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Mês: Maio 2006

20 de Maio, 2006 Palmira Silva

Defesa da laicidade na Turquia

Dezenas de milhares de turcos compareceram ao funeral de Mustafa Yucel Ozbilgin, o juíz assassinado na quarta-feira for um fanático muçulmano no que foi considerado pelo presidente Ahmet Necdet Sezer, ele próprio um juíz, «um ataque à república laica».

Dezenas de milhares de turcos encheram as ruas de Ankara simultaneamente em homenagem ao juíz assassinado em nome de Deus e em defesa da constituição laica do país. As Forças Armadas, as guardiãs da laicidade na Turquia, compareceram em força ao funeral, precedido por uma marcha ao mausoléu de Mustafa Kemal Ataturk, o fundador da Turquia moderna e do estado laico.

Os membros do Governo que compareceram ao funeral foram apupados e recebidos com cânticos de «assassinos fora» e exortações à sua resignação.

O ataque aos juízes da segunda câmara do Supremo Tribunal Administrativo está ligado à defesa intransigente da laicidade do estado por estes juízes, nomeadamente no que respeita à estrita independência da religião e do ensino e à proibição do lenço islâmico em Universidades e instituições públicas.

De facto, o uso do lenço islâmico tem sido transformado num símbolo do Islão radical, um braço de ferro entre aqueles que pretendem transformar a Turquia num estado islâmico e os que defendem a laicidade deste país. O primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, que conta no currículo uma estadia na prisão por ter declamado versos anti-laicidade, tem estado na frente dos que pretendem que a proibição do seu uso seja removida, medida que os fundamentalistas islâmicos consideram o primeiro passo para a restauração de um regime islâmico.

Sumru Cortoglu, o presidente do Conselho de Estado, que declarou Ozbilgin um mártir da laicidade, afirmou perante a imensa multidão que homenageou o juíz:

«A bala que foi disparada contra o seu cérebro foi disparada contra a República turca. Mas a vida de pessoas como ele ajudar-nos-ão a manter a República viva eternamente».

Ahmet Necdet Sezer, muito aplaudido no funeral, avisou que «ninguém será capaz de derrubar o regime laico».

Esperemos que de facto assim seja! A bem da paz e dos direitos humanos, palavras desconhecidas dos fundamentalistas de qualquer religião! Porque como tão bem disse o Carlos, a deriva fundamentalista que varre as religiões do livro, os ódios acumulados pelos dignitários eclesiásticos que vêem na secularização a perda de prestígio e influência, a falta de cultura e excesso de fanatismo que exalta os crentes, estão na origem de guerras cujo fim não se vislumbra. E de constantes atropelos dos direitos humanos, especialmente das mulheres, sub-humanos de terceira categoria para estas religiões.

19 de Maio, 2006 Carlos Esperança

Um seminarista agora, outro logo, sem preservativo

Tal como a Palmira, também não quero deixar de me referir a um dos mais sórdidos episódios da ICAR.

O Vaticano comunicou ontem a decisão tomada pela Congregação para a Doutrina da Fé sobre o Padre Marcial Maciel Degollado, fundador da Congregação dos Legionários de Cristo. Tendo em conta a idade avançada do Padre Maciel, bem como a sua precária saúde, renuncia ao processo canónico e «convida o Padre a uma vida reservada de oração e penitência, renunciando a qualquer ministério público».

Nunca se diz nas duas notícias da Agência Ecclesia que foram os abusos sexuais contra seminaristas que perderam o santo homem. Ao Papa Ratzinger interessou salvar a honra da congregação (500 sacerdotes Legionários, 2.500 seminaristas, 65.000 membros e 12 universidades) e do Movimento Regnum Christi, fundados pelo Padre Marcial Maciel.

O padre era um pedófilo inveterado cujos escândalos eram abafados pela ICAR que via no fundador da congregação e de um movimento, ambos fortemente conservadores, um candidato à santidade. Mas a sofreguidão por jovens seminaristas foi mais forte do que a atracção pelos altares.

