Holocausto: o milagre da Rosa
Como já referi, o único argumento católico para justificar o silêncio ensurdecedor face às atrocidades nazis das cúpulas da Igreja Católica, especialmente de Pio XII, reside na ululação de que se Pio XII ou a Igreja tivessem falado abertamente contra os nazis o horror do Holocausto teria atingido dimensões ainda mais catastróficas.
Essa desculpa não colhe pelo facto de que essa contenção não foi seguida pelo Vaticano noutros conflitos da época, nomeadamente por Pio XI, que em 1936 despoleta a Guerra Civil de Espanha ao exortar os católicos espanhóis a lutarem contra o governo democraticamente eleito, dizendo ser seu dever como católicos auxiliar Franco na «difícil e perigosa tarefa de defender e restaurar os direitos e a honra de Deus e da Religião».
Mas não colhe especialmente porque a pretensão de que os cristãos alemães e especialmente a Igreja Católica eram impotentes face ao terror nazi é uma manobra propagandistica sem qualquer fundamento histórico, num estilo que Goebbels teria apreciado.
Como indica Sarah Gordon, «o facto de as igrejas alemãs não terem falado contra a perseguição racial é uma vergonha… porque os nazis temiam o poder político e o poder da propaganda das igrejas».
Na realidade, o poder de Hitler assentava na sua popularidade e na sua aprovação incondicional pelo povo alemão, não era um poder imposto pelo terror. Assim, seria contraproducente para um regime que se pretendia popular impor esse poder pela força, sendo a táctica adoptada a intoxicação da opinião pública por recurso a propaganda – muitas vezes através de jornais e revistas cristãs- educação (cristã, claro), persuasão e pressão social. Claro que os opositores políticos, ateus comunistas e socialistas em especial, eram perseguidos, mas a opressão da população em geral era inexistente até ao estertor do regime e mesmo nessa altura completamente ineficiente. A ideia de um regime estilo estalinista é uma fantasia cinematográfica sem apoio histórico. Aliás, são muito raros os casos de retaliação sobre soldados, membros do partido ou até membros das SS que se recusassem a cometer qualquer atrocidade. Tão raros que os nazis acusados de crimes de guerra não podiam invocar medo de retaliação para justificar esses crimes.
Há ainda inúmeros exemplos de que objecção popular determinada obrigou Hitler a retroceder em decisões alvo de constestação para não pôr em risco o precioso apoio popular. E há inúmeros exemplos de mobilização dos crentes pelas igrejas contra determinadas decisões, mobilização unicamente em defesa dos interesses das Igrejas, a defesa dos judeus nunca foi uma causa cristã.
Por exemplo, quando as igrejas protestantes recusaram a união na grande Igreja Cristã do Reich preconizada por Hitler, este abandonou a ideia. Ou quando alguns membros do partido nazi removeram crucifixos das escolas da Baviera, sem a autorização de Hitler, os protestos vigorosos dos bávaros resultaram na sua substituição muito rápida. E quando Hitler prendeu os bispos protestantes Hans Meiser e Theophil Wurm os protestos públicos que se seguiram, um deles reunindo 7 000 manifestantes, resultaram na sua libertação e na retoma das respectivas funções, o que aconteceu com muitos louvores da parte de Hitler.
Os protestos de Clemens August von Galen, bispo de Munster, em relação ao programa para eliminar os deficientes mentais levaram ao cancelamento deste programa. Embora alguns oficiais contemplassem a remoção do bispo católico, o regime nazi conhecia os seus limites e sabia que não podia afrontar a Igreja Católica. Goebbels avisou «perderemos toda a população de Muenster durante a guerra se algo for feito contra o bispo… na realidade perderemos toda a Westphalia».
Mas o incidente mais ilustrativo da vacuidade das pretensões católicas é o incidente de Rosenstrasse (Rua da Rosa). Na Alemanha nazi viviam abertamente cerca de 30 000 judeus com consortes cristãos, na sua maioria homens. Até 1943, os nazis, mui respeitadores dos valores cristãos em relação à família, deixaram-nos em paz uma vez que não sabiam o que fazer a esses judeus sem violar a «santidade» do matrimónio. No início de 1943, Goebbels, então comandando Berlim, decidiu ser tempo de «limpar» a capital, com o acordo de Hitler. E reuniu cerca de 2 000 judeus casados com arianas num edíficio na Rosenstrasse, de onde seriam deportados para campos de concentração.
Durante uma semana as suas esposas cristãs, desorganizadas e indefesas, suportaram o frio e as ameaças da Gestapo na Rua da Rosa gritando «Queremos os nossos maridos de volta» . E qual foi o resultado da única demonstração na Alemanha nazi em prol dos judeus? Os maridos judeus foram libertados com a aprovação de Hitler, inclusive 25 que já tinham sido enviados para Auschwitz. Não houve qualquer tipo de represálias sobre as manifestantes ou sobre as suas famílias. No fim da guerra, a maioria dos sobreviventes judeus na Alemanha, pelo menos 98%, eram membros de casais mistos, que foram protegidos pela determinação e coragem de uns milhares de esposas dedicadas.
Podemos apenas imaginar o que teria acontecido se a Igreja Católica, com uma estrutura bem montada e organizada em todo o país, com o apoio de uma máquina de progaganda comparável à do III Reich, tivesse optado por protestar as atrocidades que sabia estarem a acontecer. Optou pelo silêncio «diplomático» por razões que a História confirma não incluirem medo de represálias…