22 de Agosto, 2006 Palmira Silva
O gene do altruísmo
Há uns tempos tinha referido que em determinados casos as bactérias sacrificam a sua individualidade ao grupo social e toda uma colónia se comporta como um macro organismo. Ou seja, mesmo organismos unicelulares têm «consciência» social e são capazes de comportamentos morais em prol da comunidade.
Como indicado no post anterior, o comportamento moral humano não tem nada a ver com religião e é apenas um efeito colatateral da nossa evolução biológica, não sendo necessário invocar qualquer impossibilidade lógica e suas «revelações» para o entender.
Alguns artigos recentes reforçam a origem biológica da moral ao lançar luz sobre a evolução da generosidade e cooperação entre elementos de uma espécie.
No artigo «The Evolutionary Origin of an Altruistic Gene», publicado em Maio último na revista Molecular Biology and Evolution, os autores sugerem que pelo menos alguns genes altruistas evoluiram de genes que suprimiam actividades biológicas como resposta a alterações no meio ambiente, nomeadamente escassez de recursos.
Os cientistas identificaram um gene altruista de uma espécie primitiva multi celular, Volvox carterii, e o equivalente num organismo unicelular semelhante ao que lhe deu origem.
A alga Volvox, que graças à sua simplicidade é considerada o melhor exemplo de um acontecimento evolucionário determinante, o advento da multi celularidade, é constituida por cerca de 2000 células ligadas numa forma globular. Dessas 2000 células apenas 16 se reproduzem. Isto é, como em muitos organismos multicelulares, há uma divisão das células em «germ cells» -que se reproduzem – e células somáticas que não se reproduzem.
Esta divisão corresponde a uma forma profunda de altruismo. Ao não se reproduzirem as células somáticas «suicidam-se» evolucionariamente para beneficiar o grupo. Algo muito semelhante ao que acontece em colónias de insectos com as suas obreiras estéreis.
Na Volvox, o gene RegA, presente nos dois tipos de células mas activo apenas nas células somáticas, é o causador deste altruismo reprodutivo inibindo o crescimento celular.
Um gene muito análogo ao RegA foi encontrado na alga unicelular Chlamydomonas reinhardtii, que se considera muito próxima do ancestral da Volvox. Este gene, identificado como Crsc13, inibe o crescimento celular – impedindo a reprodução – quando há escassez de recursos, nomeadamente é activado quando não há luz, necessária à fotossintese.
No organismo multicelular este gene funciona como um gene altruista simplesmente por alteração do mecanismo de activação e desactivação do gene. Em termos evolucionários, como indica uma das autoras do texto, não deve existir uma diferença fundamental entre o altruísmo da Volvox e a generosidade humana. Ambos devem ter origem em mecanismos similares, ou seja, resposta a alterações no meio ambiente.
O mesmo mecanismo que transforma membros anti-sociais da bactéria Myxococcus xanthus em «cidadãos» exemplares, dotados de uma elevada consciência social. Como escreve Kevin Foster da Harvard University num comentário a este artigo, publicado na Nature em Maio deste ano, quando a sociedade ameaça desintegração devido a comportamentos anti-sociais, a evolução favorece mutações que recuperem o trabalho de equipa necessário à sobrevivência da espécie.
Ou seja, a ciência, mais uma vez, demonstra a vacuidade das pretensões das religiões, que reinvidicam estes comportamentos como indissociáveis da crença, ululam os perigos do ateísmo afirmando que sem crença em Deus não há moral. Pessoalmente considero exactamente o contrário, isto é, um comportamento justificado com a «lei divina» é um comportamento amoral – sem valores morais. Por exemplo, dizer que matar é errado porque Deus o condena é amoral porque valoriza não a vida humana mas a obediência a Deus. Assim, quando a obediência a um mito colide com a preservação da vida humana é a obediência a esse mito e às suas supostas «revelações» que prevalece. Um exemplo flagrante desta amoralidade, para além do terrorismo de inspiração religiosa, é a posição criminosa da Igreja católica em relação ao uso profiláctico do preservativo ou em relação ao aborto em qualquer circunstância…
Assim, a ciência reforça o perigo que as religiões constituem para a sobrevivência da espécie humana já que, vociferando contra o «modernismo» relativista e os comportamentos «contrários à lei divina», tentam impor a todos as suas aberrações anacrónicas e impedem efectivamente o desenvolvimento de comportamentos necessários não só à evolução como à sobrevivência da espécie.