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O poder da sátira

Um dos meus filósofos favoritos contemporâneos é Sam Harris não só pelas razões óbvias, isto é, o facto de compartilharmos a certeza que a atitude complacente em relação às religiões é uma ameaça latente para o modelo de sociedade que queremos construir – uma sociedade justa, de paz e tolerante – mas também porque a uma licenciatura em Filosofia soma o seu trabalho de doutoramento numa das áreas que considero mais fascinantes, as neurociências, e num tema ainda mais fascinante, a neuroteologia que basicamente estuda as bases biológicas da crença.

Sam Harris é o autor de um Manifesto Ateísta, já referido pela Mariana, um texto absolutamente indispensável em que «Harris, filósofo graduado em Stanford, que estudou religiões ocidentais e orientais, ganhou o prémio PEN de 2004 [e o de 2005] com o livro ‘The End of Faith‘, que examina e explora de forma explosiva os absurdos da religião organizada. ‘Truthdig’ pediu a Harris que escrevesse uma resenha da sua tese que defende que a crença em Deus e o apaziguamento dos extremistas religiosos pelos moderados de todas as crenças foi e continua a ser a maior ameaça para a paz mundial e um assalto continuado à razão».

Numa entrevista mais recente Harris afirma algo que é também a minha convicção profunda «Mas os moderados religiosos dão cobertura aos fundamentalistas devido ao respeito em relação a qualquer debate baseado na fé que os moderados exigem. Como consequência, isso sustenta o fundamentalismo e os fundamentalistas fazem um uso muito cínico e artístico do politicamente correcto nos nossos discursos».

Este politicamente correcto, imposto pelos moderados de todas as religiões, que impede o apontar das irracionalidades e da obscenidade imoral de inúmeras passagens dos seus textos «sagrados», é o principal obstáculo a ser vencido na construção de uma sociedade que se coadune com o século XXI e com o respeito pelos direitos humanos.

O combate ao fundamentalismo religioso passa por combater este politicamente correcto complacente e expor como absurdas, anacrónicas e irracionais as «verdades absolutas» dos Livros que os seus devotos querem impor a todos. Mas os argumentos lógicos e racionais, embora necessários, não são suficientes.

Como Sam Harris indica, esta é uma guerra de ideias, a ser travada em várias frentes, na qual não se deve subestimar o poder do ridículo. O filósofo/neurocientista aponta como exemplo a forma como o Ku Klux Klan perdeu a força e prestígio e passou em 60 anos de dezenas de milhões de aderentes para uns meros cerca de 5 000 actualmente. Simplesmente porque um homem, Stetson Kennedy, aderiu ao KKK nos anos 40 e passou o mambo jambo cretino desta organização às pessoas que escreviam os episódios radiofónicos de «As Aventuras do Superhomem». Ouvir semana após semana as palermices do Klan expostas na rádio contribuiu mais para a queda do Klan que argumentos racionais e éticos.

Ou seja, o embaraço público de subscrever opiniões cada vez mais ridicularizadas devido à sua denúncia satírica ditou o fim do Klan.

Aliás, não é por acaso serem as sátiras, por exemplo, os cartoons de Maomé, o cartoon do António, a peça «Me cago en Dios», que levam os crentes aos arrobos mais paradoxais de indignação.

Também por isso o alvo dos ataques mais virulentos dos crentes que comentam nestas páginas é o Carlos Esperança. Quantas mais pessoas como o Carlos afrontarem o tabu de criticar as religiões e o fizerem da forma satírica magistral que é a imagem de marca do Carlos, mais fácil será acabar com a praga anacrónica das guerras «santas» e da subordinação das sociedades, nomeadamente do Direito, aos muitos disparates absurdos das religiões .

Neste dia em que o Diário Ateísta está prestes a completar meio milhão de visitantes aproveito o ensejo para parabenizar o Carlos que consegue mostrar… divinalmente… o rídiculo da fé e incomodar os mais fanáticos com as suas caricaturas dos fundamentos das crenças.

Todos têm o direito em acreditar no que quiserem, em astrologia, em quiromancia, em psicografia, em Xenu, que o Elvis está vivo mas foi raptado por extraterrestres, em Thor, Baco, Deus e restantes mitologias sortidas; ninguém tem o direito a exigir que esses disparates sejam «respeitados» pelos restantes. É tão impossível «provar» a inexistência de Deus como «provar» que o Elvis não está a ser objecto de estudo de uns quaisquer homenzinhos verdes. Para um ateu tão rídicula é essa tese como a que sustem que a Bíblia é a «palavra revelada» de um Deus da Idade do Ferro, sublimação da ignorância dessa era.

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