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Mês: Abril 2006

18 de Abril, 2006 Palmira Silva

Imagine

Imagine there’s no heaven,
It’s easy if you try,
No hell below us,
Above us only sky,
Imagine all the people
living for today…

Imagine there’s no countries,
It isnt hard to do,
Nothing to kill or die for,
No religion too,
Imagine all the people

living life in peace…

As maravilhas da tecnologia digital: G. W. Bush canta o «Imagine» de John Lennon.

18 de Abril, 2006 Palmira Silva

Os IDiotas e o Tiktaalik roseae

Os criacionistas americanos estão com alguns problemas em digerir o Tikataalik rosae, o fóssil descoberto recentemente que constitui mais um elo ilustrativo da evolução de alguns peixes para animais terrestres.

Achei deveras divertida a resposta do templo da IDiotia, o Discovery Institute, que clama que o fóssil não constitui uma ameaça para as suas pretensões neocriacionistas uma vez que não é de facto uma espécie de transição:

«Estes peixes não são espécies intermédias, explicaram os cientistas do Discovery Institute que questionei sobre a descoberta. Não são intermédios no sentido que são meio peixe/meio tetrápode. Pelo contrário, eles têm algumas características de tetrápodes».

Os IDiotas tentam assim «sossegar» os devotos americanos com mais um disparate, nomeadamente que uma espécie intermédia teria necessariamente de apresentar 50% de características de peixe e 50% de tetrápode (não sei muito bem quem avaliaria se faltavam umas décimas …)

Esta explicação é de facto a IDiotia no seu esplendor muito bem desmontada numa série de posts em diversos blogs de ciência americanos.

Mas o disparate total pode ser encontrado no Respostas no Genesis, um site criacionista puro e duro, que discute apenas a notícia desta descoberta no New York Time e não os artigos originais.

Aparentemente o que preocupa os devotos criacionistas, que carpem não terem sido oferecidos o direito ao contraditório, é o facto do público em geral ter sido informado de mais esta confirmação da evolução que negam. E apenas para o público em geral debitam uma série de enormidades sem pés nem cabeça, brilhantemente analisadas por quem de direito, um cientista que trabalha exactamente nestes peixes, os ancestrais de todos os vertebrados terrestres.

Tal como explica este vídeo «educacional», «Teoria [científica], facto ou ficção?», em que um jovem trata do dilema que «aflige» muitos outros jovens americanos: a escolha entre a fé e a ciência, são necessários os conselhos dos «bons pastores» para os manter no «bom caminho» e longe da tentação da racionalidade…

Conselhos que por cá são dados pelo representante-mor do Vaticano local que adverte os católicos portugueses para os perigos da ciência e da análise racional, destacando que «os discípulos de Cristo não podem cair nesta tentação [usar a razão]».

17 de Abril, 2006 jvasco

Causas sociais do Ateísmo

Foram feitos vários estudos, pela parte de diferentes autores, tendo como por objectivo determinar a percentagem de ateus nos diferentes países do mundo. Phil Zuckerman compilou os dados de muitos desses estudos para produzir um trabalho denominado «Atheism: Contemporary Rates and Patterns» («Ateísmo: Taxas e Padrões Contemporâneos»)
Depois de uma extensa exposição de todos os estudos de opinião em que se baseou (cerca de uma centena), Zuckerman elabora uma lista de países por ordem da percentagem de ateus que existem. Zuckerman também deixa claras todas as ressalvas relativas aos vários erros que podem ocorrer nos diferentes estudos de opinião. Na Arábia Saudita a percentagem de ateus está provavelmente sub-estimada, e na China estará sobrestimada, por exemplo. De qualquer forma, Zuckerman tira conclusões do vasto conjunto de dados que apresenta acerca da explicação que pode existir para as elevadas taxas de descrença. Vou traduzir parte dessas conclusões:

