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Mês: Julho 2006

31 de Julho, 2006 Palmira Silva

A Bíblia do Dr. Seuss

Um momento clássico do humor canadiano pelos Kids in the Hall. As sátiras religiosas e ao «american way» são os meus sketches favoritos daqueles que são frequentemente comparados aos Monty Python. Como nota especialmente irónica, nestas sátiras o mítico Cristo é interpretado por Scott Thompson, o Kid abertamente homossexual.

Para os que não sabem, Dr. Seuss, o nome de «guerra» do cartoonista e escritor Theodor Seuss Geisel, é o autor infantil mais famoso dos Estados Unidos, especialmente pela criação do Grinch.

30 de Julho, 2006 Palmira Silva

Apocalipse Now

A crença num apocalipse seguido de um julgamento final é uma característica comum a várias mitologias, dos Maias aos Hindus, que surge normalmente em tempos de horror e opressão da respectiva cultura. Como já referi, em todas as mitologias há um messias («ungido») ou salvador, que resgata os eleitos de Deus. Esse salvador pode ser um ancestral do povo ou o mítico fundador da religião, que empreenderá uma batalha final contra as forças do mal e, após a vitória, inaugurará um novo estágio da criação, um novo céu e uma nova terra.

Os mitos da destruição escatológica, abundantes e associados normalmente a ciclos de destruição-criação em outras religiões, manifestaram-se tardiamente na literatura apocalíptica judaico-cristã, que floresceu entre os séculos II a.C. e II d.C., com zénite nos delírios do livro do Apocalipse. Como confirmação da natureza bem humana, determinada pela conjuntura da época, dos textos que alguns acreditam serem «revelações», recordo que o livro de Daniel, que descreve as primeiras visões apocalípticas na Bíblia, foi escrito durante a revolta contra o domínio grego.

O próprio cristianismo foi inventado durante a ocupação romana da Judeia. A ideia de que uma força maior efectivará a vingança das provações dos «justos», que aqueles que vemos como os nossos opressores sofrerão horrores inimagináveis, nem que seja no fim dos tempos, tem um apelo evidente para muitos e explica em parte o sucesso das religiões.

Considerando os tempos conturbados em que vivemos não é assim de espantar que alguns cristãos mais alienados considerem próximo o fim do mundo, e, consequentemente, a volta do Messias que julgará os vivos e os mortos. Na realidade, este alguns são muitos milhões apenas nos Estados Unidos e, segundo uma reportagem de 2002 da revista Época, cifrava-se à data num milhão o número de cristãos brasileiros seguidores de seitas cuja mensagem principal é a iminência do Juízo Final. Mesmo em Portugal, há pelo menos um católico, o autor do livro «Os 3 segredos de Fátima», que se entretem a transcrever para uma página na internet os seus delírios apocalíptícos.

tinha mencionado há uns meses o sucesso da série «Left Behind» assim como o sucesso anunciado do novo jogo cristão «Left Behind: Eternal Forces» baseado na dita série. O jogo é simultaneamente uma missão religiosa e uma missão militar que consiste em converter ou matar católicos, judeus, muçulmanos, budistas, homossexuais, todos os que advoguem a separação do estado e da Igreja, especialmente cristãos moderados «de café».

O jogo já dera uma indicação da estrutura mental dos dominionistas cristãos mas hoje, ao ler a página da Harper, deparei com uma notícia que espelha bem a completa insensibilidade, falta de qualquer sentimento de compaixão e virtude moral destes fanáticos cristãos, que rejubilam com o sofrimento alheio.

De facto, o presente conflito entre Israel e o Hezbollah deixou completamente frenéticos os desvairados cristãos que frequentam os fora do Rapture Ready (Prontos para o Arrebatamento). Estes fundamentalistas cristãos, a base de apoio do cristão renascido com uma missão «divina», G. W. Bush, dão mostras efusivas da sua alegria pela morte de milhares de inocentes, especialmente vítimas do recente conflito no Líbano e em Israel mas também em todo o Médio Oriente, que consideram um sinal inequívoco da 2ª vinda do seu mito.

