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Mês: Março 2006

8 de Março, 2006 lrodrigues

A Mulher Católica

O dia 8 de Março é o «Dia Internacional da Mulher».

As principais religiões do mundo definem-se a si próprias como defensoras de princípios éticos de honestidade, de paz e de tolerância e amor ao próximo.
No entanto, o que é facto é que, na prática, TODAS ELAS – quer historicamente, quer ainda agora – acabam por ser acérrimas opositoras de quem não perfilha as mesmas ideias, ou de quem tão simplesmente pratica o culto ao seu Deus de modo distinto.
É mesmo das religiões que provêm os mais chocantes exemplos de intolerância e preconceito.
E, se a Igreja Católica Apostólica Romana não é excepção, ela caracteriza-se também pela mais profunda e abjecta homofobia e pela mais inqualificável misoginia.
Provavelmente mais ainda do que as restantes religiões.
Senão vejamos:
Logo nos princípios fundamentais das religiões cristãs, transmitidos directamente e sem intermediários pelo próprio Deus a Moisés, consta como mandamento: «não cobiçar a mulher alheia».
Ora, quer isto dizer que o próprio Deus reduziu a mulher a um mero e passivo objecto de cobiça, sem autonomia de vontade para a negar ou para lhe resistir.
E quer isto dizer que não resta ao homem outra alternativa para resguardar da cobiça alheia a mulher de que é “proprietário”, não a vontade da própria mulher (que a vontade da mulher não é para aqui chamada), mas somente o último recurso: a vontade divina.
E como a autoridade suprema só tem de legislar em função daquilo que é necessário e que é previsível que aconteça, nem sequer se deu ao trabalho de prever um mandamento que, reciprocamente, proíba a mulher de cobiçar o homem alheio.
Obviamente que a mulher não tem capacidade suficiente para levar a cabo uma tarefa tão masculina como é essa de «cobiçar».
Como está absolutamente fora de questão a própria mulher querer vir um dia… a ser cobiçada…
Na verdade, se alguma coisa é característica da Igreja Católica é o modo como a mulher é encarada como algo sujo e pecaminoso, um ser de segunda categoria e absolutamente desprovido de raciocínio, e que deve ao homem obediência cega.
O próprio celibato do clero não visa mais do que afastar todos aqueles santos homens, representantes de Deus na Terra, dessa coisa horrível que é a mulher, que só os distrai das sagradas tarefas de Deus e os aproxima inexoravelmente do pecado.
Principalmente desde o Século IV com Santo Agostinho (que deve ter sido um tarado sexual de primeira apanha), o próprio modo como a Igreja Católica encara o sexo – simplesmente como algo porco e um horrível pecado contra Deus – reflecte-se imediatamente no modo como é encarado o “objecto” desse sexo: a mulher.
Assim, como poderia a Igreja Católica permitir a ordenação dessa coisa suja e abjecta que é a mulher? A mulher nem sequer tem dignidade para ajudar à missa, quanto mais para ser padre!
Desde há séculos, a mulher não é mais do que o oposto polo aristotélico do homem, e não serve para mais do que, pela negativa, o afirmar positivamente.
Como o mal afirma o bem; como o negativo afirma o positivo.
E não são raros os exemplos históricos das mulheres que, por falharem nesse seu sagrado desígnio foram queimadas como bruxas.
Bastava que alguém desconfiasse que pensavam por si, ou que tão somente demonstrassem qualquer aptidão artística.
As próprias mulheres que se aproximaram de Deus, na pessoa de Jesus Cristo, são tratadas pela Igreja Católica com um machismo e uma misoginia que não se entende que ainda prevaleça e se aceite nos nossos dias.
Teria sido absolutamente normal que Jesus Cristo, afinal um homem, tivesse casado com Maria Madalena, a quem teria tratado como sua igual, e que teria sido sua fiel e confidente companheira.
E que o teria acompanhado nos momentos mais difíceis da sua vida. E que nunca o abandonou, nem mesmo na hora da sua morte.
Mas, como está absolutamente fora de questão que Jesus Cristo, Deus e filho de Deus, do alto da sua santidade de Espírito Santo se tenha alguma vez «conspurcado» pelo contacto com uma mulher, desde logo a Igreja Católica imediatamente reduziu a pobre Maria Madalena ao nível mais baixo do escalão mais baixo que já por si era como mulher: passou a ser uma prostituta.
Mas o exemplo mais paradigmático da misoginia da Igreja Católica é o que se passa com a própria mãe de Jesus Cristo, a Virgem Maria.
A Maria de Nazaré foi pura e simplesmente negado ser mulher.
E para que Maria pudesse ser mãe, mesmo sem ser mulher, foi então determinado que fosse virgem, obviamente por intermédio de um dogma, que é para não haver mais discussões.
De tal modo que ninguém se importou que com isso o carpinteiro com quem era casada fosse automaticamente transformado assim numa espécie de «corno manso», incapaz de consumar o seu próprio casamento.
Uma vez mais com a persistente ideia (que para mim é inegavelmente muito suspeita) de que o sexo não é uma coisa tão natural como comer ou dormir, mas antes uma coisa suja e pecaminosa, a Igreja Católica passou a tratar a mãe de Jesus como a «Virgem», a «Imaculada» ou outros impropérios do género, fazendo-a subir aos Céus toda ela, em alma e corpo, com hímen e tudo, sem sequer lhe dar direito a ter tido uma simples relação sexual na sua vida terrena.
Porque, para a Igreja Católica, depois de ter tido uma relação sexual a mulher nunca mais será a mesma e não serve já para mais nada.
Ao contrário do que acontece com o homem que, como toda a gente sabe, está acima dessas coisas.
Até o seu esperma é sagrado e não pode ser derramado inutilmente, sob pena de morte.
A mulher, não. Porque a mulher já foi «tocada». Já foi «suja». Já tem uma «mácula» que nunca mais sai.
E, nem que fosse só para ser mãe, uma mulher assim «manchada», já não poderia subir aos Céus.
Pois não é ter relações sexuais sinónimo de «pecar»?
E mais: assim numa coisa que parece muito próxima de uma vulgar e africana excisão ritual de clitóris, nem sequer foi dado a Maria de Nazaré o direito de subir aos Céus sem ter tido um orgasmo.
E agora é tarde, porque nos Céus não há cá dessas porcarias.
Porque, como é óbvio, Deus não quer.
Pois se Deus é pai, é filho e é espírito santo, então, e como toda a gente sabe, Deus… é HOMEM!
Uma coisa é certa:
Nunca deixará de me surpreender como é que uma MULHER, digna desse nome e orgulhosa da sua condição, pode em plena consciência intitular-se CATÓLICA!