«O que é que causa a gritante diferença entre as nações em termos da taxa de descrença? Porque é que quase todas as nações de África, América do Sul e Sudeste Asiático contêm quase nenhum ateísmo, mas em muitas nações europeias os ateístas existem em abundância? Há numerosas explicações (Zuckerman, 2004; Paul, 2002; Stark and Finke, 2000; Bruce, 1999) Uma teoria liderante vem de Norris and Inglehart (2004), que defendem que em sociedades caracterizadas por uma plena distribuição de comida, excelente serviço público de saúde, e habitação globalmente acessível, a religiosidade esvai-se. […]
Através de uma análise das estatísticas globais actuais de religiosidade em relação à distribuição do rendimento, equidade económica, gastos com a segurança social, e medimentos básicos da segurança ao longo da vida (vulnerabilidade quanto à fome, destares naturais, etc…) Inglehart e Norris (2004) defendem convincentemente que apesar de numerosos factores possivelmente relevantes para explicar a distribuição mundial da religiosidade, «os níveis de segurança da sociedade e do indivíduo parecem constituir o factor com mais poder explicativo» (p. 109). Claro que, como em qualquer teoria social abrangente, existem excepções. Os incontornáveis casos do Vietname (81% de descrentes) e da Irlanda (4-5% de descrentes) não correspondem ao que se esperaria através da análise de Inglehart e Norris.»

O autor acaba então por fazer uma distinção entre ateísmo orgânico: aquele que surge naturalmente nas sociedades sem qualquer encorajamento por parte do regime político, e o «ateísmo coercivo» que surgiu pela imposição política. Encontra então uma enorme correlação entre o ordenamento por ateísmo orgânico e o ordenamento por desenvolvimento humano. Mostra também que os países com maiores taxas de homicídios são todos extremamente religiosos.
Fica por explicar a excepção que a Irlanda constitui. Mas para mim, essa excepção é muito natural. A Irlanda é um país rico há pouco tempo, e a sociedade ainda não se adaptou a essa riqueza. Dentro de uns anos, parece-me, até a própria Irlanda confirmará esta tese.

17 de Abril, 2006 Palmira Silva

Agência de auxílio de emergência baseada na fé

Casas de New Orleans afectadas pelo furacão Katrina como esta foram consideradas em condições para serem ocupadas.

A Federal Emergency Management Agency (FEMA) notificou cerca de 8900 chefes de famílias de New Orleans, refugiados em Houston, que representam mais de 20 000 evacuados, que não serão elegíveis para assistência financeira.

A Hurricane Housing Task Force de Houston examinou algumas das casas declaradas habitáveis pela FEMA e declarou 70% destas impróprias para habitação.

A decisão da FEMA de recusa de auxílio financeiro a quem de facto necessita é ainda mais incompreensível e reprovável quando se sabe que esta agência estatal utilizou milhões de dólares dos contribuintes em subsíduos (supostamente reembolsos) a igrejas e organizações baseadas na fé envolvidas na operação Katrina.

Considerando que os americanos são extremamente generosos nos seus donativos, especialmente em casos de calamidades, que a Cruz Vermelha declarou ter recebido mais de 2 biliões (americanos) de dólares de donativos para auxílio às vítimas dos furacões Katrina, Rita e Wilma e que a lista que a FEMA divulgou para os americanos dirigirem donativos era praticamente constituida por organizações religiosas (e que incluía em lugar proeminente a organização dirigida por Pat Robertson), é caso para perguntar se de facto as organizações religiosas precisavam de dinheiro federal para atender às vítimas do Katrina. E se não seria melhor esse dinheiro federal ser directamente canalizado para as vítimas?

Parece que a administração Bush, que recentemente estabeleceu um Centro para Iniciativas Baseadas na Fé no Departamento de Segurança Nacional, está decididamente apostada na instalação de uma teocracia nos Estados Unidos!

16 de Abril, 2006 Palmira Silva

A paranóia dos teocratas


Concordo completamente com Bill Mahler: os fundamentalistas que ululam em prime time acusações de perseguição aos cristãos são demagogos, farsantes sequiosos de poder que seguem a receita que ao longo da História mostrou ser mais eficiente na angariação de clientes e na justificação de poder absoluto para os que clamam falarem em nome de deus. A vitimização e concomitante encenação de perseguições inexistentes é ainda indispensável para manter um fluxo confortável de doações monetárias.

