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Exorcismos públicos no Congo ofuscam debate político

Padres e pop stars são os ídolos no Congo. Papa Wemba, a pop star mais famosa do Congo juntou forças com Mama Elisabeth Olangi, co- fundadora com o marido da Igreja do Combate Espiritual.

O ex-Zaire agora outra vez República Democrática do Congo ou Congo-Kinshasa, para o diferenciar do vizinho Congo-Brazzavile, é um dos maiores países de África. Independente desde 30 de Junho de 1960, o Congo assumiu à data o nome de República do Congo – em 1964 foi acrescentado o adjectivo «democrática». Mas de facto a democracia e a paz têm estado afastadas do Congo. Especialmente desde que em Novembro de 1965, Mobutu Joseph Désiré toma o poder num golpe de estado. Mobutu estabelece uma ditadura personalista e em 1971 muda o nome do país para Zaire e da capital para Kinshasa (ex-Leopoldville). Ele próprio passa a chamar-se Mobutu Sese Seko Koko Ngbendu wa za Banga, que significa «o todo-poderoso guerreiro que, por sua resistência e inabalável vontade de vencer, vai de conquista em conquista deixando fogo à sua passagem».

O poder absoluto de Mobutu foi especialmente contestado a partir Outubro de 1996, altura em que explode no país uma rebelião liderada por Laurent-Désiré Kabila. Nos meses seguintes aumentam os choques entre a guerrilha, baptizada de Aliança das Forças Democráticas pela Libertação do Congo-Zaire (AFDL) e o Exército, que enfrenta deserções em massa. Mobutu foi finalmente derrubado em Maio de 1997, e Kabila tornou-se presidente do Congo nessa data, cargo que manteve até ao seu assassinato em Janeiro de 2001. Foi sucedido pelo seu filho Joseph Kabila Kabange, que tentou pôr termo à guerra civil que assola o país e que, de acordo com um relatório do International Rescue Committee, vitimou 3.3 milhões de pessoas entre Agosto de 1998 e Agosto de 2002.

A esperança para a paz pode residir nas primeiras eleições livres no país que decorrerão, se não forem de novo adiadas, em 30 de Junho do corrente ano.

Pensar-se-ia que os debates políticos dominariam os media nacionais tão próximo das eleições, que prometem ser concorridas já que, como indica a missão das Nações Unidas no Congo, a Monuc que se encarregará de que estas decorram na normalidade possível, cerca de 25 milhões de congoleses estão inscritos para votar.

Na realidade, as ondas hertzianas no Congo são dominadas por exibições de exorcismos públicos e não por debates políticos. Exorcismos transmitidos por vários canais religiosos que competem ferozmente por clientes, na sua maioria propriedade de seitas cristãs lideradas por obscenamente ricos eclesiásticos. Eclesiásticos que enriquecem e ganham poder à custa da identificação de «possessões demoníacas», tarefa «árdua» pela qual cobram entre 5 a 10 euros, a que acresce uma taxa de «exorcismo», na realidade tortura sancionada pela família de cada vez mais crianças congolesas.

há uns tempos tinha escrito sobre uma realidade que preocupa as autoridades britânicas, a tortura de menores, por vezes a morte, por razões religiosas. De facto, assiste-se neste país europeu a uma explosão de exorcismos de menores de origem africana realizados por seitas cristãs fundamentalistas, exorcismos estes que resultam na tortura e muitas vezes morte das infelizes crianças consideradas possuídas pelo demo.

Igrejas cristãs fundamentalistas que explodem como fungos (fatais) em África, de que é um bom exemplo a Igreja do Combate Espiritual, envolvida num caso de tortura de uma «bruxa» de oito anos e no «diagnóstico» de kindoki (possessão) em mais crianças em Inglaterra, algumas delas levadas à força para a sede do secto em Kinshasa, onde são submetidas a torturas inhumanas apenas comparáveis às perpetradas pela Inquisição, nos seus tempos áureos de erradicação do mal, personificado por bruxas e hereges.

As ruas de Kinshasa e restantes centros urbanos do Congo estão apinhadas de crianças, muitas delas expulsas das suas famílias depois de «diagnosticadas» com kindoki, mais de 14 000 apenas em Kinshasa. E estas crianças de rua são as mais felizes dos «bruxos» infantis. Muitas são simplesmente mortas por familiares e vizinhos após o diagnóstico; outras são mantidas prisioneiras nas igrejas, supostamente aguardando exorcismo. O ministro dos Assuntos Sociais do Congo, Bernard Ndjunga, estima em cerca de 50 000 as crianças mantidas nestas condições.

De acordo com Trish Hiddleston, da UNICEF, citada num artigo da New Humanist de 2004 que denunciava a situação,«As causas de raíz são uma pobreza desesperada e um aumento do evangelismo, que é uma reacção a essa pobreza. Desculpas convenientes como a feitiçaria ou a possessão demoníaca são usadas, propositada ou inconscientemente, para se livrarem de crianças indesejadas».

De facto, quasi em cada esquina de Kinshasa pode encontrar-se uma igreja cristã em que pastores ululam ser o Demo e «bruxos» as causas de todo o mal que assola o país em geral e das desgraças privadas dos congoleses. Bruxarias e possessões pelo Demo que estranhamente se circunscrevem quasi exclusivamente a crianças e justificam a violência e a tortura que são infelizmente realidades corriqueiras para as crianças deste país.

Como disse Debbie Ariyo, directora da organização britânica Africanos Unidos Contra o Abuso de Crianças, parte da culpa nos maus tratos destas crianças reside nas religiões que propiciam e encorajam crenças em bruxarias e possessão.

De facto, é absolutamente reprovável e incompreensível que o exorcismo continue uma prática cristã florescente, acarinhada pelo Vaticano, em menor medida pela Igreja Anglicana e por uma quantidade alarmante de seitas evangélicas.

É um absurdo que a Igreja de Roma, no século XXI, esteja a encorajar a crença na existência do Diabo e a recuperar e a exponenciar uma superstição imbecil como é a possessão demoníaca. A ICAR está implicitamente a dar o seu acordo a estes atentados civilizacionais quando encoraja estas palermices supersticiosas e perigosas, com declarações bem recentes pelo papa que reconheceu o «importante trabalho ao serviço da Igreja» dos exorcistas.

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