Com a reputação desfeita diluiu-se o odor a santidade. A mancha não se fixa na alma (seja lá isso o que for). Não falta a benzina da confissão e a lixívia da absolvição, de seminarista em seminarista, até que a idade e a saúde ponham cobro ao desvario.

Os Soldados de Cristo não terão como os jesuítas, os franciscanos, os beneditinos e, até, o Opus Dei, o seu fundador canonizado, como é usual nas Ordens e Congregações com sucesso.

Não vale a pena guardar dentes, unhas e, muito menos, o prepúcio do devoto soldado de Deus, aliás general de um exército de prosélitos. Não há relicários para relíquias de um bem-aventurado que, ao distribuir o corpo de Cristo só pensava no dos seminaristas.

Eis um caso frustrado de uma auspiciosa carreira de santidade. Foi a luxúria que o traiu, que lhe roubou a peanha onde a sua imagem seria adorada por seminaristas e outros devotos à espera da sua intercessão por milagres.

Claro que o tempo tudo apaga. Daqui por um século, se a congregação for rica e pródiga para o Vaticano, os processos desaparecem, as virtudes serão exaltadas e os milagres não faltarão. A ICAR é uma lavandaria com dois mil anos de experiência.

Post Scriptun – «O Santo Padre, pseudónimo do Papa Ratzinger, aprovou as decisões» A Congregação dos Legionários de Cristo e o Movimento Regnum Christi, obras fundadas pelo Padre Marcial Maciel, reagiram ao comunicado da Santa Sé sobre a conclusão da investigação das acusações feitas ao seu fundador com uma nota em que «renovam o compromisso de servir a Igreja».

19 de Maio, 2006 Palmira Silva

Vaticano deixa cair queixas de abuso sexual

A Congregação dos Legionários de Cristo e o Movimento Regnum Christi, ambas fundadas pelo padre mexicano Marcial Maciel Degollado, uma «máquina» de angariação de fundos para a Igreja de Roma, reagiram muito favoravelmente ao anúncio pelo Vaticano de que vai passar uma esponja sobre as inúmeras acusações de abuso sexual de menores que pendem há décadas sobre o seu fundador.

Aliás, esta era a conclusão há muito anunciada e em completa concordância com aquela que é a prática centenária da Igreja de Roma em relação ao abuso sexual de menores e adultos vulneráveis perpetrado por membros do clero católico, o encobrimento descarado.

Hoje, foi tornado público que «a Congregação para a Doutrina da Fé, sob a orientação do novo Prefeito, Cardeal William Levada, decidiu – tendo em conta a idade avançada do Pe. Maciel, bem como a sua precária saúde – renunciar a um processo canónico e convidar o Padre a uma vida reservada de oração e penitência, renunciando a qualquer ministério público».Acrescentando que «O Santo Padre aprovou estas decisões».

Apesar de a ICAR ser uma instituição de que já espero tudo esta decisão não deixa de me indignar pela hipocrisia, falta de vergonha e descaramento! Especialmente porque enquanto padres abusadores sexuais são defendidos com unhas e dentes pela hierarquia católica leio que uma professora de uma escola católica que ficou grávida por inseminação artificial foi despedida com alardes de grande indignação pelo seu inadmissível comportamento, contrário à doutrina de Roma.

Sobre Maciel volto a recomendar a leitura de «Vows of Silence: The Abuse of Power in the Papacy of John Paul II», de Jason Berry e Gerald Renner e uma análise do livro no National Catholic Reporter.

19 de Maio, 2006 Palmira Silva

Leitura indispensável

Para acompanhar a leitura da Visão desta semana, recomendo a leitura de outro artigo da Visão «Opus Dei, o exército de Balaguer», escrito há já quatro anos.

