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Mês: Agosto 2006

22 de Agosto, 2006 Palmira Silva

O gene do altruísmo

Há uns tempos tinha referido que em determinados casos as bactérias sacrificam a sua individualidade ao grupo social e toda uma colónia se comporta como um macro organismo. Ou seja, mesmo organismos unicelulares têm «consciência» social e são capazes de comportamentos morais em prol da comunidade.

Como indicado no post anterior, o comportamento moral humano não tem nada a ver com religião e é apenas um efeito colatateral da nossa evolução biológica, não sendo necessário invocar qualquer impossibilidade lógica e suas «revelações» para o entender.

Alguns artigos recentes reforçam a origem biológica da moral ao lançar luz sobre a evolução da generosidade e cooperação entre elementos de uma espécie.

No artigo «The Evolutionary Origin of an Altruistic Gene», publicado em Maio último na revista Molecular Biology and Evolution, os autores sugerem que pelo menos alguns genes altruistas evoluiram de genes que suprimiam actividades biológicas como resposta a alterações no meio ambiente, nomeadamente escassez de recursos.

Os cientistas identificaram um gene altruista de uma espécie primitiva multi celular, Volvox carterii, e o equivalente num organismo unicelular semelhante ao que lhe deu origem.

A alga Volvox, que graças à sua simplicidade é considerada o melhor exemplo de um acontecimento evolucionário determinante, o advento da multi celularidade, é constituida por cerca de 2000 células ligadas numa forma globular. Dessas 2000 células apenas 16 se reproduzem. Isto é, como em muitos organismos multicelulares, há uma divisão das células em «germ cells» -que se reproduzem – e células somáticas que não se reproduzem.

Esta divisão corresponde a uma forma profunda de altruismo. Ao não se reproduzirem as células somáticas «suicidam-se» evolucionariamente para beneficiar o grupo. Algo muito semelhante ao que acontece em colónias de insectos com as suas obreiras estéreis.

Na Volvox, o gene RegA, presente nos dois tipos de células mas activo apenas nas células somáticas, é o causador deste altruismo reprodutivo inibindo o crescimento celular.

Um gene muito análogo ao RegA foi encontrado na alga unicelular Chlamydomonas reinhardtii, que se considera muito próxima do ancestral da Volvox. Este gene, identificado como Crsc13, inibe o crescimento celular – impedindo a reprodução – quando há escassez de recursos, nomeadamente é activado quando não há luz, necessária à fotossintese.

No organismo multicelular este gene funciona como um gene altruista simplesmente por alteração do mecanismo de activação e desactivação do gene. Em termos evolucionários, como indica uma das autoras do texto, não deve existir uma diferença fundamental entre o altruísmo da Volvox e a generosidade humana. Ambos devem ter origem em mecanismos similares, ou seja, resposta a alterações no meio ambiente.

O mesmo mecanismo que transforma membros anti-sociais da bactéria Myxococcus xanthus em «cidadãos» exemplares, dotados de uma elevada consciência social. Como escreve Kevin Foster da Harvard University num comentário a este artigo, publicado na Nature em Maio deste ano, quando a sociedade ameaça desintegração devido a comportamentos anti-sociais, a evolução favorece mutações que recuperem o trabalho de equipa necessário à sobrevivência da espécie.

Ou seja, a ciência, mais uma vez, demonstra a vacuidade das pretensões das religiões, que reinvidicam estes comportamentos como indissociáveis da crença, ululam os perigos do ateísmo afirmando que sem crença em Deus não há moral. Pessoalmente considero exactamente o contrário, isto é, um comportamento justificado com a «lei divina» é um comportamento amoral – sem valores morais. Por exemplo, dizer que matar é errado porque Deus o condena é amoral porque valoriza não a vida humana mas a obediência a Deus. Assim, quando a obediência a um mito colide com a preservação da vida humana é a obediência a esse mito e às suas supostas «revelações» que prevalece. Um exemplo flagrante desta amoralidade, para além do terrorismo de inspiração religiosa, é a posição criminosa da Igreja católica em relação ao uso profiláctico do preservativo ou em relação ao aborto em qualquer circunstância…

Assim, a ciência reforça o perigo que as religiões constituem para a sobrevivência da espécie humana já que, vociferando contra o «modernismo» relativista e os comportamentos «contrários à lei divina», tentam impor a todos as suas aberrações anacrónicas e impedem efectivamente o desenvolvimento de comportamentos necessários não só à evolução como à sobrevivência da espécie.