Transcrevo apenas uma mensagem elucidativa, entre muitas, deixada por um devoto e eufórico cristão no forum «Fim dos tempos» em relação à tragédia que se desenrola no Médio Oriente:

«Louvado seja Deus! Nós fomos escolhidos para viver nestes tempos e também observar e espalhar a palavra. Algo dentro de mim está prestes a explodir e não sei o que é. É no género de querer fazer pinos rodados pela vizinhança».

Noutra linha, os piedosos cristãos discutem a necessidade de Damasco ser destruída antes da vinda do «Messias», de acordo com Isaías 17.

Como seria de esperar, a demência fanática, a total insensibilidade dos posts foi divulgada pela blogosfera americana e assim, hoje, os administradores do site pediram um pouco de contenção aos seus participantes e apagaram pelo menos uma das linhas. Mas podemos apreciar o que só posso considerar demência induzida pela religião nesta caricatura de um devoto cristão dominionista.

30 de Julho, 2006 Carlos Esperança

A procissão do Senhor

Os mordomos aprimoram-se a afiar os espinhos, a polir a coroa e a empurrá-la até ao lugar dos miolos do Senhor, com aquela fé dos néscios e a sanha dos crentes.

Ataviam-no com o vestido roxo, lavadinho e engomado por catequistas que proferem piadas brejeiras enquanto lhe retorcem o cordão da cintura.

A cruz há muito que o acompanha como prótese, mesmo nos períodos de ócio em que o desmontam da padiola que nas procissões se denomina andor por causa do movimento que lhe imprime o dorso dos devotos que se queixam do peso e da tradição.

As chagas são avivadas na cor depois de lhe passarem a escova de arame pelos sítios do martírio para melhor aderir a tinta, o verniz e a compaixão dos crentes.

Atrás, noutra padiola de tamanho menor, viaja a mãe, reduzida à condição de mulher, com ar infeliz de virgem, mãe e empregada doméstica.

Em lugar de destaque viaja o padre com a custódia sob o palio cujas varas têm cada vez menos voluntários. Só os foguetes, os bombeiros e os cavalos da Guarda Republicana dão a ilusão de festa na cerimónia gasta pelo tempo, repetitiva e fastidiosa, com música e itinerário inalterados, arrastando as pessoas que ainda vão porque sempre foram.

A procissão é um acto litúrgico destinado a arejar andores, a retirar o bolor dos guiões e estandartes, a reunir crentes e fazer a colecta para o padre. Os anjinhos da praxe vão-se reduzindo com o planeamento familiar e a devoção que esmorece.

As pessoas começam a sentir-se ridículas e com vergonha. Deus, por muito exótico que seja, não se diverte com o espectáculo. Se, ao menos, levassem sacos de cimento para as obras em vez do pesado andor, era mais útil o esforço e menos caricata a viagem.

30 de Julho, 2006 Palmira Silva

Execução de uma adolescente: a barbárie islâmica


No passado dia 27 a BBC2 passou um documentário chocante que relatava os detalhes de uma execução especialmente bárbara já que a vítima tinha apenas 16 anos!

Em 15 de Agosto de 2004, a jovem Atefah Sahaaleh, de apenas 16 anos, foi enforcada na praça pública de Neka, uma pequena cidade iraniana no Mar Cáspio, pelo mullah Haji Reza’i. A sentença de morte da adolescente indicava que esta foi executada por «crimes contra a castidade». Na realidade, o «crime» de Atefah foi ter sido violada repetidamente por membros da «polícia moral» e um ex-guarda revolucionário de 51 anos, Ali Daroubi! Os mesmos «polícias morais» que assinaram a petição na base da sua detenção em que a descreviam como «fonte de imoralidade» e «uma influência terrível nas raparigas locais».

