Apocalipse Now
A crença num apocalipse seguido de um julgamento final é uma característica comum a várias mitologias, dos Maias aos Hindus, que surge normalmente em tempos de horror e opressão da respectiva cultura. Como já referi, em todas as mitologias há um messias («ungido») ou salvador, que resgata os eleitos de Deus. Esse salvador pode ser um ancestral do povo ou o mítico fundador da religião, que empreenderá uma batalha final contra as forças do mal e, após a vitória, inaugurará um novo estágio da criação, um novo céu e uma nova terra.
Os mitos da destruição escatológica, abundantes e associados normalmente a ciclos de destruição-criação em outras religiões, manifestaram-se tardiamente na literatura apocalíptica judaico-cristã, que floresceu entre os séculos II a.C. e II d.C., com zénite nos delírios do livro do Apocalipse. Como confirmação da natureza bem humana, determinada pela conjuntura da época, dos textos que alguns acreditam serem «revelações», recordo que o livro de Daniel, que descreve as primeiras visões apocalípticas na Bíblia, foi escrito durante a revolta contra o domínio grego.
O próprio cristianismo foi inventado durante a ocupação romana da Judeia. A ideia de que uma força maior efectivará a vingança das provações dos «justos», que aqueles que vemos como os nossos opressores sofrerão horrores inimagináveis, nem que seja no fim dos tempos, tem um apelo evidente para muitos e explica em parte o sucesso das religiões.
Considerando os tempos conturbados em que vivemos não é assim de espantar que alguns cristãos mais alienados considerem próximo o fim do mundo, e, consequentemente, a volta do Messias que julgará os vivos e os mortos. Na realidade, este alguns são muitos milhões apenas nos Estados Unidos e, segundo uma reportagem de 2002 da revista Época, cifrava-se à data num milhão o número de cristãos brasileiros seguidores de seitas cuja mensagem principal é a iminência do Juízo Final. Mesmo em Portugal, há pelo menos um católico, o autor do livro «Os 3 segredos de Fátima», que se entretem a transcrever para uma página na internet os seus delírios apocalíptícos.
Já tinha mencionado há uns meses o sucesso da série «Left Behind» assim como o sucesso anunciado do novo jogo cristão «Left Behind: Eternal Forces» baseado na dita série. O jogo é simultaneamente uma missão religiosa e uma missão militar que consiste em converter ou matar católicos, judeus, muçulmanos, budistas, homossexuais, todos os que advoguem a separação do estado e da Igreja, especialmente cristãos moderados «de café».
O jogo já dera uma indicação da estrutura mental dos dominionistas cristãos mas hoje, ao ler a página da Harper, deparei com uma notícia que espelha bem a completa insensibilidade, falta de qualquer sentimento de compaixão e virtude moral destes fanáticos cristãos, que rejubilam com o sofrimento alheio.
De facto, o presente conflito entre Israel e o Hezbollah deixou completamente frenéticos os desvairados cristãos que frequentam os fora do Rapture Ready (Prontos para o Arrebatamento). Estes fundamentalistas cristãos, a base de apoio do cristão renascido com uma missão «divina», G. W. Bush, dão mostras efusivas da sua alegria pela morte de milhares de inocentes, especialmente vítimas do recente conflito no Líbano e em Israel mas também em todo o Médio Oriente, que consideram um sinal inequívoco da 2ª vinda do seu mito.
Transcrevo apenas uma mensagem elucidativa, entre muitas, deixada por um devoto e eufórico cristão no forum «Fim dos tempos» em relação à tragédia que se desenrola no Médio Oriente:
«Louvado seja Deus! Nós fomos escolhidos para viver nestes tempos e também observar e espalhar a palavra. Algo dentro de mim está prestes a explodir e não sei o que é. É no género de querer fazer pinos rodados pela vizinhança».
Noutra linha, os piedosos cristãos discutem a necessidade de Damasco ser destruída antes da vinda do «Messias», de acordo com Isaías 17.
Como seria de esperar, a demência fanática, a total insensibilidade dos posts foi divulgada pela blogosfera americana e assim, hoje, os administradores do site pediram um pouco de contenção aos seus participantes e apagaram pelo menos uma das linhas. Mas podemos apreciar o que só posso considerar demência induzida pela religião nesta caricatura de um devoto cristão dominionista.