mecânica quântica com religião (embora afirmando que muitos cientistas não acreditam na «coisa», o que é completamente falso).

Mas a «ciência» criacionista mais hilariante pode ser encontrada no Common Sense Science, um site criacionista, consequentemente sem alguma ciência, devotado a combater a mecânica quântica e a relatividade geral. E especialmente devotado a combater (artigo em pdf) um filósofo morto há 2 500 anos, Epicurus, e o seu principal divulgador, Lucretius, que morreu há 2100 anos. Epicurus, e não Darwin, é por eles considerado, correctamente, o pai do evolucionismo.

Epicurus foi o primeiro filósofo ateísta de que há registo histórico, na minha opinião o pensador mais brilhante da História. Foi a redescoberta da sua obra na Renascença, transcrita em poema por Lucretius, que permitiu a génese e desenvolvimento do actual pensamento científico, ético e humanista. O ódio a Epicurus e a perseguição dos epicuristas é uma constante da História do cristianismo. Até Pierre Gassendi o ter cristianizado, professar sequer o atomismo – que deixa pouca ou nenhuma margem para a intervenção divina e nega a transmutação do pão e do vinho no corpo e sangue do mítico Cristo durante o ritual canibalístico cristão – era equivalente a uma sentença de morte às mãos da Inquisição.

Para os 5 devotos cristãos sem resquício de senso comum a mecânica quântica é anti-ciência e anti-biblíca. Consideram que o atomismo «é incompatível com os princípios judaico-cristãos porque o atomismo apresenta a matéria independente de Deus, seja porque existe por toda a eternidade e nega a criação por um Desenhador Inteligente seja porque os seus movimentos e acontecimentos são independentes do controle por um Ser Soberano».

Assim, os pseudo-cientistas, que apenas publicam em algo chamado Creationist Research Society Quarterly – que descrevem como uma revista «científica» com referees (!!)- vendem disparates tais como tudo é electromagnetismo, incluindo a gravidade, e as forças nucleares (forte e fraca) são invenções ateístas, ou seja, ignoram toda a ciência do século XX, ficando-se por pouco mais que as equações de Maxwell.

Propõem uma «teoria» unificada de inspiração biblíca, puramente electromagnética, que reverte para anacronismos como o modelo atómico de Bohr (artigo em pdf) e a existência do éter (até Einstein – tirando Epicurus, claro – pensava-se que as ondas electromagnéticas precisavam de um meio para se propagar e assim o espaço interestelar teria de ser preenchido por um material invisível a que se chamava éter).

Este artigo é especialmente hilariante (em formato pdf), já que apresenta um modelo «bíblico» das partículas elementares que de uma penada «arruma» a teoria de cordas, a mecânica quântica e a relatividade geral (perfeitamente desnecessárias e uma invenção ateísta).

A idade do Universo, que os ateus cientistas, só para contrariar a palavra de Deus e a «verdade absoluta» das Escrituras, estão sempre a propor mais velho, é o ponto fulcral para os criacionistas da Terra jovem. Os argumentos «científicos» que apoiam a hipótese que a Terra tem apenas 6 000 anos são ainda hoje fornecidos pelo «trabalho» de Thomas G. Barnes, um dos «cientistas» sem senso comum. Barnes concluiu em 1971, com base, mais uma vez, em ciência do século XIX – que mesmo assim deturpa -, que a idade da Terra é inferior a 25 000 anos. Os disparates de Barnes sobre o campo magnético da Terra, em que assenta a sua conclusão, são magistralmente desmontados aqui.

* Na realidade a mecânica quântica diz-nos que os electrões de uma determinada espécie química só podem assumir valores discretos de energia, quantificados. O chamado estado fundamental electrónico dessa espécie corresponde ao estado de menor energia ao qual ela regressa quando excitada para estados de maior energia. A relaxação para o estado fundamental pode ser acompanhada por emissão de luz de energia igual à diferença de energia entre os estados envolvidos.

Assim, o espectro de emissão de um átomo ou de uma molécula, os comprimentos de onda, λ, emitidos pela espécie, é uma espécie de código de barras que a identifica inequivocamente, como este esquema indica. Tal como o som de um carro que se aproxima é mais agudo (menor λ) que quando se afasta (maior λ), o espectro da luz recebida de uma fonte apresenta um desvio para o vermelho quando esta se afasta (maior λ) ou desvio para o azul (quando se aproxima, menor λ) como esquematizado aqui. Como a luz recebida das estrelas apresenta um desvio para o vermelho concluiu-se que o Universo está em expansão!