Que se inicia explicando as origens da «Obra» em Portugal:

«Tudo começou com um ‘jeitinho’ de Lúcia, a vidente de Fátima, quando se encontrava no Convento das Doroteias de Tuy, em Espanha. A antiga pastorinha incita o homem que recebeu ‘ordens divinas’ para fundar também o Opus Dei em Portugal. Só que, em 1945, Josemaría Balaguer não tinha com ele o passaporte e era preciso que alguém abrisse as fronteiras ao pai da Obra de Deus (Opus Dei, em latim). A solução partiu do convento galego, com um visto caído do céu e Balaguer consegue, por fim, penetrar no nosso país, visitar Fátima e encontrar-se com altos dignitários da Igreja Católica, incluindo o cardeal Cerejeira.»

Boa leitura!

19 de Maio, 2006 Palmira Silva

Tensão religiosa no Quénia

No passado dia 13 uma estação de rádio cristã na capital do Quénia, Nairobi, foi assaltada por homens mascarados que mataram duas pessoas e feriram várias. A estação foi parcialmente destruída pelo fogo depois dos assaltantes terem despoletado uma bomba incendiária.

A estação, Hope FM, da Igreja Pentecostal de Nairobi, passava à altura do ataque um programa em que eram comparados a Bíblia e o Corão, programa que mereceu ameaças por parte de alguns ouvintes, que ligaram para a estação exigindo que o programa fosse interrompido.

A polícia queniana está a investigar a origem dos telefonemas já que de acordo com os trabalhadores da estação os assaltantes gritaram com os produtores do programa que estes não tinham atendido aos seus telefonemas. E ordenaram a um técnico para calar a estação.

O ataque surgiu uns escassos dois meses depois de um jornal, o Standard, e a estação de televisão KTN terem sofrido um ataque semelhante perpetrado por forças policiais a mando do ministro da Segurança, John Michuki, que achou inadmissíveis as críticas ao governo destes dois orgãos da comunicação queniana.

19 de Maio, 2006 Palmira Silva

Estreia do Código da Vinci adiada na Índia

A estreia do filme Código da Vinci, um sucesso de bilheteira garantido não obstante as críticas negativas e o acolhimento gélido em Cannes, tem deixado as hostes católicas em polvorosa.

Um pouco por todo mundo os dignitários católicos multiplicam-se em iniciativas contra o que consideram injúrias e mentiras sobre a sua mitologia. Especialmente depois de uma pesquisa divulgada na terça-feira ter indicado que «O Código Da Vinci» abalou a fé na Igreja Católica e prejudicou enormemente a sua credibilidade. Em particular a credibilidade do Opus Dei fica pelas ruas da amargura já que depois da leitura do livro as pessoas ficam quatro vezes mais propensas a ver na Opus Dei uma seita assassina.

Assim não é de estranhar que o Opus Dei tenha criticado duramente não só o filme mas também o grupo Sony depois de confirmar que foram mantidas as cenas do romance «que são falsas, injustas e ofensivas aos cristãos». Manuel Sánchez Hurtado, do Escritório de Informação da Opus Dei em Roma, lembrou que, durante os últimos meses, muitos católicos, cristãos, judeus, muçulmanos (uma clara alusão à guerra dos cartoons) e outros crentes clamaram por respeito, «mas parece que não tiveram êxito».

O Opus Dei tentou, sem sucesso, que a Sony-Columbia retirasse do filme todas as referências à Obra no romance de Dan Brown, em que é apresentada como uma perigosa seita.

Sánchez Hurtado afirmou, quiçá em lamento, que os cristãos «sempre reagiram perante a falta de respeito com uma atitude pacífica, buscando o diálogo e evitando o conflito». Mas o porta-voz da Opus assegurou que este episódio pode servir para que os cristãos «levem mais a sério a fé e para que todos aprendam a compreender e a respeitar os demais».

Não sei se o ciliciado Hurtado pretendia com esta última afirmação referir-se aos católicos indianos, que pretendem ensinar a Dan Brown o respeito pela mitologia católica oferecendo uma recompensa pela sua cabeça, e que conseguiram do governo indiano um adiamento da estreia do filme e muito provavelmente a proibição deste filme na Índia.