O Irão assinou um tratado internacional que o obriga a não sentenciar à morte ou executar menores de 18 anos. Mas os tratados internacionais assim como os direitos humanos não têm qualquer valor quando quem governa os destinos de uma nação são dementes por uma mitologia, seja ela Deus, Allah ou outro figmento da imaginação humana. E a mentira em nome dessa mitologia sempre foi o recurso predilecto dos fanáticos de qualquer religião. Assim, o jornal estatal que noticiou o caso acusava a adolescente de adultério e afirmava que ela tinha 22 anos. De facto, Atefah tinha apenas 16 anos e não era casada.

De qualquer forma, de acordo com a Constituição do Irão, que coloca a Sharia acima de qualquer lei «humana», um juiz dos tribunais da Sharia tem rédea livre. E sob a lei da Sharia a idade de responsabilidade criminal é de 9 (nove!) anos pra as raparigas e 15 para os rapazes. Ou seja, no Irão e nos tribunais da Sharia uma criança do sexo feminino de 9 anos pode ser julgada e condenada à morte por «ofensas» aos decretos «divinos»!

A mentira sobre a idade da vítima veiculada pelos orgãos oficiais iranianos, destinada a não chocar a opinião pública iraniana, e a ameaça dos mullhahs locais a todos os familiares e conhecidos da jovem para não falarem à imprensa não foi suficiente para travar a disseminação da verdade dos factos. Aquando do caso, a jornalista Aiseh Amini ouviu rumores de que Atefah era apenas uma adolescente e resolveu investigar o caso.

«Quando encontrei a família, eles mostraram-me a certidão de nascimento e de óbito. Ambos diziam que ela havia nascido em 1988. Isso legitimou-me para investigar o caso», disse Amini.

Neste excelente artigo no Guardian, a produtora do documentário, Monica Garnsey, relata passo a passo a sua odisseia no Irão para esclarecer o que de facto se passou. E os detalhes que descobriu são um retrato muito fiel da impunidade conferida pela religião aos prevaricadores em nome de Deus às próprias leis que impõem aos restantes!

Atefah teve uma infância conturbada que a transformou numa adolescente rebelde e depressiva. A sua mãe morreu quando ela tinha quatro anos, o irmão morreu afogado pouco depois e o pai rapidamente se tornou viciado em heroína. Numa cidade como Neka, sob controle das autoridades religiosas, Atefah -que sempre andava sózinha e era chamada a «cigana de Neka» – desde muito cedo chamou a atenção da «polícia moral», um braço da Guarda Revolucionária Islâmica, cujo trabalho é reforçar os «valores» do código islâmico nas ruas do Irão. A sua primeira detenção por «crimes contra a castidade» aconteceu quando tinha 13 anos, tendo sido na altura condenada a 100 chicotadas – e ao abuso sexual por parte dos defensores da «moral e bons costumes» enquanto na prisão.

A investigação conduzida por Monica Garnsey na cidade de Neka permitiu-lhe concluir que a opinião geral da população local é que Atefah foi assassinada para encobrir os repetidos abusos sexuais que sofreu às mãos dos «polícias morais». A sua violação brutal por Ali Daroubi foi a desculpa encontrada pelos perpetradores dos abusos para se verem livres de uma testemunha incómoda, que podia a qualquer momento revelar o lado menos «moral» dos fanáticos em nome de Allah.

Dois meses depois da execução de Atefah a situação tornou-se incomportável e impossível de esconder: foram presos os organizadores de uma rede de pedofilia nos quais se incluiam dois dos polícias «morais» que assinaram a petição que a condenou.

29 de Julho, 2006 Carlos Esperança

Fátima – palco da pantomina

Santuário promove iniciativas para assinalar 90 anos das aparições de Fátima

A vida está difícil para quem vive da fé. As pessoas trocam o santuário pelo restaurante, a eucaristia pela merenda e a procissão das velas por um arraial minhoto. Mas há crentes que resistem e se julgam em dívida com Deus.

