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Mês: Julho 2006

8 de Julho, 2006 Carlos Esperança

B16 visita Espanha

Depois do bombardeamento e massacre de Guernica a visita de B16 é a primeira em que um alemão sobrevoa solo espanhol com ódio comprovado ao Governo legal. Tal como na guerra civil, é um Governo democrático que sofre a ira e os ataques de um teutão.

Quando hoje desembarcar em solo espanhol, com sapatinhos vermelhos, vestes talares e honras de chefe de Estado, B16 é o chefe dos católicos e o adversário provado de Zapatero.

Não repetirá a deselegância com que recebeu o embaixador espanhol e não vai faltar ao respeito devido a quem exerce o poder por mandato popular, mas vai apoiar os bispos em clara ingerência nos assuntos internos de um país livre.

O pastor alemão deve a categoria de chefe de Estado do Vaticano aos acordos de Latrão e a Benito Moussolini, que, então, o seu antecessor considerava enviado da Providência, mas finge que foi Deus quem o investiu no cargo.

A legalização do casamento e direito de adopção por homossexuais, a simplificação do divórcio, o fim das notas escolares para a aula de religião católica e a perda de algumas regalias pecuniárias do episcopado, enraiveceram o teocrata. Parece um mullah com brotoeja à vista do toucinho.

A Espanha que B16 visita já não é o país da pena de morte por garrote, a ditadura que tinha o apoio da Santa Sé, do episcopado e do Opus Dei, é um país plural e democrático onde a maior parte da população se libertou do terror do Inferno e da violência de Deus.

O Papa, que há anos seria recebido em triunfo, é hoje um catalisador de ódios e um perturbador da democracia.

7 de Julho, 2006 Palmira Silva

Outra lenda urbana desmistificada

Ratzinger expressou repetidamente as suas preocupações sobre o futuro da Europa, que considera sob a ameaça da laicidade e do Islão e em que a primeira, ou seja, a exclusão de Deus da vida pública, impede para Ratzinger a única resposta que dará conta da ameaça islâmica, a assunção inequívoca e firme da superioridade do cristianismo.

Por outro lado, são recorrentes as afirmações que depositam na laicidade, na «falta de fé» e consequente – para os cristãos que o sustentem – «imoralidade ocidental», o ónus da «guerra de civilizações» que se vive. Isto é, são muitos os crentes que pretendem que o suposto desprezo dos muçulmanos em relação ao estilo de vida ocidental, suposto desprezo que se traduz no apoio ao fundamentalismo islâmico mesmo pelos devotos do Corão mais moderados, é a causa última do terrorismo islâmico. Isto é, os fundamentalistas cristãos advogam que os muçulmanos teriam «mais respeito» pelos ocidentais se estes últimos deixassem a «fé» permear todos os aspectos da respectiva vida pública, nomeadamente do Direito, ou seja, se o Ocidente emulasse, noutro sistema operativo, o cristianismo, a promiscuidade religião-Estado dos países islâmicos.

Estas afirmações, não mais que lendas urbanas disseminadas e acarinhadas pelos fundamentalistas cristãos, tornam difícil ao cidadão comum perceber que existe o Islão das pessoas normais, a esmagadora maioria, e um Islão fundamentalista, esse sim pasto fértil para o terrorismo. Ou seja, estas alegações passam a imagem que todos os muçulmanos são rábidos terroristas em potência e, consequentemente, alimentaram a islamofobia e a xenofobia, crescentes no Ocidente nos últimos anos. De facto, esta é a resposta expectável ao suposto ódio visceral pelo «decadente» Ocidente que os spin doctors cristãos afirmam ser prevalecente em todo o Islão.

Uma sondagem da Gallup, publicada recentemente, desmistifica esta lenda urbana tão acarinhada pelos fundamentalistas cristãos. De facto, esta sondagem, realizada em 10 países muçulmanos – Marrocos, Egipto, Líbano, Jordânia, Turquia, Arábia Saudita, Irão, Paquistão, Bangladesh e Indonesia – indica exactamente o contrário.

