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Mês: Março 2006

20 de Março, 2006 Palmira Silva

Três anos de Iraque

Com o Iraque à beira de uma guerra civil, não obstante os protestos em contrário de Bush, um pouco por todo o mundo milhares de pessoas manifestaram-se este fim de semana contra a guerra no Iraque e contra forma como Bush a conduziu, nos Estados Unidos inclusive, nomeadamente em Portland onde 10 000 pessoas se manifestaram, algumas com cartazes dizendo «Impeach the Evildoer».

De igual forma os níveis de aprovação de Bush em geral (34%) e em relação à guerra no Iraque em particular atingiram os mínimos absolutos na opinião pública americana, em que numa sondagem conduzida pela Princeton Survey Research Associates International em 16 e 17 de Março apenas 29% dos americanos (contra 69% no início da invasão) aprovam a forma como Bush conduziu a guerra no Iraque.

Mas estas estatísticas porque globais escondem que a popularidade de Bush não teve uma queda tão abissal, muito longe disso, numa faixa importante da população norte-americana: os evangélicos brancos. No número de Fevereiro da Christianity Today podemos ler que até Outubro, data em que uma sondagem foi efectuada pela referida revista, a percentagem de evangélicos brancos que apoiam a decisão do presidente em invadir o Iraque desceu de 77% em 2003 para 68%.

Para além de, claro, os evangélicos estarem mais interessados no que Bush faz para controlar a sexualidade alheia e para instalar uma teocracia cristã nos Estados Unidos, uma profusão de programas de apoio a Bush nas emissoras cristãs reforçam a mensagem do presidente de que esta é uma guerra divina contra «o eixo do mal», e para os cristãos tudo é válido, mesmo se baseado numa mentira, para combater as hordes do mal.

Um artigo de opinião do reverendo Jack R. Van Ens, pastor presbiteriano, explica de forma magistral porquê. Basicamente recordando as palavras de um seu antigo professor, o historiador George Marsden, no seu clássico «Fundamentalism and American Culture» (Oxford University Press 2005), que descreve o que acontece quando metáforas de guerra, abundantemente utilizadas no léxico do quotidiano dos cristãos já que a Bíblia é uma elegia à violência e à vingança, se misturam com nacionalismo. As causas da nação tornam-se sagradas. Alguém que questione Bush não só é não patriótico aos olhos dos devotos cristãos mas enferma de falta de carácter cristão. Não estão do lado do Senhor ou … do «Guerreiro divino», uma das formas bíblicas favoritas de referir Deus.

19 de Março, 2006 Palmira Silva

Sentença de morte no Afeganistão?

Um afegão que se converteu ao cristianismo está a ser julgado num tribunal de Kabul, e, segundo o juiz que trata o caso, pode ser condenado à morte.

O acusado, Abdul Rahman, foi preso o mês passado após a família o ter denunciado á polícia. Numa entrevista à Associated Press o juiz Ansarullah Mawlavezada declarou hoje que, durante a audiência, Rahman confessou ter-se convertido ao cristianismo há 16 anos quando trabalhava como auxiliar médico com refugiados afegãos no vizinho Paquistão.

No Afeganistão vigora a Sharia que indica que todos os muçulmanos que rejeitem a sua religião devem ser sentenciados à morte.

O juiz, aparentemente incomodado com o caso, especialmente depois de Rahman ter rejeitado a sua oferta de deixar cair o caso se o acusado se reconvertesse ao islamismo, afirmou que «Nós não somos contra alguma religião particular no mundo. Mas, no Afeganistão, este tipo de coisas é contra a lei. É um ataque ao Islão… E o procurador pede a pena de morte.»

Recordo que há uns meses, Ali Mohaqiq Nasab, um intelectual islâmico progressista, foi condenado a dois anos anos de prisão pelo crime de blasfémia. Com base na acusação de clérigos locais que dois artigos que publicara na revista de que era editor eram anti-islâmicos e um insulto ao Islão. Os blasfemos, anti-islâmicos e insultuosos artigos que tanto indignaram os piedosos clérigos islâmicos questionavam o castigo atribuído a mulheres adúlteras, 100 chicotadas, e a legitimidade do apedrejamento até à morte de apóstatas…

O Diário Ateísta apela a todos, crentes e não crentes, para manifestarem a sua indignação junto às autoridades competentes não só pelo julgamento, inadmissível no século XXI, mas especialmente pelo apedrejamento até à morte que será a prevísivel sentença deste anacrónico julgamento se a opinião pública internacional não se fizer ouvir.

19 de Março, 2006 Palmira Silva

O Império teocrata nos media americanos

Marvin Olasky, editor chefe do evangélico World Magazine e autor do livro «Prodigal Press: The Anti-Christian Bias of the American News Media» que argumenta que os media americanos perseguem preferencialmente figuras públicas cristãs (quiçá devido aos dislates que debitam abundantemente…) é o paradigma que elucida como os teocratas americanos conseguiram dar a volta à opinião pública neste país, especialmente na América profunda, e conseguiram um poder que ameaça, se não for travado, transformar os Estados Unidos numa ditadura cristã, como avisa a Sandra Day O’Connor, a magistrada do Supremo Tribunal que se retirou por razões de saúde.