Os crentes são muito fáceis de manipular com estas perseguições inventadas e com a perversão ideológica da religião tirada do seu horizonte místico e pessoal (onde não tenho qualquer objecção que se coloque) e transformada de maneira funcional num horizonte político. Manipulações feitas por teocratas absolutistas e fanáticos, obsecados em reger os comportamentos dos indivíduos afim de promoverem uma ordem cristã reduzida a um código penal que penalize como crime os «pecados» cristãos.

A «causa» cristã mais glorificada nos Estados Unidos (e não só, J.C. das Neves carpe reiteradamente nos momentos zen de segunda o seu martírio por esta causa) é o direito à intolerância. Uma estudante do Georgia Institute of Technology em Atlanta, Ruth Malhotra, pôs em tribunal uma acção contra a universidade que a impede de ser intolerante, isto é, de seguir fielmente os preceitos da sua fé cristã que segundo a devota estudante a compele a falar contra a homossexualidade.

Malhotra pretende com a sua acção judicial que a Universidade revogue a sua política de tolerância e junta-se a uma campanha crescente que pretende forçar as escolas públicas e locais de trabalho privados a eliminarem políticas que protegem os homossexuais de perseguição e discriminação.

O reverendo. Rick Scarborough afirma o movimento em que a acção de Malhotra se insere como a luta cívica do século XXI: «Os cristãos têm de tomar uma posição forte pelo direito de serem cristãos [isto é, intolerantes]».

Assim, a Christian Legal Society, uma associação de juizes e advogados, formou um grupo nacional para revogar nos tribunais federais as políticas de tolerância actuais.

Lá como cá a tolerância e o respeito pelos outros (que não envolve, como é óbvio para todos menos os fanáticos religiosos, o respeito pelas ideias dos outros) estão cada vez mais sob ataque cerrado dos fundamentalistas de todas as cores.

15 de Abril, 2006 Palmira Silva

Segurança nacional baseada na fé

Na altura em que descobri um artigo do National Catholic Reporter em que é comentado um estudo do Pew Research Center que revela que os americanos seculares (grupo que inclui ateístas e agnósticos) são os que mais desaprovam o uso de tortura – em contraste os católicos, 72%, são os que mais o consideram justificado – leio igualmente que a Casa Branca estabeleceu um Centro para Iniciativas Baseadas na Fé no Departamento de Segurança Nacional.

Entre as tarefas assacadas aos crentes que integrarão este Centro está «o desenvolvimento de inovadores programas piloto e de demonstração para aumentar a participação de organizações baseadas na fé em iniciativas Federais assim como estaduais e locais». Certamente que os americanos se sentirão mais seguros sabendo que uma série de pessoas pagas pelos impostos de todos rezarão fervorosamente no caso de alguma calamidade, natural ou outra, atingir os Estados Unidos.

Entretanto, e igualmente no mês de Março, Gregg Martin foi elevado a general brigadeiro. O general Martin é certamente muito conhecido pelo seu trabalho clássico, «Jesus, the Strategic Leader», que lhe valeu uma progressão meteórica na carreira militar.

Menos sorte teve Peter Smith, um fotógrafo free lance, que foi despedido de um jornal católico de Boston, para o qual trabalhava há 10 anos. Smith cometeu uma heresia inadmissível: forneceu ao Boston Herald uma foto do juiz do Supremo Tribunal, o Opus Dei Antonin Scalia, a fazer um gesto rude com os dedos. O gesto foi dirigido aos repórteres que o interrogavam sobre o possível questionamento da sua imparcialidade em decidir assuntos que envolvam a separação da Igreja e do Estado à saída da missa na Catedral Holy Cross. O Boston Herald tinha publicado previamente a notícia sem confirmação visual e o seu corpo editorial tinha sido acusado pelo juíz de «ver demasiados episódios dos Sopranos». A foto que valeu o despedimento com «justa causa» de Peter Smith deu razão ao jornal

Scalia é o grande paladino do direito à vida de óvulos e espermatozóides que nega qualquer direito aos detidos em Guantanamo, nomeadamente considera não terem o direito a serem julgados em tribunais civis:

«Estrangeiros, em países estrangeiros, não têm qualquer direito ao abrigo da Constituição Americana»

15 de Abril, 2006 Palmira Silva

Ah! Rio de me ver tão bela neste espelho


Uma professora de música, Tresa Waggoner, de Bennett, uma pequena cidade do Colorado, cerca de 54 km a leste de Denver, foi suspensa em Janeiro último por ter mostrado aos respectivos alunos um vídeo da ópera Fausto.