A sondagem, que pretende ser alargada até ao final do ano a mais 30 países muçulmanos e abranger mais de mil milhões de inquiridos, indica que de facto não só não há um «ódio cego» ao Ocidente como aquilo que os muçulmanos mais admiram no Ocidente, para além da tecnologia, é exactamente aquilo que os fundamentalistas cristãos pretendem ser a «raíz de todos os males», a liberdade de expressão, de opinião e de religião.

Inquiridos sobre se gostariam de ver incluída na constituição dos respectivos países a garantia da liberdade de expressão, a esmagadora maioria dos sondados em cada país respondeu que sim (p.e, 94% no Egipto, 97% no Bangladesh e 99% no Líbano). Em quase todos os países a maioria é igualmente de opinião que mulheres e homens deveriam ter os mesmos direitos.

Ou seja, os sentimentos anti-ocidentais prevalecentes nos países estudados, dirigidos especialmente aos Estados Unidos, não têm rigorosamente nada a ver com o estilo de vida ocidental, muito menos com a laicidade, liberdade de opinião e expressão, como pretendem os fundamentalistas cristãos que aproveitam o terrorismo islâmico como forma de coacção psicológica para angariar clientela.

Não é como nos comportamos individualmente o alimento das supostas «guerras de civilizações», mas sim como agimos como Estado, isto é como agem os Estados ocidentais em alguns países islâmicos (e não só, como Guantanamo confirma)! Assim, a sondagem reforça o que sempre temos afirmado no Diário Ateísta: a única forma de ultrapassar a actual crise é a defesa intransigente da laicidade e dos direitos humanos!

Combater o fogo com o fogo como pretendem os fanáticos cristãos, ou seja, combater o fundamentalismo islâmico com fundamentalismo cristão, é completamente contraproducente! E destruiria qualquer esperança de paz neste conturbado planeta…

6 de Julho, 2006 jvasco

A Alma, essa superstição

Já não é a primeira vez que faço aqui publicidade ao excelente Dicionário Céptico (tradução em português aqui), uma página de internet onde se encontram centenas de entradas (desde Abracadabra até Zombies), explicando e desmontando, com recurso a uma bibliografia muito completa, as várias superstições que polulam por aí (área 51, astrologia, Atlântida, negação do holocausto, numerologia, Uri Geller, Yeti, etc…).

Recentemente, enquanto dava uma vista de olhos, tropecei na entrada relativa à alma (tradução aqui), e aproveitei a oportunidade para fazer novamente alguma publicidade a este recurso indispensável que é o Dicionário Céptico.

5 de Julho, 2006 Carlos Esperança

As religiões e a democracia

As religiões do livro são incompatíveis com os direitos humanos. Não são as aldrabices que promovem a violência e a crueldade, é o poder dos clérigos que sufoca a liberdade e o livre-pensamento.

O clero considera-se detentor do alvará que permite a interpretação do livro sagrado. O desvario pode considerar uma abominação um copo de vinho, uma fatia de presunto ou um bocado de polvo.

Como é perigoso metermo-nos com doidos, a atitude mais prudente é ignorar a religião, como fazem os agnósticos. Mas é preciso contestá-los, se não queremos renunciar ao paradigma civilizacional em que vivemos. É essa a tarefa dos ateus.

Não é com fogueiras, torturas ou excomunhões que se divulgam ideias, é pela palavra e pelo exemplo, pelo exercício da democracia e da cidadania, defendendo a liberdade e o laicismo. As igrejas usam o medo e a repressão, o ateísmo limita-se ao esclarecimento.

Não há uma só das liberdades democráticas que tenha sido outorgada por uma religião. A própria democracia é filha do iluminismo e da secularização. As religiões só sabem proibir e condenar, em nome de um Deus obsoleto, intolerante e vingativo.

Deus é inimigo da liberdade e adversário da sexualidade que não vise a reprodução.

Deus foi a pior ideia que os homens tiveram. E a mais funesta.

5 de Julho, 2006 Ricardo Alves

Quem renuncia a quê?

Alguns religionários afirmam que quem não tem religião é um ser «incompleto» (quiçá «mutilado»), que está «fechado à dimensão transcendental» e a quem portanto «falta qualquer coisa». Compreende-se a intenção, pouco ou nada subtil: apresentar a religião como uma mais-valia pessoal e social e tentar menorizar quem aceita o universo tal como o conhecemos.

