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O pensamento de Josemaría Escrivá (1): humilhação

A principal obra de Josemaría Escrivá, o fundador do Opus Dei, chama-se Caminho e consiste em 999 «considerações espirituais». É uma leitura imprescindível para quem queira compreender a autêntica «lavagem ao cérebro» a que esta organização submete os seus membros.

Os temas recorrentes do livro (para além do apelo à oração e outras trivialidades cristãs) são a humilhação e a obediência. A intenção, como se compreende pela leitura do livro e pelas descrições conhecidas do funcionamento interno da organização, é a mesma de qualquer outra seita em que se submete o indivíduo para melhor o utilizar: destruir tudo o que estrutura a personalidade do sujeito, nomeadamente o seu orgulho e os seus instintos, fazendo dessa terraplanagem da personalidade uma virtude, e recompensando-a com a progressão dentro da organização. As citações seguintes, todas retiradas do livro Caminho, ilustram a glorificação da humilhação segundo Josemaría Escrivá.

  • «- Nega-te a ti mesmo. – É tão belo ser vítima.» (175) «Quando te vires como és, há-de parecer-te natural que te desprezem.» (593) «Não te esqueças de que és… o depósito do lixo. (…) Humilha-te; não sabes que és o caixote do lixo?» (592) «Não és humilde quando te humilhas, mas quando te humilham e o aceitas por Cristo.» (594) «Mortificação interior. – Não acredito na tua mortificação interior, se vejo que desprezas, que não praticas a mortificação dos sentidos.» (181) «Onde não há mortificação, não há virtude.» (180)

Escrivá encoraja os seus seguidores não apenas a humilhar-se ou a fazer humilhar-se por outros (convido o leitor a imaginar a cena…), mas convence-os também a procurar activamente a dor moral e até física que, numa inversão de valores típica do pensamento católico, considera «bendita».

  • «Bendita seja a dor. Amada seja a dor. Santificada seja a dor… Glorificada seja a dor!» (208) «Se sabes que essas dores – físicas ou morais – são purificação e merecimento, bendi-las.» (219) «Não esqueças que a Dor é a pedra de toque do Amor.» (439)

Escrivá encoraja ainda os seus adeptos a reprimirem ferozmente os instintos mais naturais de qualquer animal (comer e procriar), elevando sempre a repressão destes instintos a virtude. É evidente que quer os prazeres da cama quer os prazeres da mesa podem desviar as suas ovelhinhas do rebanho, e «perdê-las» da seita…

  • «Quando te decidires com firmeza a ter vida limpa, a castidade não será para ti um fardo: será coroa triunfal.» (123) «O matrimónio é para os soldados e não para o estado-maior de Cristo. – Ao passo que comer é uma exigência de cada indivíduo, procriar é apenas uma exigência da espécie, podendo delas desinteressar-se as pessoas individualmente. (…)» (28) «A gula é um vício feio. (…)» (679) «À mesa, não fales de comida; isso é uma grosseria, imprópria de ti. (…)» (680) «No dia em que te levantares da mesa sem teres feito uma pequena mortificação, comeste como um pagão.» (681)

Portanto, qualquer membro do Opus Dei se deve privar, em todas as refeições, de enchidos ou de açúcar no café, de água ou de vinho, de sobremesa ou de prato principal, como forma de «mortificação». Assim se assegura que o membro não se distraia perante uma mesa cheia de bons petiscos e bons vinhos. (Felizmente existe o contrário desta vida castradora: as delícias do hedonismo…)

O corpo, porque pode levar o jovem a desviar-se do caminho, é visto, obviamente, como um inimigo a tratar com violência, e a auto-tortura é inevitavelmente considerada uma virtude.

  • «Se sabes que o teu corpo é teu inimigo, e inimigo da glória de Deus, por sê-lo da tua santificação, porque o tratas com tanta brandura?» (227)

Convencido o jovem de que é «lixo», destruído o seu amor-próprio e controlados os seus instintos mais naturais, o «lixo» pode ser reciclado. Como? Obedecendo…

  • «Padre: como pode suportar todo este lixo? – disseste-me, depois de uma confissão contrita. Calei-me, pensando que, se a tua humildade te leva a sentires-te isso – lixo, um montão de lixo – ainda poderemos fazer algo de grande da tua miséria.» (605)

É neste ponto, quando a personalidade do jovem está submetida, que Escrivá lhe recomenda que se entregue aos pés de um «director espiritual» que o dirija, pense por ele, escolha livros por ele, e possivelmente lhe dê ordens não apenas «espirituais»…

(continua)

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