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

8 de Março, 2006 Carlos Esperança

Mulher – Dia internacional

Nutro pelos dias do calendário, que a sociedade de consumo reverencia, saudável horror e o desprezo mais visceral.

No dia da mulher vacilo e soçobro. Evoco mãe e irmã e esmoreço; lembro companheira e amiga e descoroçoo. Lembro as mulheres, vítimas de todas as épocas, e enterneço-me.

Recordo a oração matinal dos judeus que convida os homens a bendizer Deus por tê-lo feito judeu e não escravo…nem mulher. Recordo a Tora que decidiu a inelegibilidade [da mulher] para funções administrativas e judiciárias e a incapacidade de administrar os próprios bens.

Lembro a submissão que o islão impõe, a burka que lhe cobre o corpo e oprime a alma, a lapidação, as vergastadas e a excisão. Os machos são superiores às fêmeas, «porque Deus prefere as homens às mulheres (IV, 34)».

A cultura judaico-cristã é misógina, submete e explora a mulher. Destina-lhe a cozinha e a procriação, a obediência e a servidão. É a herança que Abraão lhe deixou.

Quando a mulher irrompeu com a força contida por séculos de opressão, avançou nas artes, na ciência e na cultura, com o furor do vulcão que estoirou os preconceitos.

Antes do 25 de Abril, em Portugal, a mulher carecia de autorização do marido para transpor a fronteira, não tinha acesso à carreira diplomática ou à magistratura, nem à administração de bens próprios.

Não há países livres sem igualdade entre os sexos.

A libertação da mulher é uma tarefa por concluir, contra o peso da tradição, a violência dos homens, o abuso das Igrejas e os preconceitos da sociedade.

Hoje, dia internacional da mulher, é dia para, homens e mulheres, pensarmos que somos iguais. Todos os dias. Em qualquer lugar. Sempre.