O santuário de Fátima começou a promoção do 90.º aniversário das aparições. Sabe-se que a única aparição foi a mina do ouro que os crentes tiram do pescoço e das orelhas, pepitas de dor arremessadas com lágrimas à caixa de esmolas da ganância eclesiástica.

A ICAR lembra o aparecimento de um anjo e, se for preciso, arranja penas para provar a passagem do exótico personagem da fauna divina por aquelas terras áridas onde apenas germina a superstição.

A consideração pelas pessoas devia levar a Igreja católica a respeitar a gente simples e a ter pudor. Esbulhar pobres do cordão de ouro que esteve na família várias gerações, das arrecadas que foram da avó, do anel que um padrinho brasileiro ofereceu pelo crisma a um tio-avô, não é um acto de piedade, é um assalto com ave-marias e padres-nossos.

Explorar o sofrimento e a angústia, tirar aos que não têm para dar aos que não precisam, é o negócio que há quase 90 anos floresce em Fátima, aberto para combater a República e atacar o comunismo.

Esquecido o objectivo inicial, ficou a galinha dos ovos de oiro que as viagens papais alimentam e o clero aduba com procissões, terços e bênçãos. A virgem voadora que poisava nas azinheiras e ficava à conversa com a Lúcia, regressou ao Céu para fazer o serviço doméstico enquanto os padres exploram a fantasia do voo do anjo, da aparição da virgem e das cambalhotas do Sol.

29 de Julho, 2006 Palmira Silva

Botox e o Islão

Mecanismo de acção da toxina do botulismo, BoNT. Clique na imagem para aumentar. Vídeos sobre o referido mecanismo podem ser encontrados aqui.

por várias vezes referi a crescente islamização da Malásia, apontada por muitos como um exemplo de um país islâmico com uma relação de sucesso com o mundo moderno e em que os 40% da população não islâmica são supostos coexistir pacificamente e em liberdade religiosa. Na realidade, os últimos tempos têm sido palco de um crescente poder dos clérigos islâmicos que ameaça uma talibanização deste país.

As lucubrações expressas na letra da lei do conselho islâmico sobre os mais diversos assuntos não se restringem aos seguidores do Corão, as aberrações islâmicas em matéria de direitos humanos são impostas a todos os malaios, muçulmanos ou não muçulmanos. Por exemplo, foi proibida a música «Black Metal» sob a acusação de que os seus seguidores se desviam dos princípios islâmicos. Um porta-voz do Conselho islâmico nacional justificou o seu édito afirmando que a cultura «Black Metal» pode levar quem a ouve a rituais religiosos satânicos que incluem beber o próprio sangue misturado com sangue de cabra e queimar o Corão.

De igual forma, as «leis da decência», isto é o código de conduta islâmico, foi imposto a toda a população, arriscando-se a penas de prisão, punições físicas ou pesadas multas os que não o sigam. Como uma cantora que foi acusada de «insultos ao Islão» por cantar num bar que serve bebidas alcoólicas, dois colegas de escola, um rapaz e uma rapariga, que foram condenados a 25 vergastadas cada pelo crime de falarem um com o outro em público ou um casal de chineses que foi processado, e pode ser preso, por se ter abraçado e beijado em público…

Agora os clérigos malaios decidiram ser anti-islâmico o Botox, substância que para além de ser usada em tratamentos de beleza, é muito utilizada no tratamento de uma série de condições médicas, desde o estrabismo a dores agudas de costas, passando por transpiração excessiva.

Por uma razão qualquer obscura, talvez porque o Botox foi testado em ratos e porcos, os clérigos decidiram que o Botox pode conter derivados de porco (?!), uma abominação mais execrada que o adultério ou a bebida. Assim, é expectável que esta deliberação do conselho islâmico seja transcrita em breve numa nova lei da Malásia que proibe o uso desta substância. Suponho que a ideia de consultar a comunidade científica local nem sequer tenha passado pela cabeça dos iluminados clérigos.

