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Um alibi do outro mundo

Um dos nossos leitores brasileiros informou-nos de um caso absurdo que ocorreu na cidade gaúcha de Viamão em que uma mulher foi inocentada da acusação de mandante de um assassínio que sob ela pendia, através de … cartas psicografadas!

Aparentemente a justiça brasileira reconhece as palermices sortidas do espiritismo e cartas psicografadas servem de prova nos tribunais brasileiros, o primeiro caso ocorrido em 1979 em que cinco cartas psicografadas inocentaram um homem acusado de assassínio: «pela primeira vez em toda a história jurídica do mundo, um juiz de Direito apoia sua decisão em uma mensagem vinda do Além». (Diário da Noite de 10.09.79, pág. 13).

A psicografia é descrita como integrando a apelidada pomposamente de «sematologia espírita» pelo fundador e codificador daquela que é hoje em dia uma religião com implantação crescente no Brasil – país em que co-habita inesperadamente com o cristianismo – Hippolite Léon Denizard Rivail aka Allan Kardec, nome assumido pelo fundador do espiritismo após o espírito Z o ter «informado» que esse era o seu nome no tempo dos druidas (gauleses).

Segundo Kardec, num artigo na Revista Espírita de Janeiro de 1858, a psicografia ou escrita automática divide-se em directa e indirecta consoante a fraude prosa ditada «do Além» é transcrita directa ou indirectamente pelo médium.

O psicógrafo mais famoso no Brasil e quiçá no mundo é Francisco Cândido Xavier (Chico Xavier) que para além das cartas psicografadas na origem da primeira absolvição do outro mundo, supostamente psicografou mais de 400 livros, incluindo textos (e poemas) de João de Deus, Antero de Quental e Guerra Junqueiro.

Xico Vavier doou os lucros da sua profícua prosa «psicografada» à Federação Espírita Brasileira (FEB). Ambos ganharam notoriedade e manchetes dos jornais brasileiros quando 3 meses após a morte de Humberto Campos, a 5 de Dezembro de 1934, Chico Xavier começou a debitar crónicas do outro mundo do falecido. Manchetes redobradas quando em 1944 a viúva e os 3 filhos de Humberto Campos, moveram uma acção judicial contra a FEB, em relação aos direitos de autor sobre as obras psicografadas.

A psicógrafa que mais lucrou com prosa do outro mundo é a «médium» Zibia Gasparetto, uma escritora sem sucesso de policiais à la Agatha Christie até a inspiração espírita a ter catapultado para os tops de venda. Zibia montou por ordem do «outro mundo» um império editorial que atende pelo nome de Vida & Consciência.

Sobre a psicografia partilho da opinião de Agripino Grieco, crítico literário, que falava sobre textos psicografados atribuídos a autores famosos: «A psicografia é a prova cabal de que a morte faz muito mal ao estilo de um autor».

Como confirmação deixo para apreciação um texto do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987) e uma passagem de um conto supostamente ditado pelo seu espírito a Zibia Gasparetto.

«O ambiente em que começou a vida brasileira foi de quase intoxicação sexual. O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia de Jesus precisavam descer com cuidado, senão atolavam o pé em carne. Muitos clérigos deixaram-se contaminar pela devassidão. As mulheres eram as primeiras a se entregar aos brancos, as mais ardentes indo esfregar-se nas pernas desses que supunham deuses.»
Casa Grande & Senzala

«Irene olhou o relógio e suspirou angustiada. Faltavam dez para as oito. Armando saíra com amigos. Olhou-se no espelho mais uma vez. Como gostaria de ser linda, elegante, maravilhosa, para poder vingar-se dele naquela hora. Para ver em seus olhos o arrependimento por havê-la perdido! Mas ela não se achava bonita. Seus amigos diziam, era sempre muito requisitada pelos homens, mas era porque ela era independente, bem na vida, e indiferente.»
O Encontro, conto de Gilberto Freyre psicografado por Zibia Gasparetto em 1995.

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