Publicado simultaneamente no «Ponte Europa»

6 de Março, 2006 Ricardo Alves

Policarpo quer respeito mas não respeita

«Apesar do apregoado respeito pelas religiões e pela fé de quem acredita, alguns não hesitam em brincar com o sagrado; chegou-se mesmo a apregoar, em nome da liberdade, o direito à blasfémia. Fiquem sabendo que para nós que buscamos o rosto de Deus e procuramos viver a vida em diálogo com Ele, isso nos indigna e magoa (…) com o sagrado não se brinca. O respeito pelo sagrado é algo que a cultura não pode pôr em questão, mesmo em nome da liberdade. A todos esses que sentem não acreditar em Deus, eu digo em nome do povo crente: a vossa dificuldade em acreditar em Deus, não toca na realidade insofismável de Deus. Nós respeitamos a vossa descrença (…). Mas respeitai a nossa fé, (…) sobretudo respeitai Deus em quem acreditamos.»

José Policarpo inseriu novamente um pronunciamento político numa «homilia» (uma actividade que se supõe exclusivamente «espiritual»). Desta feita, o Cardeal-Patriarca formulou um pedido (ver mais acima), mas de uma forma (intencionalmente?) ambígua: não é claro se deseja uma lei que limite a liberdade de expressão criminalizando a blasfémia, ou se quer apenas que as pessoas se coíbam de exercer a sua liberdade quando isso lhe possa desagradar. Em qualquer dos casos, impôs limites aos que não cedem à «facilidade» de acreditar em «Deus»: não se pode troçar, diz ele, de «Deus», da «fé» e do «sagrado». O totalitarismo implícito no pedido é claro: Policarpo quer impôr a sua concepção do sagrado mesmo a quem não crê, e não exclui exigir leis que o ajudem nesse propósito (como, aliás, acontecia durante a Inquisição…). É caso para recordar que é fraca a fé que tem de ser protegida, pelas leis, de ideias contrárias, pois se fosse forte não necessitaria de exigir a quem não a partilha que se abstenha de a criticar.

Pessoalmente, tenho tanto interesse em insultar o «Deus» de Policarpo como o «Grande Manitu» ou o «Unicórnio Cor-de-Rosa Invisível». Porém, reservo-me o direito de dar uma resposta proporcional quando os católicos insultam a minha inteligência e a minha sensibilidade (o que acontece regularmente em Fátima), quando insultam as mulheres ou as minorias comportamentais (é desnecessário apresentar exemplos…), ou quando insultam os descrentes por o serem. E não o poderia fazer se houvesse um efectivo «delito de blasfémia», pois os insultos emitidos pela igreja de Policarpo estariam protegidos pelo carácter «sagrado» da sua sustentação dogmática…

Devo acrescentar que Policarpo, honestamente, não deveria preocupar-se tanto. Em Portugal, sem necessidade das leis liberticidas que ele parece desejar, vigora um consenso social que circunscreve e abafa a crítica à sua religião. Um exemplo: aquando da operação proselitista «Congresso da Nova Evangelização», Policarpo foi à televisão (pública) apoiado por dois católicos, para confrontar um único descrente (o grande José Barata Moura). No mesmo programa, e aquando da crise dos cartunes, havia um muçulmano entre seis participantes. Outro exemplo: alguma vez se ouve alguém dizer na comunicação social, em alto e bom som, que o Sol não pode estar a «mexer-se para cima e para baixo» em Fátima e quietinho em Lisboa? Não. Há muito respeitinho pelo catolicismo e pelas suas crenças, e sem este blogue haveria ainda mais. Último exemplo: na imprensa e aqui nos blogues, andou tudo a chamar nomes (geralmente, merecidos) a Freitas do Amaral e a outros por não defenderem a liberdade de expressão. Com a excepção admirável de Vasco Pulido Valente, muito poucos ousam agora criticar Policarpo por dizer a mesmíssima coisa(*). E porquê? Porque é o líder índigena da igreja supostamente maioritária. A esses, que há poucas semanas se deliciaram a atacar uma religião que em Portugal nem 30 mil seguidores deve ter, recordo que também o Vaticano afirmou que «a liberdade de expressão não pode incluir o direito de ofender os sentimentos religiosos dos crentes». Portanto, desafio-os a irem contra o «religiosamente correcto» católico e chamarem «islamófilo» e «inimigo do Ocidente» a Policarpo, e insinuarem que Ratzinger tem «ódio à nossa civilização» e que é um «apaziguador» (não se esqueçam de compará-lo com Chamberlain!). Onde está a vossa coerência, meus caros «guerreiros civilizacionais»?