Tresa, uma ex-cantora de ópera, resolveu mostrar aos alunos excertos da referida ópera numa preparação para o espectáculo que os cantores da Opera Colorado iam executar a seu convite na escola primária de Bennett.

Alguns pais queixaram-se que os seus filhos ficaram «traumatizados» depois de verem e ouvirem a famosa soprano Joan Sutherland e marionetas cantarem o Fausto de Goethe na versão de Charles François Gounod. Os devotos pais acusaram ainda Tresa de ser uma adoradora do diabo e uma lésbica que promovia a homossexualidade aos alunos.

Em resposta às queixas dos pais, o superintendente George Sauter suspendeu Tresa até Agosto, data em que o seu contrato terminava, informando-a de que não seria readmitida. Tresa procura agora emprego fora de tão piedosa e temente a Deus comunidade.

A pressão de devotos cristãos foi igualmente a razão do pedido de demissão da professora de teatro de uma escola secundária de Fulton, no estado de Missouri, o tal que agora tem o cristianismo como religião oficial, que preferiu demitir-se a ser despedida depois de membros da Callaway Christian Church se terem carpido do conteúdo das peças que estavam sendo encenadas nas suas aulas. Os alunos de DeVore iriam apresentar a peça «The crucible» (ou As Bruxas de Salém), de Arthur Miller, um drama que retrata a caça às bruxas no século XVII.

15 de Abril, 2006 Palmira Silva

1506-2006: O massacre de Lisboa


«No mosteiro de São Domingos da dita cidade estava uma capela a que chamava de Jesus, e nela um crucifixo, em que foi então visto um sinal, a que davam cor de milagre, com quanto os que na igreja se acharam julgavam ser o contrário dos quais um cristão-novo disse que lhe parecia uma candeia acesa que estava posta no lado da imagem de Jesus, o que ouvindo alguns homens baixos o tiraram pelos cabelos de arrasto para fora da igreja, e o mataram, e queimaram logo o corpo no Rossio. Ao qual alvoroço acudiu muito povo, a quem um frade fez uma pregação convocando-os contra os cristãos-novos, após o que saíram dois frades do mosteiro, com um crucifixo nas mãos bradando, heresia, heresia,
(…)
tirando-os delas de arrasto pelas ruas, com seus filhos, mulheres, e filhas, os lançavam de mistura vivos e mortos nas fogueiras, sem nenhuma piedade, e era tamanha a crueza que até nos meninos, e nas crianças que estavam no berço a executavam, tomando-os pelas pernas fendendo-os em pedaços, e esborrachando-os de arremesso nas paredes.»

Damião de Góis in «Chronica do Felicissimo Rey D. Emanuel da Gloriosa Memória».

O Nuno Guerreiro do excelente «Rua da Judiaria» recorda numa série de posts detalhes de um massacre que muitos prefeririam não fosse recordado.

Um massacre que fez mais de 4 mil mortos – anussim, judeus portugueses, homens, mulheres e crianças, assassinados em três dias sangrentos, 19, 20 e 21 de Abril de 1506.

Eu pessoalmente respondo ao repto lançado pelo Nuno e dia 19 de Abril podem encontrar-me no Rossio a acender uma vela simbólica para recordar as vítimas da intolerância religiosa. Uma vela completamente ateísta, uma vela de defesa da memória.

Porque também considero ser imprescíndivel «mostrar – provar mesmo – a necessidade absoluta e irredutível da memória».

14 de Abril, 2006 Palmira Silva

Popetown: dois pesos, duas medidas

Aquela que é considerada «a mais hilariante série televisiva dos últimos tempos», Popetown, estreia no próximo dia 3 de Maio na MTV germânica entre um coro de protestos e ameaças de procedimentos legais do Comité Central dos Católicos Alemães (ZdK) e da Conferencia Episcopal Alemã (CEA) .

A polémica série de desenhos animados protagonizada pelo Papa Nicholas, um pontífice «louco e excêntrico» de 77 anos, fruto da colaboração entre a BBC3 e o Channel X, nunca passou no Reino Unido devido à pressão de grupos católicos.