5 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Criacionismo puro e duro

Adão, Eva, a serpente e a árvore do conhecimento. Foi a dentadinha no seu fruto a origem da «Queda». O conhecimento, para os cristãos fundamentalistas, é assim a origem de todos os males, que eles evitam como ao Demo.

Enquanto a IDiotia ou neo criacionismo tenta disfarçar os seus propósitos religiosos sob uma capa de pseudo ciência – que poderá convencer apenas os mais ignorantes (ou os mais fanáticos) – os criacionistas puros e duros pelo menos são mais honestos intelectualmente. De facto, não só assumem abertamente o seu cristianismo (jurássico) como não escondem o seu desprezo pela ciência que «que está a virar inúmeras mentes contra o evangelho de Cristo e a autoridade das Escrituras».

Embora me divirta com as cretinices que debitam, merecem-me algum respeito pessoal estes criacionistas que pelo menos são sinceros na sua ignorância, coerentes com aquilo em que acreditam e não embarcam nas jogadas de pura desonestidade moral e intelectual dos IDiotas. Aquilo que me irrita profundamente é a desonestidade intelectual, são os malabarismos retóricos daqueles que deliberadamente manipulam e deturpam factos (científicos ou históricos) de forma a impingir de forma desonesta a sua mundivisão religiosa (e institucional, no caso dos revisionistas históricos em nome da ICAR) aos restantes.

Voltando aos criacionistas puros e duros, nomeadamente os da terra jovem, fui informada por um dos nossos leitores que o Museu do Disparate está quase pronto e abrirá as portas ao público, como previsto, em 2007. O Museu, como o seu fundador, Ken Ham, afirma não engana ninguém: «A Bíblia é a palavra de Deus, a sua história é realmente verdade, esses são os nossos pressupostos ou os nossos axiomas».

Importa recordar que, embora intelectuamente mais honestos, estes criacionistas são tão intolerantes e totalitários como os restantes fundamentalistas. Assim, neste Museu são exibidos os habituais preconceitos cristãos, que estes se acham no direito de impor a todos, nomeadamente uma das exibições culpa os homossexuais pelo flagelo da SIDA (Ken Ham no seu site Answers in Genesis atribui ainda a tragédia no liceu de Columbine ao ensino da evolução) . As tragédias da humanidade, como doenças e fome, são atribuídas aos pecados da humanidade.

Mas sobretudo poder-se-ão apreciar neste museu os disparates sortidos da criação segundo o Genesis, incluindo terem a Terra e o Universo sido criados em seis dias há cerca de 6 000 anos, a asseveração que todos os animais existentes (incluindo os dinossauros) foram criados simultaneamente e passaram por uma temporada na arca de Noé sendo o registo fóssil, «mal» interpretado pelos ateus evolucionistas, consequência do dilúvio.

4 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Apocalipse now – o papel de Israel


A proximidade de Ahmadinejad à Hojjatieh Society, para além das fontes iranianas, tem sido referida na imprensa internacional, do Washington Times ao Christian Science Monitor. Proximidade confirmada desde a sua eleição pelo discurso e acções de Ahmadinejad.

Assim, para além de um escalar da opressão dos baha’i e sunitas no Irão, do investimento de milhões de dólares na preparação da capital para a vinda do messias (em 2004, quando ainda era presidente da câmara de Teerão) Ahmadinejad financiou um Instituto dedicado a estudar e antecipar a chegada do Mahdi. «Este tipo de mentalidade é fortalecedor», observa Amir Mohebian, editor de política do jornal Resalat. «Se eu acredito que o Mahdi virá em dois, três ou quatro anos, por que deveria agir com moderação? Agora é o momento de ser firme, inflexível.»

Enquanto os apocaliptícos cristãos americanos debatem se é necessária a destruição de Damasco antes do Arrebatamento, o presidente iraniano não tem dúvidas: a destruição de Israel anunciará a vinda do Messias. Algo que ele espera acontecer num prazo de dois anos. E de facto praticamente desde que tomou posse Ahmadinejab clama pela erradicação de Israel.

Ontem, numa reunião de emergência da Organização da Conferência Islâmica em Kuala Lumpur, Malásia, Mahmoud Ahmadinejad afirmou que a solução para a crise seria limpar Israel do mapa.