21 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Encefalização e evolução do homem: moral

Durante muito tempo pensou-se que, embora a anatomia humana, nomeadamente a encefalização, tenha evoluído muito lentamente ao longo de milhões de anos, a evolução cultural e social apresentou um ponto de viragem há cerca de 40 000 anos, sem se perceber bem o que despoletou tal alteração cultural e inovação muito rápidas.

Na realidade, se analisarmos os dados da tabela do post anterior, verificamos que durante o Pleistoceno Inferior (1.8 milhões de anos a 750 000 anos) até ao Pleistoceno Médio (750 000 a 400 000 anos), o cérebro duplica de 440 para 900 cm3– modificando igualmente a forma do crânio, especialmente o frontal e o occipital. No Pleistoceno Superior, 400 a 100 mil anos, período em que viveram os últimos Homo erectus e os primeiros Homo sapiens, ocorreram as maiores alterações na reorganização das proporções cranianas. Desde há aproximadamente 100 000 anos que os nossos esqueletos cranianos e dimensões cerebrais não sofreram mudanças significativas.

No entanto, até recentemente, parecia que o homem moderno, isto é, não só moderno anatomicamente mas moderno em termos de comportamento, só apareceu há aproximadamente 40 000 anos, como parecia sugerir a datação dos primeiros artefactos que evidenciavam uma interpretação simbólica da realidade e a incorporação desse simbolismo no comportamento humano. Os artefactos simbólicos mais antigos encontrados até finais do século XX – de que as grutas de Lascaux, Chauvet ou de Altamira, todas com menos de 35 000 anos, são exemplo – pareciam de facto indicar que esta competência cognitiva surgiu relativamente tarde na evolução humana.

Mas recentemente, como já indiquei, com a descoberta da caverna de Blombos na África do Sul e as descobertas arqueológicas em Skhul, Israel, e Oued Djebbana, Argélia, começa a ser aceite que esta capacidade cognitiva evoluiu com o próprio homem, tendo estado presente no Neanderthal e nas populações Sapiens mais antigas.

Os estudos comparativos entre o comportamento social humano e o de primatas não humanos, se por um lado revelam traços comportamentais que nos distinguem, revelam igualmente semelhanças impressionantes. De facto, a primatologia evidencia que os primatas não humanos apresentam padrões de socialidade onde se podem reconhecer a empatia, a reciprocidade e a simpatia, o altruísmo, a obediência a normas sociais – que incluem evitar conflitos dentro de um grupo – o tratamento especial de inválidos e de doentes, entre outros elementos que tínhamos reservado para um dos nossos comportamentos mais específicos: a moral.

Assim, é possível observar noutras espécies comportamentos que evocam alguns dos fundamentos tradicionalmente imputados à moral humana, nomeadamente regras morais reinvidicadas por inúmeras religiões como revelação «divina». Do ponto de vista científico, é óbvio que a moral humana é uma consequência da evolução do homem, um sub-produto da evolução do cérebro humano, não só em dimensões mas em «qualidade», que permitiu o desenvolvimento de mecanismos cognitivos únicos ao homem. Não faz sentido postular mecanismos diferentes para o desenvolvimento de comportamentos semelhantes. Ou seja, não faz sentido postular a existência de um Deus, que nos criou «à sua semelhança», criação essa que justifica a diferença no ser do Homem em relação ao ser de outros animais.

Tal como as capacidades cognitivas, as capacidades comportamentais, nomeadamente morais, únicas aos humanos decorrem da nossa evolução biológica, igualmente única. Ou seja, evoluiram connosco ao longo de milhões de anos, não nos foram concedidas por especial favor de um qualquer implausível Criador!