Todavia, é quem está «aberto» ao sobrenatural que se fecha à realidade, à lógica, ao rigor intelectual, ao conhecimento comprovado pela ciência e ao próprio bom senso. Acreditar em fantasmas, num «Deus» interventor ou na influência dos astros, se significa «abertura» a alguma coisa, é à fantasia e ao irracional.

Existem seres humanos que convivem bem com a certeza de que só existe o mundo natural (alguns até frequentam as igrejas). E existem seres humanos (que nem sempre frequentam as igrejas) que necessitam de acreditar que existe «mais alguma coisa», para além do universo observável ou para lá da morte. Mas a necessidade de conforto emocional do segundo grupo de pessoas não faz com que o universo deixe de ser o que é.
5 de Julho, 2006 Palmira Silva

Leitura recomendada

Um artigo absolutamente imperdível no Guardian sobre o cisma anunciado da Igreja Anglicana devido à ordenação de bispos no feminino ou homossexuais. Gosto especialmente da solução do autor, o ateu confesso Simon Jenkins, para acabar com a crise: a abolição dos bispos!

Alguns excertos:

«Como deve um ateísta reagir à última actividade sísmica dentro da Igreja de Inglaterra? Eu debato, tu escolhes argumentos mas os anglicanos têm cismas. (…)

«A fonte de todos estes problemas são os bispos. Os presbiterianos estavam certos. Os Bispos são um pestilência maçadora e burocrática. (…) Na Idade Mádia, em que todos eram supostamente cristãos activos, tinham de suportar 20 bispos, e apenas seis foram adicionados antes da era vitoriana. Em 1845 eram 30; em 1945 o seu número tinha aumentado para 90. Hoje temos 114 bispos e bispos auxiliares. (…) A Igreja Anglicana parece a marinha moderna, com mais almirantes que navios no mar. (…)

Para a maior parte das pessoas, mesmo para muitos anglicanos, isto parece a discussão do sexo dos anjos. A controvérsia acerca de bispos homossexuais ou mulheres é absurda. Que uma instituição do século XXI possa promover trabalhadores não com base no mérito mas com base em discriminação sexual não é matéria de discussão. Esta é uma Igreja em que os membros episcopais compreendem aqueles que apoiam a cadeira eléctica e a tortura militar: certamente que podem abranger a homossexualidade e a emancipação da mulher. (…)

O ateísmo não tem exércitos mas o cristianismo, judaismo, hinduismo e o Islão claramente têm. Nunca uma maior mentira foi dita que aquela que sustém que o Papa não tem divisões [militares].

Este não é o lugar para discutir se a religião promove ou simplesmente reflecte conflitos entre pessoas. É um dado na maioria das guerras modernas e, em muitas, o fundamentalismo e intolerância religiosos exacerbam em vez de diminuirem a ferocidade do conflito.»

4 de Julho, 2006 pfontela

Transhumanismo

Uma das ideias que surgiu das correntes de pensamento de inspiração materialista nas últimas décadas foi o transhumanismo. Este movimento define-se pelo apoio ao uso das novas ciências e tecnologias para o melhoramento físico e intelectual da humanidade além de suavizar os alguns dos efeitos negativos inerentes à condição humana actual, tal como o envelhecimento ou própria morte. O objectivo seria atingir um estado pós-humano. Aqui devemos definir esse estado como a situação em que a evolução ja não está nas mãos de mutações lentas e fora do nosso controlo e passa a existir uma evolução dirigida – sendo que por evolução dirigida é necessário entender que a livre vontade é um valor absoluto, só o indivíduo pode dispor sobre o seu material genético e sobre a sua existência em geral.