De facto, o Botox, o nome comercial da toxina do botulismo tipo A, uma neuro toxina produzida pelo grupo de bactérias anaeróbicas Clostridium botulinum, não tem nada a ver com os tão anatemizados suínos. A proteína é expressada pela bactéria apropriada e depois purificada sem ver porcos pelo caminho.

Existem 7 tipos da toxina, de A a G, sendo apenas utilizados como terapêutica os tipos A e B. A BoNT é o patogéneo mais tóxico que se conhece, sendo a dose fatal entre 200-300 pg/kg – um picograma, pg, são 10-12 grama, ou seja cerca de 100 g da toxina seriam suficientes para matar todos os seres humanos à face do planeta.

As amostras terapêuticas comercializadas contêm cerca de 0.005% da dose letal, pelo que a sua utilização como arma biológica é impraticável. Por outro lado, a sua produção «caseira» é extremamente difícil, por se tratar de uma bactéria anaeróbica, isto é, que cresce na ausência de oxigénio, é expressada (produzida) em quantidades muito reduzidas, o processo de purificação da proteína «wild type» é um pesadelo, o que torna a sua produção e purificação virtualmente impossível fora de um laboratório especializado.

28 de Julho, 2006 Carlos Esperança

Os prosélitos da fé

No pântano da fé germinam com fulgor os fundamentalismos. À medida que Deus se esvai pela rede de saneamento do secularismo, uivam de raiva os crentes que sobram, ganem latim os padres que sobrevivem e ululam imprecações os bispos reunidos nos covis das Conferências episcopais.

Do antro do Vaticano, de sapatinhos vermelhos e camauro, o líder da seita ameaça as democracias e roda o vestidinho, de má catadura, vociferando contra a investigação de células estaminais, a interrupção da gravidez, o preservativo e a pílula do dia seguinte.

Com larga experiência de celibato, o clero dá conselhos sobre a família; com séculos de repressão sexual determina a frequência, duração e intensidade das relações amorosas e decide sobre a finalidade das mesmas; habituado à indissolubilidade do celibato deseja estender a regra ao matrimónio.

Os parasitas de Deus vêem fugir-lhes o poder que já tiveram e têm ciúme dos dementes que julgam que Deus é grande e Maomé o seu profeta, pelo poder que conservam. A Al-qaeda está para os sunitas como o Hezbollah para os xiitas ou o Opus Dei para a ICAR. Só os métodos diferem de acordo com as sociedades onde se acoitam.

Os apaniguados da hóstia, crentes supersticiosos e tartufos em busca de benefícios que a ICAR confere, percorrem o ciberespaço à procura de réprobos a quem zurzir. Infiltram-se nas caixas de comentários, como as beatas outrora na sacristia, grunhem impropérios, crocitam e palram ameaças.

Tal como na Inquisição, para denunciar judeus, bruxas e sodomitas, usam o anonimato como prova da coragem que Deus lhes dá ou vergonha da religião que têm.

Os beatos esquecem-se de que, há séculos, Deus deixou de se transformar em cometa e viajar pelos céus para anunciar catástrofes, intimidar os simples e dar força aos padres.

Hoje, as catástrofes, cada vez mais perigosas e iminentes, são provocadas pela demência mística dos homens, na luta contra os infiéis, no desvario de quem pretende o Paraíso e quer levar consigo, à arreata, ateus de pituitária alérgica ao incenso e pele avessa à água benta.

28 de Julho, 2006 lrodrigues

Um problema de saúde pública

Como qualquer outro problema de saúde, a crença num Deus ou a prática de uma religião deveriam ser tratadas como uma doença.

É, de facto, uma epidemia, ou melhor, uma pandemia que paralisa as pessoas individualmente, e até as nações no seu conjunto, e as impede de agir de modo racional.
E constitui uma ameaça cada vez maior para quem pretende viver simplesmente como um homem livre.
Porque as pessoas que acreditam em Deus não se contentam em viver, elas próprias, de acordo com os cânones que imaginaram que lhes foram divinamente transmitidos e que lêem babados num livro que lhes transmite uma mensagem de morte, de raiva e de medo.