De facto, o polémico filme chegou a ser aprovado nesta segunda-feira pelo controle de censura indiano, sem cortes, embora tenha sido classificada para adultos e tenha sido decretado a passagem de uma mensagem dizendo que o filme «é pura ficção e não está baseado em nenhuma pessoa viva ou morta». Mas posteriormente o Ministério de Informação e Difusão da Índia anunciou o adiamento da estreia , três dias antes da data prevista.

O ministro de Informação, Priya Ranjan Dasmunsi, explicou que quinta-feira iria assistir ao filme com líderes religiosos cristãos, antes de tomar uma decisão final, a ser comunicada hoje. Não é muito complicado de prever que o filme será proibido na Índia já que o ministro afirmou:

«Se houver alguma questão que afecte as suas sensibilidades, então não permitiremos a exibição do filme».

Assim, os menos de 2% de católicos indianos conseguiram impôr pela força a censura ao filme!

18 de Maio, 2006 Carlos Esperança

Turquia – Um juiz morto em nome de Deus

Na sequência do artigo «Fundamentalismo islâmico na Turquia», da Palmira, face à gravidade e importância do crime, volto ao assunto.

O assassinato de um juiz turco por um crente exaltado é um sinal de alerta para os perigos que correm as sociedades democráticas.

Ao grito de «Deus é o maior», o facínora de Alá, fanatizado pelos sequazes do profeta Maomé, virou a sua sanha para os juizes do Supremo Tribunal Administrativo, ferindo vários, um deles mortalmente, movido pelo ódio aos que defendem um estado laico.

O juiz assassinado e outro ferido eram conhecidos pela coerência com que defendiam a laicidade. Eram autores da decisão, de acordo com a Constituição, que proibia o uso do véu islâmico nas universidades e na função pública.

A deriva fundamentalista que varre as religiões do livro, os ódios acumulados pelos dignitários eclesiásticos que vêem na secularização a perda de prestígio e influência, a falta de cultura e excesso de fanatismo que exalta os crentes, estão na origem de guerras cujo fim não se vislumbra.

A separação da Igreja e do Estado foi imposta por Mustafa Kemal Ataturk com inaudita violência e radicalismo que colide com as sociedades abertas e multiculturais europeias, mas foi o fundador da Turquia moderna onde a paz religiosa persiste graças à contenção do clero e à proibição pública dos símbolos religiosos.

Perante as investidas clericais, que atacam a democracia e o direito à liberdade religiosa (direito de ter ou não ter religião, de ser crente, agnóstico ou ateu), está criado um clima de terror a que é preciso pôr cobro.

Da Arábia Saudita ao Vaticano, da Al-qaeda ao Opus Dei, do protestantismo evangélico dos EUA à Igreja ortodoxa de Atenas ou de Moscovo, dos bispos espanhóis aos mullahs espalhados pelo mundo, é preciso uma vacina que proteja os cidadãos dos métodos que as religiões usam para conquistar o Paraíso. Essa vacina chama-se laicidade.

«Deus é o maior», mas não é de tiranos que a humanidade precisa.

18 de Maio, 2006 jvasco

Porque sou ateu

Deus pode existir ou não existir.
O Pai Natal pode existir ou não existir.
Em volta de Plutão pode orbitar uma lata de Ice Tea ou não orbitar.

