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Como um ateu vê um crente

Acho que uma pessoa que crê em Deus, chame-lhe Jesus Cristo, Alá ou qualquer outra coisa parecida, ou o sinta somente como uma «força superior inexplicável», não se apercebe verdadeiramente do que pensa um ateu sobre a crença numa qualquer divindade.

Ainda há poucos dias um piedoso seguidor das virtudes místicas do Papa Bento XVI me declarou, e muito convictamente, que não acreditava que nenhum ser humano poderia, por natureza, ser verdadeira e inteiramente ateu.
Vai para o Céu, coitado…

Mas talvez o consiga explicar através desta singela história:

Durante a 2ª Guerra Mundial os americanos ocuparam uma pequena ilha do Pacífico para ali instalarem uma base militar de abastecimentos.
A ilha era habitada por uma pequena tribo que vivia praticamente ainda na Idade da Pedra.

Mal chegaram, os americanos construíram uma pista de aviação, uma torre de controle, alojamentos, e instalaram toda a parafernália de equipamentos que é possível imaginar.
Como é de calcular, os habitantes da ilha conheceram com os americanos uma inesperada época de prosperidade e abundância.

Quando terminou a guerra, os americanos embalaram a trouxa e foram-se embora.
E lá terminou a Coca-cola e a abundância para aquela gente, novamente isolada do resto do mundo.

Meia dúzia de anos mais tarde, alguém regressou à ilha e constatou uma realidade curiosíssima:

Os nativos da ilha tinham desenvolvido um culto religioso a um Deus a que chamavam «Cágau» uma corruptela de «Cargo» ou carga, em inglês.
Mantinham a velha pista de aviação limpa, construíram uma espécie de torre de controle em canas e tinham criado uma casta de sacerdotes e uma complexa mitologia que explicava que um dia haveriam de descer dos céus uns messias, uns deuses de pele branca que viriam novamente trazer grande prosperidade ao povo.
E diariamente realizavam cerimónias religiosas conduzidas por sacerdotes na pista de aviação, em que apelavam à descida à terra daqueles entes misteriosos, supremos e omnipotentes.

Posto isto,
Que pensa desta história um qualquer cristão, muçulmano ou judeu?
Que pensará desta história, por exemplo, um católico?

Presumo, em primeiro lugar, que não lhe passará pela cabeça proibir os nativos da ilha de praticarem livremente o seu culto ao Deus «Cágau».
Aqui há uns anos atava-os a uns postes e deitava-lhes fogo. Mas (Deus o livre) agora não.
Quanto muito, pensará em enviar para o local meia dúzia de missionários para os evangelizar, mas isso é outra história.

Decerto olhará para aqueles nativos, antes de mais, simplesmente como uma interessante curiosidade antropológica.
Decerto os olhará, não com sobranceria ou superioridade, mas com um sensação mista de “diferenciação” intelectual e pessoal pelo curioso primitivismo daquela “pobre gente” da Idade da Pedra.
Terá até alguma pena pelo desperdício de tempo gasto com o culto a um Deus inexistente, como é o Deus «Cágau» (que toda a gente sabe que não existe).
E terá também pena pela certeza absoluta da inutilidade dos ritos religiosos que, por mais sentidos que sejam, que por muita fé e fervor que revelem por parte dos «fiéis», não trarão nunca de volta a prosperidade dos deuses de pele branca.
E terá também assim uma espécie, e sem qualquer conotação pejorativa, de sensação de quase… ridículo.
Estou até convencido que quando pensa na infantilidade daquela “pobre gente” esboça até um sorriso…

Pois bem:
Façam-me o favor de considerar que é precisamente assim que um ateu vê um cristão, um muçulmano, um judeu ou qualquer outro teísta, tenha ou não a sua fé uma designação atribuída, chame-lhe ou não «uma força superior inexplicável».

Vê-o exactamente, não com superioridade ou sobranceria, mas como uma mera e simples curiosidade antropológica, tão primitiva que é até oriunda da Idade da Pedra.
Vê os ritos e os cultos que o crente pratica como um lamentável desperdício de tempo e tem até pena daquela “pobre gente” pela infantilidade e completa inutilidade dessa prática.
Lamenta até as vidas humanas completamente perdidas e desperdiçadas em oração, em contemplação, em auto-amesquinhamento e em louvor do “Senhor” quando, de facto, não há “Senhor”, não há Deus «Cágau» nenhum.

É assim, tão simples como isso!

Nem sequer são necessárias quaisquer considerações filosóficas ou explicações muito elaboradas.
Como nem sequer são precisas teologias, teosofias, teodiceias e outras coisas começadas por “teo”, ao fim e ao cabo completamente inúteis, porque sob a capa de grandes lucubrações intelectuais, e até com alguma graça, diga-se, procuram unicamente justificar e explicar a existência de algo… que não existe.

Simplesmente porque o ateu vê a religião que o crente pratica, a «fé» que orgulhosamente exibe e os ensinamentos de Deus que apregoa, assim como uma espécie (e sem qualquer conotação pejorativa) de sensação de quase… ridículo.

E quando pensa nisso, e na infantilidade daquela “pobre gente”, o ateu muitas vezes esboça até um sorriso.

Mas não por muito tempo:
Porque pensar nos milhões de pessoas que ao longo dos tempos foram mortas em nome desse patético conto de fadas, desse culto ao nada, dessa mera curiosidade antropológica, inútil, mesmo infantil e até um pouco ridícula, não dá vontade de rir realmente nenhuma…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

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