(continua)
21 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

O catolicismo nazi ou o nazismo católico

O nazi/fascismo foi a lepra que corroeu a Europa e a mancha cruel que alastrou a outros continentes antes da brutal carnificina a que daria origem.

A guerra de 1939/45 ou, mais exactamente, desde 1936 com o assassinato de quase um milhão de espanhóis, a maior parte dos quais da responsabilidade do devoto católico, Francisco Franco, provocou um mar de sangue e horror que ainda hoje arrepia.

Foram cerca de 60 milhões de vítimas, repugnando, pela violência racista e crueldade, o Holocausto que matou nos fornos crematórios seis milhões de judeus, além de ciganos, homossexuais, deficientes e outras minorias.

No século XX era impensável uma espiral de violência e orgia de sangue que mudaria a face do mundo e deixaria traumas para a posteridade.

Da Alemanha de Hitler tem-se dito quase tudo e é conhecida a máquina de extermínio que foi meticulosamente posta em marcha.

Esquece-se, porém, o violento e cruel Holocausto levado a cabo pelo nazismo católico da Croácia, ainda hoje lembrada como «croástica», com 487 mil sérvios ortodoxos e 27 mil ciganos assassinados. Dos 30.000 judeus assassinados na Jugoslávia, 20 a 22 mil morreram nos campos de concentração ustachis e os restantes nas câmaras de gás.

Resta dizer que o arcebispo de Zagreb, Stepinac, foi sempre solidário com os princípios do novo Estado da Croácia e se esforçou para que Pio XII reconhecesse o carrasco Ante Pavelic como um dos pilares essenciais da Igreja católica na Europa eslava.

Para Stepinac, Pavelic era um católico sincero e, do alto dos púlpitos exortava-se a população a rezar pelo algoz e pelos padres, quase todos franciscanos, que cooperavam nos morticínios.

As orações teve-as o Vaticano em conta quando, após a guerra, participou activamente na colossal operação de salvamento de criminosos contra a humanidade, conduzindo-os à América do Sul, depois de ocultar em igrejas, mosteiros e outros pios refúgios, incluindo o complexo de Castelgandolfo, a mais abjecta e repelente corja de assassinos.

Stepinac, arcebispo-primaz da Igreja Católica da Croácia, enviou uma carta ao ditador Ante Pavelic na qual referiu as opiniões favoráveis de todos os bispos às «conversões forçadas». Foi esse patife que JP2 II beatificou denunciando a verdadeira face da ICAR.

Os horrores são tantos e tão hediondos que dói recordá-los. Só não podemos deixar de execrar a cumplicidade da Igreja católica no horror nazi, primeiro, e, depois, na ajuda à impunidade dos mais sinistros dos seus carniceiros.

Os cardeais Montini (futuro Papa Paulo VI), Tisserant e Caggiano, definiram as rotas de fuga e alguns prelados, Hudal, Siri e Barrieri, concretizaram os trâmites necessários para criar documentos e identidades falsas para os criminosos. Foram padres, cujo nome se conhece, que assinaram pelo seu punho os pedidos para a concessão de passaportes da Cruz Vermelha a criminosos como Josef Mengele, Adolfo Eichmann, Ante Pavelic e Klaus Barbie, entre outros.

Fonte: A Santa Aliança – Ed. Campo das Letras, de Eric Frattini

20 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

Lech Walesa renuncia ao catolicismo?

«O antigo presidente polaco Lech Walesa ameaçou na sexta-feira renunciar ao título de cidadão honorário de Gdansk (antiga Danzig alemã) para não compartilhar a distinção com o escritor alemão Günter Grass, que confessou há uma semana ter pertencido às Waffen-SS». (DN, hoje, pág. 32).

Admite-se que Walesa, por coerência, renuncie ao catolicismo, para não compartilhar a fé com o Papa Rätzinger que igualmente pertenceu às SS, a não ser que a religião seja menos importante para o devoto Walesa do que uma condecoração.

