14 de Maio, 2006 Palmira Silva
Ratzinger e a Venezuela
Na reunião de quinta-feira com Hugo Chávez, Bento XVI disse ao presidente venezuelano que estava muito preocupado com a diminuição da influência da Igreja Católica na Venezuela. De facto, a igreja católica venezuelana perdeu boa parte da sua credibilidade e influência junto ao governo a partir de 11 de Abril de 2002, quando a sua hierarquia participou activamente no golpe de Estado que derrubou, por um breve intervalo, o presidente Chávez.
O porta-voz do Vaticano, o Opus Dei Joaquín Navarro-Valls, informou ainda que durante a audiência Bento XVI entregou ao presidente venezuelano uma carta com «pontos de preocupação por parte da Igreja» em relação à Venezuela.
Pontos de preocupação que incluem o «projecto de reforma da educação», que declara a natureza «secular» do ensino e como tal não prevê a obrigatoriedade para todos do ensino da religião católica, e, especialmente, os «programas de saúde pública» da Venezuela, que, horror dos horrores, não só não ilegalizam os contraceptivos como consideram contemplar propostas de legalização do aborto nas condições recentemente viabilizadas na Colômbia: violação, malformações fatais do embrião/feto e quando a vida ou a saúde da gestante está em perigo.
Na realidade, ainda o ano passado os meios católicos se viram «obrigados» a intensas manobras políticas para inviabilizar um projecto lei que pretendia levantar algumas restrições à dracónica lei do aborto na Venezuela, que apenas o permite em caso de risco extremo de vida para a mulher. E mesmo nesta situação a posição da Igreja católica é que este não deve ser permitido. Como escreve um mui católico leitor no site católico em língua espanhola ACIprensa, indignado com a «liberalização» do aborto na Colômbia, «As mães condenadas por Deus a morrer pelos seus filhos devem encarar essa missão com um sorriso, são umas privilegiadas». Neste muito católico site, que censura os comentários considerados não idóneos, pode ler-se ainda um católico apelo a que se atirem ao mar amarrados a pedras os juízes do Tribunal Constitucional que reconheceram o direito à vida e à saúde das mulheres colombianas…
Não obstante Chávez afirmar «Eu sou ainda mais radical. Eu digo que a vida deve ser protegida ainda antes da concepção», isto é, ser pessoalmente contra o uso de contraceptivos, afirmou «ditatorialmente» «Eu, Hugo Chávez, sou contra o aborto, mas não posso impôr a minha posição a todo o país» continuando «Muitos dos que rasgam as vestes em relação ao aborto, esconderam não só abortos mas assassínios… eles veêm fome, crianças pobres e são incapazes de mover uma palha, a vida das crianças que vagueiam nas ruas e daquelas sem escolas também deve ser defendida». E, afronta das afrontas, pediu aos dignitários católicos para debitarem o que quisessem sobre o assunto mas «deixarem as pessoas tomar a decisão».
Assim, a Igreja Católica é uma das vozes mais críticas contra Chávez, considerado possuído pelo próprio Belzebu pelo mesmo Cardeal, Rosalio Castillo Lara, que afirma estar a Venezuela a viver em ditadura, sob o jugo do «mais nefasto governo na história da Venezuela». Mais nefasto porque não legisla o que o Vaticano decreta e especialmente porque reduziu o financiamento da Igreja…
Convém recordar que para a Igreja Católica todos os regimes políticos que não acatem os ditames do Vaticano são ditaduras, como expresso pelo finado João Paulo II no seu último livro, «Memória e Identidade», em que este afirmava que não aceitar os ditames dos Evangelhos é uma nova forma de totalitarismo.
Mais de 90% da população da Venezuela é católica, e os representantes do Vaticano detêm uma não despicienda influência política que pode ser determinante nas eleições de Dezembro próximo, facto que Bento XVI certamente relembrou pessoalmente a Chávez.