Se Deus não existir, faz todo o sentido que o mundo seja como é.
Há algumas questões profundas cuja resposta não concebo (o mistério da criação) mas às quais a religião também não responde de forma satisfarória.
De resto, se não existisse Deus, como seria o mundo? Como é.
A natureza, regulada por leis indiferentes aos valores e à ética de consciências cheias de sentimentos, desenvolveria aspectos revoltos, harmoniosos, violentos, desenvolveria e destruiria equilíbrios. Na esmagadora maioria dos planetas não existiria vida, e naqueles em que existisse, ela estaria sujeita às leis da selecção natural.
Seria natural que existissem bactérias, fungos, parasitas de toda a espécie. Seria natural que existissem animais que comem os seus filhos; seria natural que existissem gigantescas guerras, uma luta violenta pela sobrevivência; seria natural a doença, a extinção de diversas espécies. Seria natural o carinho, o amor entre animais de consciência mais evoluída (como acontece entre muitos mamíferos e não só).
A aparecerem seres humanos, ou seres vivos similares, seria natural que conseguissem usar instrumentos, inventar a escrita, manipular o mundo em seu redor. Seria natural o altruísmo, o egoísmo, o Amor e a maldade. Seria natural a guerra, a arte, a literatura, o racismo, o ódio, a intolerância, a fome, a entre-ajuda, a Ciência.
E seria natural que surgissem vários mitos, várias religiões. Com crentes convencidos de que as restantes religiões estão erradas, sem se convencerem pelos alegados milagres destas últimas, reconhecendo facilmente a fraqueza de tais indícios.

Mas se Deus existisse… o mundo deveria ser muito diferente.
Imaginemos o Deus da mitologia cristã, por exemplo.
Como explicar que um Deus perfeito que tanto nos ama tenha criado o Inferno onde, segundo está escrito na Bíblia, a esmagadora mairia das pessoas vai sofrer terrivelmente por toda a eternidade? Como explicar que esse castigo é justo, quando nenhum crime merece tal pena?
Raios! Eu até sou contra a pena de morte! Mas consta que o sofrimento no Inferno é bem pior que qualquer tortura física (como as da inquisição…). O criador de tal justiça poderia ser um «Deus de Amor»?

Há crianças que morrem com muito sofrimento à nascença. Deus teria criado um mundo em que a sua experiência de vida foi um grito de dor. A razão das mortes, da doença, da velhice, teria sido a escolha de Adão. Bonita alegoria, essa que condena a humanidade por ter provado o fruto do conhecimento, é do mais obscurantista que pode haver. Mas continua imperceptível a culpa da criança. Essa «culpa colectiva» à luz de um ser perfeito e justo, faz algum sentido? E as catástrofes, terramotos e tsunamis, que matam milhares de ser criados à “imagem e semelhança de Deus”? Também são culpa do pecado que colectivamente cometemos? Que sentido é que isto faz?

Se Deus me deu liberdade para escolher entre o bem e o mal, gostaria que a minha escolha fosse devidamente informada. Que custaria a um ser omnipotente que nos amasse explicar a cada um de nós as consequências dos nossos actos? Mostrar-me o Inferno, e explicar-me com muita clareza o que é o mal.
Sim, porque se eu fosse a seguir os conselhos da Igreja, bem podia ter morto vários soldados árabes no sec XII… Se a Igreja falha porque «é humana» (como os escândalos de pedofilia nos EUA bem o provam), porque é que Deus, que alegamente nos ama tanto, se arrisca a que façamos o mal, pensando que estamos a fazer o bem? Se arrisca a que morram os tais soldados árabes do séc XII? Dá muito trabalho aparecer? Gasta algum combustível?

Imaginemos o trabalho dos missionários quando chegaram a África. Eles acreditavam que estavam a dar àquelas pessoas a oportunidade de se salvar? Que os seus ascendentes arderiam no Inferno porque tinham tido o «azar» de não terem tomado contacto com os missionários? Que um Deus justo procederia dessa forma?

A Bíblia é muito clara: só por Cristo se chega ao Céu. Mas conhecer Cristo é em grande parte uma questão de sorte, e cerca de metade da população mundial não tem essa oportunidade. Que Deus justo planifica as coisas desta forma? Há alguma justiça nisto? Porque é que Jesus não aparece aos Chineses e Indianos? Desde a vinda de Jesus, houve gerações, centenas de pessoas, que nem com missionários tiveram contacto. São menos que os outros? Não merecem o Paraíso? Que justiça é esta?

Não. A Santíssima Trindade não faz sentido. É um excelente exemplo de Duplipensar.