20 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Encefalização e evolução do homem

Do ponto de vista neurofilogenético, a inteligência das espécies tem sido avaliada pela extensão das áreas associativas corticais, pela massa cerebral e especialmente pela relação massa cerebral/massa corporal ou índice de encefalização (I.E.), o indicador favorito da maioria dos antropólogos.

Apesar de este índice não ser um indicador absoluto de inteligência, especialmente se aplicado a pequenos animais, cujas massas corporal e encefálica são acentuadamente baixas – por exemplo um rato*, com uma massa cerebral de 0.4 g e uma massa corporal de 0.012 kg tem um índice muito superior ao do Homo sapiens – é interessante analisar a evolução deste índice na árvore filogenética humana. Na tabela que se segue são indicados valores médios usando uma das muitas definições de IE.

Espécie

Capacidade craniana /cm3

IE

A. afarensis

414

3.1

A. africanus

441

3.4

P. boisei

530

3.5

P. robustus

530

3.5

H. habilis

640

4.0

H. erectus (Java)

937

5.5

Homo sapiens neanderthalensisH. neanderthalensisHomo sapiens neanderthalensis

1450

7.8

H. sapiens

1350

7.6

P. troglodytes

395

2.6

Ou seja, uma análise desta tabela confirma que a evolução do homem é igualmente a evolução do cérebro, isto é, da encefalização. Este aumento da dimensão do volume craniano associado ao bipedalismo teve algumas consequências não despiciendas, nomeadamente no desenvolvimento do nosso comportamento moral e social.

Como escrevi há uns tempos, o homem é o mamífero superior cujas crias nascem mais impreparadas para o mundo, numa fase em que o seu cérebro mal começou a desenvolver-se. Isto é, nos humanos o cérebro continua a crescer com taxas próximas às fetais durante cerca de 1 ano; nos outros mamíferos (incluindo primatas) o crescimento rápido do cérebro ocorre apenas antes do parto.

De facto, o desenvolvimento de um cérebro (e crânio) maior não acarretou apenas vantagens. Por um lado, um cérebro maior necessita de mais energia – o nosso cérebro consome cerca de 1/5 da energia que produzimos – ou seja, implica a necessidade de uma dieta mais energética, e por outro para um bipedalismo eficiente a pélvis é necessariamente mais estreita.

O parto é assim um acontecimento muito arriscado apenas nos humanos pois para além de um crânio do nascituro comparativamente maior e uma pélvis materna menor, durante o nascimento a cabeça do feto tem de efectuar uma rotação complexa. Ou seja, mesmo com o nascimento numa fase que podemos considerar fetal, a cabeça do nascituro é muitas vezes demasiado grande em relação à pélvis da mãe.

Na realidade todos os nascimentos humanos, como qualquer estudante de biologia sabe, poder-se-iam considerar abortos de fetos viáveis. Esse é quiçá o acaso da selecção natural que resultou no maior trunfo da Humanidade, aquele que distingue o ser do Homem do ser dos demais animais, já que a selecção natural privilegiou os exemplares capazes de dar à luz fetos viáveis sensivelmente a meio do tempo de gestação «normal», fetos com poucas conexões neuronais estabelecidas mas a cujo nascimento uma maior percentagem de gestantes sobreviviam. E é um trunfo que a evolução proporcionou porque o desenvolvimento cerebral extra-uterino é muito mais rico em estímulos o que permite uma «programação» francamente mais diversa e flexível que a possível uterinamente.

Por outro lado, os perigos associados ao parto humano levaram ao desenvolvimento de comportamentos sociais únicos nos humanos, nomeadamente no que respeita à necessidade de cooperação entre as fêmeas de um dado grupo e à relação mãe-cria. Especialmente interessante de analisar no contexto da apologética cristã, no que concerne não só ao desenvolvimento moral como igualmente ao advento da dor no parto, atribuído ao castigo «divino» à mítica Eva depois da dentadinha no fruto da árvore do conhecimento!