(*) Adenda: outra excepção ao «religiosamente correcto» católico é Rui Pena Pires. De resto, a defesa da liberdade de expressão foi relativizada pelos «indefectíveis» do mês passado. É pena.
6 de Março, 2006 Ricardo Alves

A ciência explicará a religião

A religião é um fenómeno de origem humana, e portanto natural, que um dia poderá ser explicado pela ciência. Esta ideia simples, que me parece óbvia, está a causar alguma polémica nos EUA a propósito da publicação de «Breaking the Spell: Religion as a Natural Phenomenon», um livro de Daniel Dennet que tenta explicar o como e o porquê de os homens terem inventado os deuses.

Daniel Dennet parte do princípio, quanto a mim correcto, de que compreender a origem das religiões é antes de tudo um problema científico, porque a religiosidade é um aspecto comportamental específico da espécie humana que pode e deve ser estudado como qualquer outro comportamento. O livro irritou bastante um crítico literário do The New York Times, que viu nele «uma alegre antologia das superstições contemporâneas» e que chamou ao autor «naturalista», «materialista», «racionalista» e outros «istas» (como «ateísta») que eu só posso considerar elogios. Segundo as recensões já disponíveis, o autor usa essencialmente a biologia evolutiva e a economia como ferramentas para compreender a utilidade da religião na evolução social da humanidade. E argumenta que quando compreendermos o porquê de haver crentes (o que está longe de acontecer…) poderemos precaver-nos contra os piores aspectos da religião.

O facto de Daniel Dennet ser um ateu empenhado (e um dos proponentes do termo «bright» para designar livre-pensadores em geral) adiciona algum picante à polémica
6 de Março, 2006 Carlos Esperança

Em defesa da liberdade


Resposta a um crente islâmico

O Diário as Beiras (3/3/06) publicou uma carta do leitor Cheikh Brahim Abdellahi, sob o título «Em defesa de humanidade, profeta MOHAMED, paz esteja com ele», dirigida ao primeiro-ministro dinamarquês Anders Fogh Rasmussen, em que condena as caricaturas de Maomé e lhe exige, sem atraso, «que apresente desculpa não só ao mundo muçulmano, mas também a toda a humanidade, porque o profeta MOHAMED, a paz esteja com ele, representa a conclusão de todos os valores humanos nobres e que são respeitados por qualquer ser humano equilibrado».

Respeito as minorias mas respeito ainda mais, louvado seja o livre-pensamento, a verdade e a liberdade. Defendo os crentes mas reservo-me o direito de combater as crenças, louvado seja o livre pensamento.

Assim, permito-me esclarecer o devoto Cheikh de alguns equívocos:

1 – O primeiro-ministro dinamarquês é certamente leitor assíduo do «Diário as Beiras» mas não vai responder à sua exigência pelo facto de não poder, nem querer, abolir a liberdade de imprensa;

2 – Apesar do respeito que merece o profeta Maomé, louvado seja o livre-pensamento, as sociedades democráticas preferem o respeito pelos direitos humanos;

3 – O direito à liberdade de expressão é mais sagrado do que a alegada vontade de Maomé, Cristo ou Moisés;

4 – Em democracia a fé é facultativa, contrariamente à teocracia onde é obrigatória, e defende-se a liberdade de todas as religiões, bem como do agnosticismo e do ateísmo.

5 – Nos países laicos e democráticos ninguém é perseguido por razões religiosas e o direito de abandonar ou abraçar qualquer religião é defendido pelo Estado de direito.

Quanto aos valores humanos nobres, que invoca para Maomé, convém ter em conta:

I – Não são respeitados por todos os seres humanos equilibrados, como alega;

II – A democracia e a laicidade do Estado não são consentidas nos países muçulmanos;

III – O respeito pela igualdade entre os sexos não existe;

IV – A Declaração Universal dos Direitos do Homem é ignorada;

V – A decapitação, lapidação e tortura são práticas correntes.

Os Árabes que contribuíram para o humanismo e favoreceram o Renascimento europeu eram, então, mais tolerantes e cultos do que os cristãos mas, agora, regrediram e dão ao mundo exemplos de intolerância e fanatismo.

Não há, pois, uma guerra de civilizações. Há um antagonismo entre o islão político, de contornos fascistas, e a democracia, uma luta entre a civilização e a barbárie, um conflito entre a fé e a liberdade. Louvado seja o livre-pensamento.