Não: pura e simplesmente desconhecem o significado da palavra tolerância, e exigem que todas as outras pessoas vivam da mesma forma.

E persistem em formatar as sociedades e todos os cidadãos, crentes ou não, de acordo com as leis de alguém que não passa, afinal, do produto da sua infantil imaginação.
E que, pobres coitados, não imaginam sequer que não existe!
Quem acredita em Deus nem sequer se apercebe de que não é livre.
Vive a sua vida com uma espécie de «câmara de vídeo» permanente atrás de si, que o vigia, que lhe espiolha os gestos e até mesmo os pensamentos.
Vive num medo constante.
E vive em constante remorso.
Vive diariamente em pânico de desagradar, de pecar, de sair dos eixos, de “cair em tentação”.
E de pagar por isso na «vida eterna» que imagina que existe, sem sequer saber muito bem onde.
E, por isso, vive em constante troca de favores e em negociações abjectas com Deus, pedindo-lhe humildemente perdão de mãos respeitosamente postas e entre duas orações standardizadas, sem se aperceber da ridícula indignidade que isso representa para um ser humano.
Mas mais: quem acredita em Deus nunca saberá ao certo se é verdadeiramente uma pessoa honesta.
Porque se a honestidade é também «aquilo que as pessoas fazem quando ninguém está a ver», então um crente nunca saberá que não roubou, que não enganou, que não fez batota num jogo de cartas simplesmente por uma questão de ética ou de princípio pessoal, ou se não o fez porque algures “alguém o estava a ver” ou porque isso é “pecado”.

E o “pecado” é uma coisa terrível: até o sexo é pecado!!!

E o que é mais triste, é que quem acredita em Deus nem sequer se apercebe de como tudo isto é tão ridículo, tão patético e tão pouco saudável.
Como é de facto muito pouco saudável passar a vida a pedinchar, a entoar cânticos ridículos, a auto-amesquinhar-se, a bajular e, das formas mais abjectas, a louvaminhar imbecilmente alguém que pura e simplesmente… não existe.

E tudo isto para quê?
Para endrominar Deus e comprar-lhe um lugar “no outro mundo”!

Contudo, ao longo da História dos Homens o que é verdade é que Deus tem servido de pretexto para a maior parte das guerras e como desculpa para os maiores e mais inimagináveis massacres.
Ao mesmo tempo, esse mesmo Deus, e ainda hoje assim é, tem servido de barreira e de persistente entrave ao desenvolvimento das ciências, das artes, da cultura e da civilização humanas.
Penso que já é tempo de se fazer uma verdadeira avaliação do papel que Deus desempenha nas sociedades modernas.
Porque Deus é, de facto, uma doença.
Uma doença com cura, mas uma doença.
Deus é um vírus.
Uma vírus que se espalha, que é contagioso, que infecta tudo, e corrói até a dignidade humana.
Por isso, mais ainda do que uma doença, Deus é, acima de tudo e cada vez mais, um problema de saúde pública!

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

27 de Julho, 2006 Carlos Esperança

Se…

Se a virgem Maria, farta de roncos e do abandono a que a votara o carpinteiro de Nazaré, não tivesse o hábito de dormitar à soleira da porta, descomposta, a rezar a Jeová;

Se não fosse noite de lua cheia quando uma pomba suspeita (as outras voam de dia) por ali passou e olhou e viu o que não devia;

Se a dita pomba continuasse a trajectória do voo em vez de poisar e ficar ali a humilhar o humilde carpinteiro;

Se a natureza não tivesse seguido o seu curso como soía;

Não seria necessário que um anjo de nome Gabriel, alcoviteiro de serviço ao Paraíso, fizesse tão longa viagem para avisar Maria de que era prenhez o volume que sentia.