(continua)

*O cérebro humano apresenta uma superfície convoluta muito rara – com uma área neocortical de ~2275 cm2 – que é a zona utilizada para a resolução de problemas. A superfície do cérebro do rato é lisa. Ou seja, não é apenas o IE que interessa mas igualmente a «composição» do cérebro.

20 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Encefalização e evolução do homem : Neanderthal

Árvore filogenética humana. Clique na imagem para aumentar.

O recente artigo da Nature que identifica uma zona do genoma humano que poderá ser co-responsável pelo desenvolvimento cerebral humano fez-me recuperar o post que escrevi sobre o projecto do Genoma do Neanderthal.

O que nos torna diferente das outras espécies animais são as capacidades possibilitadas por um cérebro único no reino animal. Perceber a evolução humana é assim perceber o processo de evolução do cérebro humano, ou encefalização.

O bipedalismo teve um papel crucial na expansão do neocortex humano já que não só a posição erecta possibilitava mais estímulos visuais – o que implicava o desenvolvimento de uma maior cérebro necessário para processar este aumento de informação – como a maior versatilidade de movimentos implicava uma expansão cortical, nomeadamente da área de Broca, para controlar estes novos movimentos.

Um estudo recente – que descreve que os macacos rhesus usam regiões do cérebro correspondentes aos principais centros de linguagem humanos, as áreas de Broca e Wernickes, no tratamento das vocalizações de macacos da mesma espécie – publicado na Nature NeuroScience (reservado a assinantes), propõe que os mecanismos neuronais necessários à evolução da linguagem humana estavam presentes no ancestral comum de humanos e restantes primatas.

Ou seja, corrobora não só Stephen J. Gould, que argumentava ser a linguagem um sub-produto do processo evolucionário e que boa parte do que nos distingue dos restantes animais são consequências colaterais do processo de encefalização, como a recente hipótese de Chomsky e colaboradores sobre a evolução da linguagem humana. Chomsky sugere que a maioria dos aspectos da linguagem humana são partilhados com os modos de comunicação de outras espécies mas que alguns pontos específicos são um produto recente da evolução do cérebro humano e são únicos ao Homo sapiens.

O nosso conhecimento da evolução do cérebro humano é, no entanto, rudimentar, e o pouco que sabemos deve-se a estudos comparados da neuroanatomia de espécies extintas. De igual forma, pouco se sabe sobre a evolução da especialização do cérebro humano e concumitantes capacidades comportamentais e cognitivas únicas aos humanos. A genética molecular é assim uma das poucas técnicas disponíveis para elucidar esta questão e por isso a sequenciação do genoma do Neanderthal será um marco importante, já que acredito ser a diferença entre os cérebros do Neanderthal e do sapiens a razão do sucesso da nossa espécie.

Já foram identificados alguns genes envolvidos no processo de encefalização que ocorreu durante a evolução humana. Dois desses genes são o microcephalin e o ASPM (abnormal spindle-like microcephaly associated). Uma examinação do polimorfismo destes genes indica que certas variantes surgiram há aproximadamente 5 800 e 37 000 anos respectivamente, ou seja, muito depois do aparecimento dos homens modernos, o que ocorreu há cerca de 200 000 anos. O aparecimento da variante da microcephalin coincide com o desenvolvimento da agricultura e o uso de linguagem escrita pelo que é tentador correlacionar este gene com a cognição humana.

O GLUD2 é outro gene «implicado» na evolução do cérebro humano. Este gene, que surgiu nos hominídeos há cerca de 18-23 milhões de anos, codifica a enzima glutamato desidrogenase (GDH), uma enzima que regula a concentração de glutamato e permite maior actividade neuronal.

A comparação dos genomas humano e do Neanderthal não irá elucidar as diferenças anatómicas ou funcionais entre o cérebro deste e o do sapiens, mas permitirá uma análise dos acontecimentos a nível molecular subjacentes à evolução do cérebro humano. Especialmente interessantes serão a análise e comparação não só de genes tais como o microcephalin, ASPM, GLUD2 ou HAR1F , como das sequências que regulam a respectiva expressão.