Publicado simultaneamente no «Ponte Europa»

5 de Março, 2006 Palmira Silva

IDiotia e terror no Kansas

Em Novembro escrevi um post que relatava como o presidente do Departamento de Estudos Religiosos da Universidade do Kansas (KU), Paul Mirecki, farto das IDiotias que assolam o estado, ofereceu uma disciplina com o título «Tópicos especiais em Religião: Desenho Inteligente, Criacionismo e outras Mitologias Religiosas».

A posição de Mirecki, e de muitos mais docentes da Universidade, é, como seria normal, que «O criacionismo é mitologia. O desenho inteligente é mitologia. Não é ciência. Eles tentam fazê-lo passar por ciência. Mas obviamente que não é».

Hoje recebi um mail de uma das minhas amigas americanas que foi à KU dar uma conferência e me pôs ao corrente dos desenvolvimentos da temerária acção de Mirecki.

Os fundamentalistas cristãos do Kansas não gostaram do novo curso proposto, que ofendia as suas crenças religiosas, nem da troca de mails de Mirecki com um grupo de estudantes fundamentalistas cristãos, alguns com uma linguagem um pouco mais arrojada, é um facto, nomeadamente o que referia que o curso seria «uma estalada» na «cara gorda dos fundamentalistas», mas eram mails privados. Tornados públicos por um conservador pelo menos igualmente … sem papas na língua, que costumava referir a na época primeira dama Hillary Clinton como… Hitlary!

Dois fanáticos cristãos resolveram mostrar a sua indignação em relação às ofensas à sua fé e crenças. Mirecki foi espancado em Dezembro, menos de um mês depois do anúncio da nova disciplina!

Uns dias depois, Mirecki foi forçado a demitir-se da sua posição embora a KU, afirme que a decisão, assim como o cancelamento do curso, foi «voluntária». Mirecki no entanto afirmou que «A Universidade penalizou-me e negou-me os meus direitos constiticionais de falar e expressar a minha opinião», afirmando ainda que a sua carreira foi arruinada pelos fundamentalistas cristãos.

Pelo que a minha amiga me contou parece que a Cleveland Indy Media Center só não acertou no ponto de interrogação quando descreveu o ocorrido num artigo intitulado «Terror fascista no Kansas

5 de Março, 2006 Palmira Silva

Um juíz «independente»

Um dos primeiros actos de Samuel Alito, o ultra-conservador católico recentemente confirmado para uma posição (vitalícia) no Supremo Tribunal norte-americano, foi enviar uma nota a James Clayton Dobson, o influente teocrata que fundou e dirige a organização fundamentalista Focus on the Family.

Na carta, Alito agradece a Dobson todo o apoio que este e a organização que dirige lhe prestaram e promete que «durante o tempo que estiver no Supremo Tribunal [isto é, até morrer] terei presente a confiança em mim depositada”.

A organização Americans United for Separation of Church and State, que considera que esta carta é mais uma prova que o mais recente Opus Dei no Supremo está no «bolso» dos teocratas, já protestou o respectivo teor.

«O Juíz Alito deveria seguir a Constituição e não as ordens de Dobson e dos teocratas» afirmou o Rev. Barry W. Lynn, o director executivo da Americans United. «Esta nota sugere fortemente que Alito tem uma agenda de extrema-direita em vez de ser um juíz para todos». «É obscenamente desadequada. Alito parece um candidato político numa volta vitoriosa em vez de um juíz justo e independente».

Infelizmente a confirmação de Alito para o Supremo era indicação evidente das objecções agora expressas. Os Estados Unidos estão em risco de se transformarem numa teocracia cristã

5 de Março, 2006 Palmira Silva

Docência e discriminação

A Universidade de Charleston, na Virginia, uma instituição privada não-religiosa, alterou os termos de um anúncio de recrutamento para um professor de ética, depois do primeiro anúncio que exigia um docente que «deve apresentar uma crença em Deus e apresentar valores éticos e morais com uma perspectiva centrada em Deus» ter sido considerado em violação do artigo VII do Civil Rights Act.

Ian Ayres, da Yale University Law School e perito em direitos civis, afirmou na terça-feira, um dia depois do dito anúncio ter aparecido, que o anúncio era discriminatório em termos de religião e como tal uma violação dos direitos civis de ateus, agnósticos e crentes em religiões ateístas (como o budismo), opinião corroborada por Erwin Chemerinsky, um professor de direito na Duke University, que afirma que a nova redacção de angariação de pessoal docente é mais segura em termos legais.