Se quem conta um conto não acrescentasse um ponto;

Se a criança, em vez de ajudar na oficina, não tivesse enveredado pela pregação e feito carreira no ramo dos milagres;

Não teria florescido um negócio que leva dois mil anos de prosperidade e igual tempo a divulgar as peripécias de um curandeiro que fazia milagres à beira do lago Tiberíades e falsificava vinho para casamentos.

27 de Julho, 2006 lrodrigues

O Divórcio Católico

Como toda a gente sabe, o casamento católico é indissolúvel.

Por isso, está completamente fora de questão que a Igreja Católica permita a dissolução por divórcio de um casamento celebrado canonicamente.
Ou seja, numa escala de valores, mesmo em casos comprovados de infelicidade conjugal, mesmo em casos, por exemplo, de extrema violência doméstica, a Igreja Católica dá mais importância ao sacramento religioso e continua impor o casamento para toda a vida.
É como se dissesse a uma mulher que é regularmente sovada pelo marido:
– Casaste-te pela Igreja? Pois olha, ninguém te mandou. Agora aguenta-te à bronca, continua a levar no focinho para o resto da tua vida, e bico calado que a mulher deve obediência ao homem.
Que muitas pessoas que se casaram pela Igreja, e que são católicas, acatem esta santo princípio, acho muito bem: isso, apesar de tudo, compete à sua liberdade individual.
O pior é quando a Igreja Católica faz valer a sua doutrina num determinado país, através de concordatas celebradas com piedosos governantes, e consegue impor a sua doutrina à generalidade dos cidadãos, proibindo-lhes mesmo a dissolução civil de um casamento que foi simultaneamente celebrado pela Igreja.
Era precisamente o que sucedia em Portugal até ao 25 de Abril.
Mas enganam-se os que pensam que isto fica por aqui.
Porque se todas as leis têm excepção, as leis de Deus não lhes podem ficar atrás.
Com efeito, se o casamento católico não pode ser dissolvido por divórcio, pode em vez disso ser… anulado.
E o raciocínio é extremamente curioso:
O casamento canónico pode ser anulado em dois casos distintos: quando houve simulação ou incapacidade de um dos cônjuges.
E, no Código de Direito Canónico, o cânone 1095 estabelece que são incapazes de contrair matrimónio:
1º os que carecem do uso suficiente de razão;
2º os que sofrem de defeito grave de discrição do juízo acerca dos direitos e deveres essenciais do matrimónio, que se devem dar e receber mutuamente;
3º os que por causas de natureza psíquica não podem assumir as obrigações essenciais do matrimónio.
Então, se o divórcio é proibido pela Igreja Católica, engendram-se umas desculpas esfarrapadas quaisquer, nem que seja um atestado médico falso a atestar uma virgindade há muito perdida, e então recorre-se à anulação do casamento.
É tudo a fingir, tudo a fazer de conta, claro, à boa maneira católica, mas toda a gente vive feliz e contente.
Mas atenção que isto não é para toda a gente.
Não!
Esta brilhante solução está reservada somente para aquelas pessoas que tenham umas massas jeitosas para lubrificar a máquina da justiça católica e para contratar um bom advogado especialista em direito canónico, e o problema está resolvido.
E pronto: o que Deus uniu, já pode ser separado!
E já se podem casar outra vez pela Igreja, e começar tudo de novo.
De tal forma que as autoridades eclesiásticas estão já preocupadas com o crescente número de pedidos de anulação de casamento por esse mundo fora.
Só no ano 2000 foram feitos 56.236 pedidos de anulação, sempre com os tais fundamentos em simulação ou incapacidade.
Por isso, cada vez que passarmos por uma Igreja e virmos um casamento católico a decorrer, é bom pensarmos no alto grau de probabilidade de que um dos cônjuges possa ser maluco ou em vez disso, quem sabe, que esteja ali a fingir…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)