(continua)

19 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

A Argentina e o aborto

Só nos hospitais da província de Buenos Aires registam-se, em média, 95 abortos diários. Segundo o Centro de Estudos Estado e Sociedade (Cedes) morrem vítimas de aborto clandestino 27,4% das mulheres que a ele recorrem.

A hipocrisia, mais acentuada do que a outras latitudes, ignora o grave problema de saúde pública e só se torna notícia quando o caso assume contornos especiais.

Não interessa o drama diário de milhares de mulheres, destaca-se um drama particular que interpela diversas autoridades que se refugiam na moral e na fé.

Recentemente uma deficiente mental, de 19 anos, com idade mental de 10 anos, violada, viu ser-lhe negado o direito ao aborto, solicitado pelos tutores, num hospital do Estado.

Médicos, juízes e bispos são solidários na luta contra a despenalização do aborto. A irmã da deficiente interrogava-se, desesperada: «não vêem que, com a capacidade mental de 10 anos, ela não compreende que vai ser mãe e terá uma criança»?

Na sexta-feira passada, os nove membros do Supremo Tribunal de Buenos Aires ouviram a jovem deficiente, à porta fechada, antes de proferir a sentença. Tudo indicava que autorizariam o aborto.

Perante tal eventualidade não se fez esperar a reacção colérica do arcebispo de La Plata, Héctor Aguer: «A suposição de que a criança possa nascer com um defeito físico ou psíquico não autoriza a sua eliminação. Ou pensa-se, quiçá, que é possível produzir uma humanidade ideal»?

19 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Os perigos de uma educação universitária

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O número de Agosto da revista da American Family Association, uma organização de extrema-direita teocrata anteriormente conhecida como National Federation for Decency, contém um artigo que considero extremamente revelador da mentalidade obscurantista e castrante dos teocratas americanos.

No artigo, cujo objectivo me pareceu ser convencer devotos pais a não mandar os seus filhos para a Universidade, são apresentadas as razões que permitem à iluminada autora prevenir os ditos pais que «os ‘campuses‘ [a iletrada que escreveu o artigo não sabe que o plural de campus é campi] universitários funcionam como doutrinação no reino do liberalismo», fervilhando de ideias «blasfemas» derivadas do execrado secularismo que permeou os meios académicos norte-americanos. De facto, segundo a teocrata escriba, Rebecca Grace:

«As universidades modernas, tendo perdido as suas convicções morais, ligaram-se a doutrinas relativistas tais como tolerância e diversidade, o que significa, na prática, tolerância de tudo menos a fé bíblica e a moralidade tradicional».

Traduzindo por miúdos, Grace adverte os pais que se mandarem os filhos para a Universidade eles vão perceber que existem pessoas neste mundo que pensam e agem de forma diferente da preconizada pelo conjunto de delírios neolíticos que dá pelo nome de Bíblia e, horror dos horrores, que essas pessoas não só têm direitos, nomeadamente a existir, como a não serem perseguidos. E, tal como a autora, não tenho dúvidas irão descobrir que ser-se tolerante é necessariamente sinónimo de ser-se anti-cristão.

Esta diversidade e tolerância totalmente anti-bíblicas, a total desorientação espiritual do campus moderno, de acordo com J. Budziszewski, que escreveu sobre o tema num artigo da revista de outra organização teocrata, a Focus on the Family, citado por Grace, devem-se a:

«Métodos de doutrinação que incluem não apenas disciplinas mandadórias mas também a cursos de orientação de calouros, códigos de discurso, cursos obrigatórios de diversidade, normas de dormitórios, linhas para organizações estudantis e aconselhamento psicológico».