Claro que a necessidade de não discriminação com base na religião se aplica apenas a instituições não religiosas. As Universidades confessionais podem discriminar à vontade desde que as «regras» para a discriminação religiosa sejam públicas. E estas regras não implicam apenas que ateus e agnósticos sejam personas non gratas no campus

Por exemplo, no início do ano o Wheaton College em Illinois despediu um professor de Filosofia, Joshua Hochschild, depois de este se ter convertido ao catolicismo.

Nesta Universidade os docentes são obrigados a assinar uma declaração de fé que, de acordo com a «Missão» da instituição, é um sumário da doutrina bíblica em acordo com o cristianismo evangélico e enumera as crenças que todos os funcionários devem ter: o Antigo e Novo testamentos «são completamente verdadeiros e de autoridade suprema e final», o nascimento livre de pecado original de Jesus (a virgindade de Maria, não o dogma da Imaculada Concepção, um dogma católico) é inquestionável assim como a existência de Satanás, a criação por Deus de Adão e Eva e a dentadinha na maçã na base do pecado original e da «Queda», etc..

O despedimento de Hochschild, que se declarou disposto a seguir esta declaração de fé, baseou-se no facto de a sua conversão violar a crença de que apenas as escrituras ( e não a exegese destas debitada pelo Papa e pelo Vaticano, o cerne do catolicismo) definem os objectivos de Deus para a humanidade.

Hochschild dá agora aulas na Mount St. Mary’s University, uma Universidade católica em Maryland, onde a exegese de Roma é a norma a ser seguida…

De igual forma a Oklahoma Christian University requer que os seus empregados sigam uma declaração de fé que abrange não apenas crenças mas também condutas. Assim, docentes e não docentes devem usar não exactamente burkas mas quase e não podem ter sexo fora do casamento.

Os seus funcionários foram ainda notificados no início do ano que a Universidade pretende alterar a sua política de forma a poder ainda despedir quem se divorcie ou separe sem intenção de reconciliação…

4 de Março, 2006 Palmira Silva

Blair, Bush, Deus e o Iraque

O que têm em comum Tony Blair e George W. Bush? São ambos devotos cristãos renascidos, movidos para a vida política pela sua fé e que afirmam terem sido inspirados e apoiados por Deus na decisão pela invasão ilegal do Iraque.

De facto, já sabíamos que G. W. Bush justificou a guerra no Iraque por obediência a ordens divinas, expressas de viva voz, que lhe incumbiram a guerra ao «eixo do mal»: «Sou conduzido por uma missão de Deus. Deus disse-me ‘George vai e luta contra estes terroristas no Afeganistão’. E eu fui. E então Deus disse-me ‘George, vai e acaba com a tirania no Iraque’. E eu fui.»

Tony Blair foi mais discreto em relação à inspiração divina da sua decisão, por aconselhamento dos seus assessores, que o persuadiram, por exemplo, a não terminar a sua alocução ao país no seguimento da invasão do Iraque, em 20 de Março de 2003, com «Deus vos abençoe». Esses assessores, que Blair classificou de «um bando de ateístas», convenceram-no que não era uma boa ideia invocar Deus porque «estaria falando para muita gente que não quer padres a enfiarem-lhe coisas pela garganta abaixo». Mas afirmou ao então editor do The Times, Peter Stothard, em 2 de Abril de 2003 – o dia em que tropas norte-americanas mataram sete mulheres e crianças num checkpoint – que estava pronto para responder a Deus por «aqueles que morreram ou foram horrivelmente mutilados em consequência das minhas decisões».

Mas hoje no programa da TV1 com Michael Parkinson (partilhado com Andrea Bocelli, Christina Aguilera e Kevin Spacey) Blair confessou que essa decisão, como a maioria das suas decisões políticas, foi inspirada pela sua fé cristã.

Durante o programa, Blair confirmou ainda uma hipótese avançada por um dos seus biógrafos, de que foi levado para a política quando, durante a sua frequência da Universidade de Oxford, redescobriu a religião – cristã, claro, com algumas suspeitas de que Blair se tenha convertido ao catolicismo da sua esposa Cherie, o que talvez explique porque nomeou uma Opus Dei ministra da Educação.

