2 de Abril, 2006 Palmira Silva
Ciência sob ataque dos teocratas
Na próxima semana um dos artigos que poderá ser apreciado na revista científica American Heart Journal apresenta o trabalho de uma equipa que estudou durante dez anos os efeitos da oração em cerca de 1800 pacientes sujeitos a bypass cardíaco.
Este estudo, com um financiamento de 2.4 milhões de dólares, foi financiado pela Fundação John Templeton, uma instituição que pretende de facto destruir a «fronteira entre teologia e ciência» não esclarecer qualquer ponto sobre esta fronteira. De facto, os teocratas americanos trabalham arduamente para não só desacreditar quer a ciência quer o direito, produtos meramente humanos, como para substituí-los pela «ciência» e justiça «divinas».
Os esforços dos teocratas americanos em introduzir idiotias religiosas sortidas nos debates científicos e legais, de que o neo-criacionismo, o aborto ou a homossexualidade são apenas exemplos, deve ser encarado e combatido pelo que de facto é: uma campanha para destruir a honestidade intelectual e os progressos civilizacionais permitidos à Humanidade pela exclusão de Deus da res pública.
Com esta campanha os teocratas transformam factos científicos em opiniões, passam a mensagem de que só a ideologia religiosa é verdadeira e tentam alterar factos que negam esta ideologia. Hannah Arendt chamou a este esforço «relativismo nihilista» embora a melhor frase que o descreve seja insanidade colectiva.
De qualquer forma, o esforço (e dinheiro, muito dinheiro) investidos no descrédito da ciência foram completamente contraproducentes neste caso: o estudo indica que aparentemente os crentes não têm muita confiança na mitologia que fabricaram. Os investigadores dividiram os pacientes em três grupos, um em que os seus membros sabiam que ninguém rezava por eles; um grupo de controle que tinha os membros das 3 congregações de rezadores a pedir «o sucesso da cirurgia e uma recuperação rápida e saudável, sem qualquer complicação» mas não sabiam das rezas e um terceiro grupo em que os pacientes sabiam que estavam a rezar por eles.
O estudo não encontrou diferenças estatísticas entre os dois primeiros grupos, 52% deles tiveram complicações pós-cirúrgicas. Menos 7%, uma diferença significativa, dos que sabiam estar alguém a rezar por eles e dos quais 59% tiveram problemas após a cirurgia.
Numa altura em que a América actual emula o período em que Galileu foi perseguido pela Igreja Católica por manter que a Terra não era o centro do Universo, este estudo assim como a divulgação da fraude que foi o análogo que pretendia demonstrar os benefícios da oração em tratamentos de fertilidade, pode ajudar a acabar com a promiscuidade entre ciência e religião.
De facto, o cristão renascido G. W. Bush desbarata milhões de dólares em investigação pseudo-cientifica e compromete a ciência americana enchendo os organismos públicos de fanáticos religiosos, o caso mais notório sendo a Food and Drug Administration.
Sobre o tema recomendo um artigo imprescíndivel de Michael Specter na New Yorker de 13 de Março que denuncia o clima quasi inquisitorial contra a ciência instalado pela administração Bush.
E relembrando um tema recorrente nas homilias do nosso cavaleiro da pérola redonda, que elaborou ainda mais a sua cruzada anti-ciência, num circunlóquio de êxtase místico, livre de qualquer contaminação de racionalidade no último momento zen de segunda, não pensemos que estes ataques se restringem aos Estados Unidos. Os fundamentalistas cristãos de qualquer nacionalidade veêm na ciência o pior inimigo da fé já que as religiões surgem e desenvolvem-se para preencher o papel hoje ocupado pela ciência: as cruzadas anti-ciência são indissociáveis do fundamentalismo…