B16: balanço de um ano na luta católica contra a modernidade
Qual é o balanço de um ano de reinado de Bento 16, Papa dos católicos e monarca absoluto da última ditadura da Europa ocidental?
Para este ateu que acompanha, com justificada atenção, as actividades da maior organização totalitária e obscurantista do mundo, o primeiro ano de B16 evidenciou sobretudo um fechamento da ICAR em posições nitidamente mais clericais e mais obscurantistas do que as do seu antecessor. Se JP2 era um inimigo da liberdade mas apenas um conservador (com uma boa gestão da sua imagem mediática), B16 pretende ser um ideólogo reacionário (mas com uma imagem pública tão caricata que já foi «baptizado» com alcunhas como «Pastor Alemão» ou «Sapatinhos Vermelhos»…).
Politicamente, Ratzinger conseguiu acalmar os católicos de esquerda ao receber Hans Küng, embora simultaneamente desse passos muito mais significativos na direcção que lhe interessa, abrindo a porta aos católicos fascistas da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (a franja lunática, lefebvrista, do catolicismo, que é fanaticamente anti-semita, teocrática sem disfarces e abertamente defensora da Inquisição). Curiosamente, Ratzinger fora obrigado a promover a exclusão destes integristas (depreende-se agora que contra a sua própria vontade) quando era líder da Congregação para a Doutrina da Fé.
No geral, B-16 tem-se mostrado um continuador do combate de JP2 contra as liberdades. Beneficia de uma comunicação social condicionada pelo religiosamente correcto católico, de modo particularmente flagrante em Portugal, onde o repúdio claramente expresso de Ratzinger e de Policarpo pela liberdade de expressão não foi apontado por quase ninguém. E no entanto, esse foi um dos momentos em que ficou evidente que, ao contrário de uma ideia falsa que Ratzinger tenta fazer passar, os valores da ICAR de B16 estão mais próximos daqueles do Islão fundamentalista do que dos valores laicos que fundam as democracias europeias…
Na frente do combate contra a ciência, Ratzinger deu uma ajuda preciosa aos cristãos literalistas dos EUA ao aceitar o «Desenho Inteligente». Deve notar-se que, com Wojtyla, a ICAR tinha uma posição (prudente) que consistia ou em aceitar a teoria da selecção para todos os animais à excepção do animal humano, ou em até aceitar a teoria da evolução para a nossa espécie, mas «suplementada» com uma «inoculação da alma» em estágio evolutivo e momento histórico incertos. B16 começou por ser pressionado por um seu amigo (o Cardeal Schonborn) para que promovesse o obscurantismo criacionista. Após ceder a essa pressão, conseguiu ocultar mediaticamente a sua defesa do criacionismo ao permitir a um académico próximo do Vaticano um artigo do Osservatore Romano. Mas quem manda no Vaticano é o Papa, não um académico qualquer…
Em Janeiro, Ratzinger publicou a sua primeira encíclica, essencialmente uma crítica aos «católicos progressistas» que praticam a caridade motivados ideologicamente, mas que contém também uma condenação anacrónica do marxismo e umas banalidades sobre o «amor» (um sentimento que a ICAR começou a destacar apenas no século 20, numa das suas poucas adaptações inteligentes à modernidade).
Há um ano atrás, especulei sobre se alguns católicos sairiam da ICAR. Os exemplos parecem ser poucos, mas Ratzinger pode multiplicá-los. B16 fará com certeza alguns ateus, mas o mais importante é que gera um natural (e saudável) anticlericalismo. Eu, que sou ateu e anticlerical, nada tenho contra a fé quando genuinamente espiritual e portanto civicamente discreta. Mas combato o clericalismo pela ameaça que representa para as nossas liberdades e para o progresso da ciência. Ratzinger é a imagem quase perfeita do avesso da modernidade.
Adenda: o comunicado de imprensa do Vaticano sobre a crise dos cartunes (onde se diz que a publicação das caricaturas e a violência que se lhe seguiu são «igualmente deploráveis») e o discurso de Ratzinger perante os deputados do Partido Popular Europeu (onde B16 dá orientação de voto sobre questões legislativas em discussão na Europa) são dois documentos para ler e guardar.