Encefalização e evolução do homem : Neanderthal
O recente artigo da Nature que identifica uma zona do genoma humano que poderá ser co-responsável pelo desenvolvimento cerebral humano fez-me recuperar o post que escrevi sobre o projecto do Genoma do Neanderthal.
O que nos torna diferente das outras espécies animais são as capacidades possibilitadas por um cérebro único no reino animal. Perceber a evolução humana é assim perceber o processo de evolução do cérebro humano, ou encefalização.
O bipedalismo teve um papel crucial na expansão do neocortex humano já que não só a posição erecta possibilitava mais estímulos visuais – o que implicava o desenvolvimento de uma maior cérebro necessário para processar este aumento de informação – como a maior versatilidade de movimentos implicava uma expansão cortical, nomeadamente da área de Broca, para controlar estes novos movimentos.
Um estudo recente – que descreve que os macacos rhesus usam regiões do cérebro correspondentes aos principais centros de linguagem humanos, as áreas de Broca e Wernickes, no tratamento das vocalizações de macacos da mesma espécie – publicado na Nature NeuroScience (reservado a assinantes), propõe que os mecanismos neuronais necessários à evolução da linguagem humana estavam presentes no ancestral comum de humanos e restantes primatas.
Ou seja, corrobora não só Stephen J. Gould, que argumentava ser a linguagem um sub-produto do processo evolucionário e que boa parte do que nos distingue dos restantes animais são consequências colaterais do processo de encefalização, como a recente hipótese de Chomsky e colaboradores sobre a evolução da linguagem humana. Chomsky sugere que a maioria dos aspectos da linguagem humana são partilhados com os modos de comunicação de outras espécies mas que alguns pontos específicos são um produto recente da evolução do cérebro humano e são únicos ao Homo sapiens.
O nosso conhecimento da evolução do cérebro humano é, no entanto, rudimentar, e o pouco que sabemos deve-se a estudos comparados da neuroanatomia de espécies extintas. De igual forma, pouco se sabe sobre a evolução da especialização do cérebro humano e concumitantes capacidades comportamentais e cognitivas únicas aos humanos. A genética molecular é assim uma das poucas técnicas disponíveis para elucidar esta questão e por isso a sequenciação do genoma do Neanderthal será um marco importante, já que acredito ser a diferença entre os cérebros do Neanderthal e do sapiens a razão do sucesso da nossa espécie.
Já foram identificados alguns genes envolvidos no processo de encefalização que ocorreu durante a evolução humana. Dois desses genes são o microcephalin e o ASPM (abnormal spindle-like microcephaly associated). Uma examinação do polimorfismo destes genes indica que certas variantes surgiram há aproximadamente 5 800 e 37 000 anos respectivamente, ou seja, muito depois do aparecimento dos homens modernos, o que ocorreu há cerca de 200 000 anos. O aparecimento da variante da microcephalin coincide com o desenvolvimento da agricultura e o uso de linguagem escrita pelo que é tentador correlacionar este gene com a cognição humana.
O GLUD2 é outro gene «implicado» na evolução do cérebro humano. Este gene, que surgiu nos hominídeos há cerca de 18-23 milhões de anos, codifica a enzima glutamato desidrogenase (GDH), uma enzima que regula a concentração de glutamato e permite maior actividade neuronal.
A comparação dos genomas humano e do Neanderthal não irá elucidar as diferenças anatómicas ou funcionais entre o cérebro deste e o do sapiens, mas permitirá uma análise dos acontecimentos a nível molecular subjacentes à evolução do cérebro humano. Especialmente interessantes serão a análise e comparação não só de genes tais como o microcephalin, ASPM, GLUD2 ou HAR1F , como das sequências que regulam a respectiva expressão.
(continua)