Como seria expectável, foi despoletada uma cruzada na Alemanha contra a série que incluiu, como referiu o Carlos, o anúncio respectivo. A Conferencia Episcopal Alemã (CEA) considera o anúncio da MTV nas revistas de programação televisiva uma provocação ultrajante aos cristãos, opinião ecoada pelo ZdK que acrescenta que o anúncio «arrasta a fé cristã na lama».

Mais um caso em que se confirma que a defesa da liberdade de expressão e os protestos contra as leis da blasfémia por parte dos cristãos em geral e dos católicos em particular se restringem aos países em que o cristianismo é minoritário. Nos países onde são maioritários já consideram perfeitamente legítimo exigir «parem de pisar os sentimentos religiosos dos cristãos». E ululam ser um «ataque directo à crença cristã» um anúncio tão inócuo (e divertido) como o reproduzido.

14 de Abril, 2006 Palmira Silva

Eu também concordo com o arcebispo

Como foi indicado pelo Ricardo Alves, Lawrence Saldanha, arcebispo católico de Lahore, lidera a campanha pela abolição do delito de blasfémia no Paquistão. O arcebispo, que preside também à Conferência Episcopal católica do Paquistão, defende a revogação dos preceitos B e C do artigo 295º do Código Penal paquistanês, que criminalizam a crítica do Corão e de Maomé, respectivamente.

Este artigo, introduzido em 1988, tem sido utilizado como desculpa para perseguir cristãos neste país, queimar igrejas e assassinar blasfemos, bastando para isso que se ululem acusações de blasfémia e se produza um Corão «vandalizado».

O caso mais recente de blasfémia é uma paquistanesa cristã, Naseem Bibi, descrita como tendo atraso mental, que foi acusada de vandalizar uma imagem da Kabah, o templo sagrado do Islão na Arábia Saudita. A acusada, confinada á solitária e sem direito a fiança, aguarda julgamento em completo isolamento. O marido e os filhos foram forçados a sair de casa com medo de retaliação por parte de extremistas muçulmanos.

Esperemos que a história de Naseem não termine como a de uma sua homónima igualmente acusada de blasfémia, que morreu na cadeia em 2003, enquanto aguardava julgamento.

A Comissão de Direitos Humanos do Paquistão manifestou então a sua preocupação pelo número elevado de acusados de blasfémia que morriam nas prisões em circunstâncias no mínimo suspeitas, quando não configuravam claramente assassinatos.

Para a minha moral ateísta e humanista criminalizar a blasfémia é uma abominação comparável a outras abominações do passado, sancionadas e defendidas pelas religiões, como seja a escravatura. Aliás o próprio conceito de blasfémia é em si uma abominação anacrónica, que nesta altura e no rescaldo da guerra dos cartoons, ameaça as próprias fundações da nossa civilização ocidental.

Mas a Igreja Católica que tanto se indigna com as leis da blasfémia em locais onde é minoritária, carpindo a alto e bom som os «mártires» da intolerância alheia, nos países onde é maioritária clama que «O respeito pelo sagrado é algo que a cultura não pode pôr em questão, mesmo em nome da liberdade».

Cultura democrática assente na liberdade e respeito pelos direitos humanos, que incluem o direito à blasfémia, e cultura democrática que segundo Ratzinger é um erro que nos conduziu ao «abismo» actual. Aliás, opinião que os católicos presentes no vergonhoso Prós& Contras de segunda-feira repisaram à exaustão (a propósito do programa, recomendo vivamente este post). Segundo o nosso cavaleiro da pérola redonda, numa prestação que ultrapassou todos os limites do decoro, paladino da moral e bons costumes que respeita os terroristas que chacinam infiéis em nome da religião, a suposta decadência europeia deve-se exactamente aos princípios básicos da democracia e à laicidade.

Apenas a laicidade e concomitante liberdade de expressão garantem a liberdade religiosa de todos, no Paquistão ou em qualquer local do mundo. Liberdade de expressão e laicidade em que assestam as baterias dos fundamentalistas de todas as religiões nos países em que são maioritários e que incoerentemente, como tudo nas religiões, defendem nos países onde são minoritários!