A história do movimento é bastante interessante mas não será esse o aspecto fundamental da minha abordagem. O movimento cultural e social do transhumanismo parece ter essencialmente duas bases: o individualismo e o materialismo. O individualismo porque o principal objectivo é melhorar o indivíduo, de acordo com a sua vontade pessoal (chegando ao extremo de se poderem redesenhar completamente a si mesmos, o que inclui em extremos teóricos, e puramente especulativos, o abandono de uma forma biológica) e o materialismo porque nada é tomado como um acto de fé, as suas aspirações não são depositadas numa promessa de uma vida posterior ou em conceitos intangíveis mas sim no presente e nas técnicas que sabemos serem eficientes.

Este conjunto de ideias parece ser simples em si mesmo mas a quantidade de críticas que recebe é algo absolutamente extraordinário. Regra geral os comentários mais negativos dividem-se em três sectores: os neo-luditas, os “realistas” e os distópicos.
Os neo-luditas partilham essencialmente de uma visão anti-ciência e anti-mudança, que visa impor o status quo como algo permanente – dentro deste grupo existem dois subgrupos importantes, os religiosos que consideram a elevação do homem através da técnica como blasfémia e os ecologistas que gostam de uma ideia a que chamam “natural” (que é um conceito extremamente discutível).
Os realistas são essencialmente pessoas que duvidam das capacidades técnicas da humanidade para poder alguma vez cumprir com as promessas do transhumanismo. Dados os saltos técnicos do último século e a natureza exponencial do progresso técnico (indicado no conceito de singularidade) as suas dúvidas parecem ser infundadas.
Por fim chegamos ao grupo com mais hipóteses de realmente ser um obstáculo para o transhumanismo: os distópicos (dos quais o conservador Fukuyama é o mais destacado representante). Um ciência avançada pode levar a dois tipo de cenários, um de utopia individualista de uma liberdade inimaginável pelo nosso standard actual ou a uma distopia que no pior dos casos leva à aniquilação da própria espécie.

Para atingir o seu notável conjunto de objectivos gerais os transhumanistas (entre os quais me incluo a mim) aceitam recorrer a várias tecnologias recentes. A que mais potencial apresenta a curto e médio prazo é sem dúvida a genética. A nanotecnologia também apresenta potencial mas num futuro talvez mais distante (e a carga de controvérsia que apresenta é significativamente menor que a da genética). Um bom primeiro passo para implementar um estado de espírito transhumanista entre mais pessoas seria combater a percepção generalizada que as técnicas médicas o científicas (algo tão complexo como terapia de genes ou tão simples como tomar medicação por via oral) são para ser utilizadas exclusivamente para corrigir deficiências – quando numa perspectiva muito mais interessante podem ser usados para aumentar o que é normal para um ser humano. Isto hoje em dia é complicado porque grande parte dos laboratórios não desenvolve testes da sua medicação em pessoas saudáveis e não o fazem porque o potencial uso para incremento de habilidades é muito pequeno já que em muitos países é ilegal publicitar efeitos que não sejam puramente terapêuticos – se não podem publicitar quer dizer que se investe dinheiro e tempo em testes sem ter um retorno significativo.

Outro ponto importante é o medo irracional à tecnologia que certos sectores (especialmente religiosos e ecologistas) querem incutir às pessoas, os neo-luditas que referi acima. O progresso tecnológico vai continuar com o sem a proibição de certas técnicas experimentais, mas no caso de haver uma proibição generalizada no Ocidente os resultados serão muito piores para os cidadãos comuns. Em primeiro lugar fora da Europa e da América do Norte as atitudes face às novas tecnologias são muito diferentes, enquanto que nos EUA cerca de 40%/50% das pessoas são contra o uso da ciência para melhorar humanos normais em certos países asiáticos (por exemplo a Tailândia) cerca 90% da populacao é a favor. O que isto nos diz é que se não aproveitarmos as oportunidades tecnológicas alguém o fará. A segunda consequência da proibição seria a criação de um mercado negro. Quem pode pagar terá acesso as tais técnicas (por meios ilegais ou indo a países onde se podem aceder legalmente) enquanto o cidadão comum não o poderá fazer.

Em abono da verdade, e para terminar esta introdução, convém dizer que o movimento transhumanista é extremamente diverso, incluindo até crentes – que obviamente encaram a sua transformação em pós-humanos de forma bastante diferente – mas estes são uma minoria quando comparados com o número de ateus e agnósticos.