Encefalização e evolução do homem: moral
Durante muito tempo pensou-se que, embora a anatomia humana, nomeadamente a encefalização, tenha evoluído muito lentamente ao longo de milhões de anos, a evolução cultural e social apresentou um ponto de viragem há cerca de 40 000 anos, sem se perceber bem o que despoletou tal alteração cultural e inovação muito rápidas.
Na realidade, se analisarmos os dados da tabela do post anterior, verificamos que durante o Pleistoceno Inferior (1.8 milhões de anos a 750 000 anos) até ao Pleistoceno Médio (750 000 a 400 000 anos), o cérebro duplica de 440 para 900 cm3– modificando igualmente a forma do crânio, especialmente o frontal e o occipital. No Pleistoceno Superior, 400 a 100 mil anos, período em que viveram os últimos Homo erectus e os primeiros Homo sapiens, ocorreram as maiores alterações na reorganização das proporções cranianas. Desde há aproximadamente 100 000 anos que os nossos esqueletos cranianos e dimensões cerebrais não sofreram mudanças significativas.
No entanto, até recentemente, parecia que o homem moderno, isto é, não só moderno anatomicamente mas moderno em termos de comportamento, só apareceu há aproximadamente 40 000 anos, como parecia sugerir a datação dos primeiros artefactos que evidenciavam uma interpretação simbólica da realidade e a incorporação desse simbolismo no comportamento humano. Os artefactos simbólicos mais antigos encontrados até finais do século XX – de que as grutas de Lascaux, Chauvet ou de Altamira, todas com menos de 35 000 anos, são exemplo – pareciam de facto indicar que esta competência cognitiva surgiu relativamente tarde na evolução humana.
Mas recentemente, como já indiquei, com a descoberta da caverna de Blombos na África do Sul e as descobertas arqueológicas em Skhul, Israel, e Oued Djebbana, Argélia, começa a ser aceite que esta capacidade cognitiva evoluiu com o próprio homem, tendo estado presente no Neanderthal e nas populações Sapiens mais antigas.
Os estudos comparativos entre o comportamento social humano e o de primatas não humanos, se por um lado revelam traços comportamentais que nos distinguem, revelam igualmente semelhanças impressionantes. De facto, a primatologia evidencia que os primatas não humanos apresentam padrões de socialidade onde se podem reconhecer a empatia, a reciprocidade e a simpatia, o altruísmo, a obediência a normas sociais – que incluem evitar conflitos dentro de um grupo – o tratamento especial de inválidos e de doentes, entre outros elementos que tínhamos reservado para um dos nossos comportamentos mais específicos: a moral.
Assim, é possível observar noutras espécies comportamentos que evocam alguns dos fundamentos tradicionalmente imputados à moral humana, nomeadamente regras morais reinvidicadas por inúmeras religiões como revelação «divina». Do ponto de vista científico, é óbvio que a moral humana é uma consequência da evolução do homem, um sub-produto da evolução do cérebro humano, não só em dimensões mas em «qualidade», que permitiu o desenvolvimento de mecanismos cognitivos únicos ao homem. Não faz sentido postular mecanismos diferentes para o desenvolvimento de comportamentos semelhantes. Ou seja, não faz sentido postular a existência de um Deus, que nos criou «à sua semelhança», criação essa que justifica a diferença no ser do Homem em relação ao ser de outros animais.
Tal como as capacidades cognitivas, as capacidades comportamentais, nomeadamente morais, únicas aos humanos decorrem da nossa evolução biológica, igualmente única. Ou seja, evoluiram connosco ao longo de milhões de anos, não nos foram concedidas por especial favor de um qualquer implausível Criador!