A crucificação de Madonna
A imprensa católica especialmente mas praticamente todas as agências noticiosas reproduzem a reacção da Igreja Católica ao espectáculo que Madonna leva hoje a Roma, a uns escassos metros do Vaticano. Durante o «Confessions Tour», há uma cena em que Madonna, usando uma coroa de espinhos, desce para o palco numa gigantesca e cintilante cruz de espelhos.
O Cardeal Ersilio Tonino ululou que a cena é «um acto de hostilidade aberta» enquanto o bispo Velasio De Paolis verberou que o espectáculo «representa os frutos podres da laicidade e do absurdo do mal».
Não se percebe muito bem porque razão a devota da Kabbalah, um ramo místico do judaismo, que afirma estar mais próxima de Deus desde o seu acidente no ano passado, é um fruto podre da laicidade. Só se o bispo se estiver a referir ao facto de que foi o advento da laicidade que impediu a perseguição e queima na fogueira de todos os que não seguissem escrupulosamente a «única» religião verdadeira.
É também a famigerada laicidade que impede que este perigo para a «verdadeira» fé, como o Vaticano descreveu a Kabbalah em 2004, seja erradicado. O facto de De Paolis considerar implicitamente a Kabbalah um fruto do mal é apenas expectável de uma Igreja que cada vez mais mostra as suas verdadeiras cores e cada vez mais dá mostras da rejeição do ecumenismo do concílio Vaticano II.
E mais uma vez, os representantes de todas as religiões do livro, que são incapazes de apelar à paz no conflito entre Israel e o líbano, uniram-se a uma só voz, desta vez contra a cantora e o seu uso «blasfemo» da simbologia da cruz.
Não percebo muito bem os fundamentos das estridentes objecções à utilização da cruz, introduzida na simbologia cristã pelo mitraista Constantino, um dos símbolos mais antigos e mais ubíquos que existem. Desde o Neolítico que a simbologia da cruz está presente em todas as mitologias jamais inventadas. Até Prometeu, o criador dos homens na mitologia grega, é representado nalgumas versões acorrentado a uma cruz, e não a uma rocha, no monte Cáucaso.
A cruz, e posteriormente o crucifixo, só aparece regularmente na arte cristã a partir do século V. E era vulgar em todo o mundo muitos séculos antes. Na realidade, o termo stauros, que aparece na Bíblia e foi traduzido como cruz, significa apenas estaca.
As cruzes solares, muito frequentes, representam o círculo do zodíaco (do grego zoidion que significa círculo animal) com uma cruz que marca as quatro estações. No centro era muitas vezes representado o Sol «crucificado». As cruzes eram assim comuns como representações da crucificação do Sol, simbolizando a passagem das estações e a sua ressureição no equinócio da Primavera (a Páscoa na mitologia cristã).
O sol e o deus Sol não são os únicos deuses encontrados crucificados em antigas cruzes. Muitas figuras de mitologias sortidas morreram na cruz e foram ressuscitados; desde Osiris e Hórus no Egipto, Krishna na India, Mitra na Pérsia, Quetazlcoatl no México, Hesus dos druidas, Attis na Frígia, etc.. Os paralelos entre as míticas vidas destes Messias pagãos com o que é descrito na Bíblia são inúmeros, e são apenas mais uma indicação que Cristo, tal como os seus antecessores, é apenas mais uma figura mítica.
Nomeadamente, inúmeras figuras da mitologia pré-cristã «nasceram», de mães «virgens», pouco depois do solstício de Inverno, mais ou menos a 25 de Dezembro. O Natal cristão é apenas mais um ritual pagão recuperado que festeja o solstício do Inverno e o «nascimento» do Sol.