Se um Deus justo e cheio de Amor, o natural seria que a cadeia alimentar não funcionasse como funciona. Que os Leões não tivessem de provocar rotineiramente cruel e derradeiro sofrimento nas gazelas para poderem sobreviver.
O natural seria que as bactérias não existissem, e que a vida consciente não estivesse sujeita a doenças e sofrimento arbitrário.
O natural seria que ninguém sofresse injustamente.

O natural seria que os ateus não existissem. Deus teria encontrado forma de se revelar a todos.
Mas por azar, quando Deus «se dá ao trabalho» de pôr o Sol às voltas em Fátima, em frente a vários milhares de pessoas, esqueceu-se de permitir que as máquinas fotográficas registassem o fenómeno. E esqueceu-se de muitos dos que lá estavam, também, visto que grande parte dos presentes não viu nada, para já não falar no resto da humanidade para quem o Sol (é o mesmo!) ficou quieto no seu lugar. Tudo isto seria fácil de explicar se Deus não existisse…

O natural seria que não existissem várias religiões completamente análogas, todas com mensagens religiosas de ódio em relação às outras – este ódio mútuo, inscrito nos diversos livros sagrados, seria naturalíssimo se nenhum Deus existisse – e é o que acontece!

Enfim…
Se Deus não existisse, o natural seria que o mundo fosse como é.
Se Deus existisse, seria muito bizarro que o mundo fosse como é.
Mas o mundo é como é…

Voltarei a este tema.

17 de Maio, 2006 Carlos Esperança

O santo fundador do Opus Dei

Quando a catequese era obrigatória, sob pena de os pais dos meninos serem acoimados de comunistas, maçons ou judeus, com os riscos que representava, as minhas catequistas falavam-me de um Deus apocalíptico, vingativo e cruel, um indivíduo tenebroso e com grande poder, ansioso de nos enviar para o Inferno.

Os santos eram pessoas de bem que aguardavam séculos para que a santidade lhes fosse reconhecida e as virtudes divulgadas. O tempo abolia defeitos e ampliava as qualidades.

Era assim quando o fabrico de santos era artesanal e a ICAR pouco mais fazia do que apoiar a aclamação popular de pessoas lendárias que preenchiam o imaginário beato e supersticioso dos meios embrutecidos pela fé.

O fabrico industrial e a pressa de canonizar alguns biltres levou à paranóia dos milagres e à elevação aos altares de indivíduos pouco recomendáveis e com defeitos conhecidos.

Santo Escrivá é um caso de sucesso a obrar milagres e uma nódoa caída no pano da igreja romana. Falsificou o nome de José Maria para «Josemaria» e comprou um título nobiliárquico para fazer esquecer a ascendência e a falência paterna nos negócios.

O seu apoio a Franco é uma lástima para quem seguiu a carreira da santidade. O Deus de Escrivá era cruel e o devoto tinha o pio costume de usar um cílio, mortificar-se e salpicar as paredes da casa de banho com sangue. Aceito que merecesse o castigo mas fica a péssima impressão do sadismo do seu Deus e do masoquismo do apóstolo.

Na segunda metade da década de sessenta do século que foi, eram tantos os ministros de Franco, do Opus Dei, que os historiadores têm fundadas razões para pensar que a seita tentou conquistar o Estado espanhol – e quase o conseguiu.

Ruiz-Mateos admitiu ter dado cerca de 4 mil milhões de pesetas à Obra durante os 23 anos de vida da Rumasa, uma empresa (outra foi a Matesa) cuja falência protagonizou o maior escândalo financeiro de Espanha e chamuscou o Opus Dei.

Michele Sindona, um banqueiro com fortes ligações à Máfia, foi envenenado na prisão com uma chávena de café. Roberto Calvi, foi encontrado enforcado debaixo da Ponte de Blackfriers, em Londres. Ruiz-Mateus foi preso e abandonado. O arcebispo Marcinkus só não foi julgado pela justiça italiana porque JP2 o protegeu e impediu a extradição.

Estes e outros nomes estão presentes quando se fala da Obra do santo Escrivá.