Que o presidente do Irão aguarda ansiosamente a volta de Mahdi é evidenciado ainda pelo seu discurso na ONU em Setembro do ano passado, encerrado com uma prece pela antecipação do evento: «Oh Senhor Todo-Poderoso, eu vos peço que antecipeis a chegada do vosso último enviado, o Prometido, o ser humano puro e perfeito, o que trará justiça e paz a este mundo.»

Posteriormente Ahmadinejad recordou o efeito de seu discurso na ONU:

«alguém do nosso grupo contou-me que, quando comecei a dizer ‘em nome de Deus, o Todo-Poderoso e Clemente’, ele viu que uma luz me rodeava, e eu estava no meio dela. Eu também a senti. Senti a atmosfera mudar de repente e, por esses 27 ou 28 minutos, os líderes mundiais nem pestanejaram. (…) E eles ficaram extasiados. Foi como se uma mão os prendesse nos seus lugares e lhes mantivesse os olhos abertos para receberem a mensagem da República Islâmica».

Diria que o presidente iraniano confundiu choque com êxtase mas o que ressalta desta e outras intervenções de Ahmadinejad é a fixação apocalíptica que este denota. O que preocupa muitos iranianos que não apreciam que «o seu novo presidente não tenha receio de causar um tumulto internacional, que o considere simplesmente um sinal de Deus».

Em relação ao conflito sem fim anunciado entre Israel e o Líbanoem que muitos analistas vêem a mão do Irão – se por um lado temos um devoto cristão a apoiar Israel, por outro temos um igualmente devoto islâmico a apoiar o Hezbollah. Ambos convictos da iminência do Apocalipse e do papel fulcral de Israel na respectiva superstição mitológica!

Termino com uma citação de Ingersoll:

«Eu não quero a destruição da teologia. Eu quero evitar que a teologia destrua este mundo»

4 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Apocalipse now – versão islâmica

Os quatro cavaleiros do Apocalipse de Albrecht Dürer

Via outro blog ateísta americano fiquei a saber não só que existe uma versão islâmica do Apocalipse como o actual presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad, é um crente fervoroso na proximidade do Yawm al-Qiyamah, o dia do Juízo Final.

O dito juízo final, quando os crentes serão ressuscitados e os infiéis enviados para as profundas do Inferno, é precedido pelo Armagedão e pela volta do messias, Mahdi – para os shiitas o décimo segundo iman, uma espécie de D. Sebastião em animação suspensa, ou antes, ocultação divina, desde finais do século IX.

O Mahdi derrotará Dajjal (o anti-cristo) e estabelecerá o império de Allah na Terra. Uma versão decalcada da escatologia cristã, a única diferença, para além da identidade do messias e da versão das religiões do livro que dominará a Terra, reside em quem são os «justos» que serão arrebatados e quais os infiéis castigados.

Assim, para além dos fanáticos cristãos que rejubilam com o actual conflito entre Israel e o Líbano, temos ainda outros fanáticos apocalípticos do livro que o enunciam igualmente como augúrio vaticinado da volta do respectivo Messias.

De facto, no shiismo radical, a crença na vinda do Mahdi tornou-se um dos aspectos centrais da fé, tendo o termo Mahdaviat, «a crença e o esforço de preparação para a chegada do Mahdi», assumido proporções inimagináveis há uns escassos anos. Especialmente nos membros da Hojjatieh Society que pretendem dar uma ajudadinha a Allah no estabelecimento das condições propícias ao regresso do Mahdi.

A Hojjatieh, Hojatiyeh ou Hojatiyeh Mahdaviyeh Society, antes da revolução islâmica a Anjuman-í-Tablighat-í-Islami, acredita que o regresso do 12º imam pode ser apressado pela «criação do caos na Terra».

Fundada em 1953 essencialmente para combater os Baha’i no Irão [para os Baha’i, Mahdi é Báb o percursor de Baha’u’llah, o fundador desta variante do islamismo] esta sociedade foi banida no Irão nos primórdios da Revolução Islâmica, em 1983.

Embora a sociedade permaneça semi-clandestina, Ahmadinejad tem deixado claro o seu imenso respeito pelo Ayatollah Mohammad Taghi Mesbah-Yazdi, ligado à escola teológica Haqqani, uma escola Hojjatieh em Qom. De igual forma, desde que tomou posse praticamente todos os seus discursos estão recheados de referências à volta do 12º iman.

(continua)