Aparentemente nem os partidos da oposição nem os familiares dos soldados britânicos ficaram impressionados com a manifestação de fé do primeiro-ministro britânico

4 de Março, 2006 fburnay

Galileu e a Igreja (IV – fim)

Em 1621 morreu o cardeal Bellarmine, o papa Paulo V e o grão-duque da Toscânia, Cosimo II. Galileu havia perdido todos os seus principais apoiantes numa altura em que o poder da Igreja Católica recuperava. Antes de Gregório XV ser eleito papa Galileu publica “O Analisador” e durante o seu papado Galileu fortalece a sua amizade com os Barberini. Francesco Barberini havia sido doutorado em Pisa e o seu tio, o cardeal Maffeo Barberini, escreveu a Galileu elogiando-o. Quando Gregório XV morre Maffeo Barberini é eleito Urbano VIII e a dedicatória à família Barberini agradou ao papa. Isso certamente facilitou a possibilidade de seis audiências em Roma, onde Galileu recebeu algumas homenagens. Urbano VIII dá ainda autorização a Galileu de ensinar o Copernicanismo desde que não o defendesse, o que era ainda melhor que o anterior documento que certificava que Galileu não havia abjurado.

É então que Galileu se prepara para escrever uma das obras mais famosas da História da Ciência: “Diálogo sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo”. Nele, Galileu simula um diálogo entre os dois sistemas, copernicano e aristotélico, representados por duas personagens, Salviatti e Simplício, respectivamente. Uma terceira personagem, Sagredo, modera o diálogo de forma neutra mas aos poucos toma o partido de Salviatti. O censor de Roma aprova o livro tal como havia anteriormente aprovado “O Analisador” mas desta vez com uma advertência: Galileu deve incluir no texto uma notificação que adverte o leitor de que ele, Galileu, não apoiava o Copernicanismo. Essa notificação poderia ser alterada na forma mas não na substância. Galileu fê-lo, incluindo-o numa espécie de ex-libris, pela boca de Simplício. Os jesuítas agarraram a oportunidade pelos cabelos e fizeram ver a Urbano VIII que estava a ser insultado. Reuniram-se os eclesiásticos para avaliar a situação.

A acusação de Galileu começou por uma acusação de heresia, por ter publicado um livro (com a autorização de Roma, diga-se) em que ensinava o Copernicanismo. As provas? As minutas não assinadas na comissão com Bellarmine. Galileu foi chamado a Roma.

Para além de conhecer o perigo em que se encontrava, Galileu estava muito doente, com dores crónicas, e tentou adiar a ida a Roma tal como o fizera o seu amigo Sarpi. Tentou ainda impedir a distribuição do livro, tarde demais.

O julgamento iniciou-se em Abril de 1633, sem que a acusação conseguisse arranjar algo mais concreto do que o crime de escrever em italiano e não em latim. Galileu usou o documento que lhe havia sido dado por Bellarmine garantido a inexistência de abjuração. Mas a questão para os inquisidores era simples: uma falsa acusação de heresia era tão grave como uma heresia e a Inquisição não é herege, obviamente. Galileu tinha de confessar algo, nem que para isso fosse torturado. O próprio cardeal Barberini o advertiu desse facto. Galileu percebeu que não tinha saída e assinou a confissão.

«Eu juro que sempre acreditei, acredito agora, e com a ajuda de Deus irei no futuro acreditar em tudo aquilo que a Santa Igreja Católica e Apostólica sustiver, pregar e ensinar […] Eu abjuro de coração sincero e genuína fé, eu amaldiçoo e detesto os ditos erros e heresias, e de forma geral todo e qualquer erro e partido contrário à Santa Igreja Católica. E eu juro que no futuro não direi nem defenderei por palavra ou escrita tais coisas que possam trazer-me semelhante suspeita; e se conhecer algum herege, ou suspeito de heresia, que o denunciarei a este Santo Ofício, ou ao Inquisidor e Ordinário do local onde possa estar.»

Galileu foi condenado a uma prisão perpétua domiciliária por sete dos dez cardeais do tribunal. Um dos três que se recusaram a assinar a pena foi o cardeal Barberini.

Galileu Galilei viria a morrer em 1642 mas não sei antes publicar na clandestinidade a sua obra prima: “Discursos e Demonstrações Matemáticas Relativas a Duas Novas Ciências”. A sua influência na Europa viria a contribuir grandemente para a continuidade do desenvolvimento da Ciência agora estagnado, debaixo do peso da Igreja, na Itália onde o próprio Renascimento havia surgido.