Como escreve PZ Meyers, para além das disciplinas anti-bíblicas como Biologia e afins, não se percebe como os pontos enunciados podem ser considerados anti-cristãos. Excepto, claro, as normas de discurso que proibem a mui bíblica vociferação contra homossexuais e restantes «pecadores» e o aconselhamento psicológico que pode tornar os cristãos renascidos «normais» e mentalmente sãos…

O gráfico apresentado como papão pela mui cristã Focus on the Family, que se esforça a convencer os fiéis que uma educação universitária é equivalente a pôr em perigo a salvação da «alma» – afinal estas organizações precisam de manter os seus generosos financiadores ignorantes e estúpidos para que continuem generosos e financiadores – é, tal como o artigo, completamente imbecil em termos estatísticos. Mas claro que quanto mais educadas forem as pessoas menor a respectiva possibilidade (e capacidade) para acreditar nos dislates debitados pelos fundamentalistas teocratas!

19 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Desenvolvimento cerebral humano e o HAR1

Esquema de um neurónio. As dendrites são receptores de estímulos, as «antenas» do neurónio. Os axónios são prolongamentos mais ou menos longos que actuam como condutores dos impulsos nervosos. O axónio entra em contacto com outros neurónios e/ou outras células (por exemplo células da glia) pelo terminal axonal. À região entre o terminal axonal de um neurónio e as dendrites do adjacente chama-se sinapse. Um neurónio pode estabelecer entre 1000 a 10000 sinapses.

Desde a recente publicação do genoma do Pan troglodytes ou chimpanzé, inúmeros cientistas têm analisado comparativamente a sequência genética do Pan troglodytes com o genoma humano em busca das alterações genéticas fundamentais que expliquem a evolução humana.

O comparação do genoma humano com o dos seus parentes próximos na árvore filogenética dos primatas tem sido até agora maioritariamente devotada à comparação dos genes codificantes de proteínas mas a maioria das alterações genómicas entre as duas espécies, cerca de 99%, verifica-se em zonas não codificantes (de proteínas).

A equipa de David Haussler da UCSC (Universidade da Califórnia Santa Cruz) decidiu olhar para todo o genoma à procura de zonas conservadas (isto é, com poucas alterações) noutras espécies mas com alterações significativas entre humanos e chimpanzés. Claro que com aproximadamente três mil milhões de bases no ADN humano a deriva genética durante os cerca de 6 milhões de anos que separam os dois ramos evolucionários, humano e do chimpanzé, é um factor não despiciendo que Hussler levou em consideração na sua análise.

Ontem foi publicado na revista Nature um estudo do consórcio em que Hussler se inclui, constituído por cientistas dos Estados Unidos, Bélgica e França, que identificam 49 zonas, as HAR ou «Região Acelerada Humana», em que a variabilidade genética entre as duas espécies é mais evidente. Na mais activa, identificada como HAR1, encontraram 18 diferenças numa sequência de 118 nucleótidos muito conservada entre chimpanzés e galinhas, duas espécies que se separaram do ancestral comum há 310 milhões de anos, e que apresentam apenas duas alterações na sequência.

A zona em questão pode ajudar a explicar a evolução do cérebro humano já que codifica ARN expressado em células que têm um papel crucial no desenvolvimento do córtex e pode lançar luz sobre o que confere ao cérebro humano as qualidades que nos distinguem dos outros animais.

O cérebro do chimpanzé tem apenas cerca de um terço das dimensões do cérebro humano e os factores responsáveis pelo desenvolvimento cerebral são um ponto fulcral na compreensão da evolução humana. Como David Hussler afirma, este gene, o HRA1, pode estar envolvido num passo crítico deste desenvolvimento, embora, como também indica, seja provável que mais genes estejam envolvidos.

O HAR1 faz parte de um novo gene de ARN, o HAR1F, expressado nos neurónios Cajal Retzius, que estudos anteriores indicaram serem determinantes no desenvolvimento cortical já que regulam a expressão da relina (uma proteína que regula a migração e crescimento neuronal; mutações no gene que a codifica podem dar origem a autismo, esquizofrenia, etc.). A equipa de investigação verificou que a relina e o ARN HAR1 são co-expressados em regiões muito específicas do cérebro entre as 7 e 19 semanas de gestação.

O córtex cerebral, sede de algumas das funções mais complexas do cérebro, como a linguagem e o processamento da informação, tem igualmente um papel muito importante no nosso comportamento moral.