Olasky preconiza para todos os media americanos um novo modelo de reportar notícias, a «objectividade bíblica». Segundo Olasky o credo da objectividade jornalística do século XX foi quebrado por «limitações filosóficas e práticas» e advoga que os jornalistas passem a ver e a reportar com o filtro da Bíblia «uma vez que Deus sabe a verdadeira natureza das coisas e nós não». Olasky, que cunhou o oxímoro «compassionate conservative», vem tentando exactamente impôr uma imprensa biblicamente inspirada e dirigida há cerca de 20 anos e vê naquilo a que chama o efeito da internet uma oportunidade para mostrar que os jornalistas não devem ser neutros e objectivos no sentido habitual do termo (apresentando diferentes perspectivas na análise das notícias) mas sim «biblicamente objectivos», ou seja, apresentarem apenas a visão «cristã» do mundo.

De facto, a queixa de que os media americanos são hostis ao cristianismo é recorrente por parte dos fundamentalistas cristãos que, lá como em todo o mundo, não suportam que se apresente pontos discordantes dos seus e abominam a liberdade de opinião e expressão, e sabem que a vitimização é uma arma que sempre deu bons resultados no passado. Assim, um dos temas da conferência «Guerra aos Cristãos», a ser realizada em Washington nos próximos dias 27 e 28, é exactamente «The News Media: Megaphone For Anti-Faith Values» (os meios noticiosos: um megafone para valores anti-fé).

Na organização deste evento está uma associação tenebrosa, a Vision America, de que um dos líderes foi quasi nomeado por G. W. Bush para dirigir o National Labor Relations Board (NLRB). E associação tenebrosa porque, entre outras mui cristãs barbaridades, advoga pena de morte para abortistas, homossexuais e adúlteros. E que, como Bento XVI, considera que a democracia «é o primeiro passo para o fascismo» uma vez que em democracia não se seguem as leis «divinas» mas sim as leis dos homens!

Tal foi recentemente reiterado (e elogiado pelo apresentador) aos microfones do Today’s Issues, um programa da American Family Radio, uma rede de 200 estações de rádio da organização fundamentalista American Family Association (AFA). O presidente da Vision America, Gary DeMar, aproveitou a oportunidade para comiserar com o apresentador sobre o tema do programa «o assalto a Deus na nossa cultura popular», culpando os media de transmitirem programas «anti-cristãos». Nomeadamente denunciando uma série da NBC que os fundamentalistas conseguiram cancelar, «The book of Daniel» que, horror dos horrores, retratava a vida de um pastor evangélico que conversava com Jesus sobre os seus problemas do quotidiano, que incluiam uma filha que vendia marijuana e um filho homossexual.

Na realidade, o sucesso dos fundamentalistas cristãos no envenenamento da opinião pública deve-se exactamente ao facto de que estes dominam os media nos Estados Unidos. Se não ainda em audiência, pelo menos nas costas Leste e Oeste, para já no número de estações que integram a National Religious Broadcasters, NRB. A história do crescente domínio cristãos nas ondas hertzianas é descrita no número de Maio/Junho de 2005, bem elucidativamente denominado «The Rise of Faith Based News», do Columbia Journalism Review, especialmente no artigo «Stations of the Cross».

A influência destas estações «cristãs» pode ser bem avaliada pelo facto de que um dos alvos mais frequentes de críticas por parte destas nos últimos tempos é a «tirania judicial» que sobrepõe a defesa da Constituição à da Bíblia. E, como adverte Sandra O’Connor, a independência dos juízes (e consequentemente a liberdade de todos os americanos) está sob ataque. Para além de que as ameaças de morte a juízes têm igualmente aumentado nos últimos tempos. E algumas foram concretizadas como o assassínio de um juíz da Georgia no tribunal e da família de uma juíza federal no Illinois …

Paul Crouch, o teocrata dono da Trinity Broadcasting Network (TBN) que possuía 13 estações de televisão em meados dos anos oitenta (em 1999 detinha 406 estações de TV nos Estados Unidos, 346 no resto do mundo, alimentava 4 886 sistemas cabo, 10 milhões de antenas de satélite e dispunha de 2.5 milhões de watts de poder radiofónico) nunca escondeu qual o objectivo que o move: controlar «a programação mundial durante o milénio». O milénio pode ser uma palermice « profetizada» que prevê 1000 anos de paz em que supostamente Jesus e os fundamentalistas cristãos dominarão o mundo, mas retirando a parte da paz (incompatível com fundamentalismos) e do mítico fundador da seita, pelo menos a nível dos media, o domínio dos fundamentalistas cristãos é uma realidade que não podemos ignorar!

19 de Março, 2006 Carlos Esperança

Bento 16 rendeu-se ao bando de Lefèbvre

(cartoon de Zédalmeida)
Bento 16 programou metodicamente a sua «eleição» para Papa. Não se resignou a ser o gato-pingado que dirigia as exéquias fúnebres do pobre diabo do seu antecessor.

Ao contrário de JP2, que cria em milagres, como os garotos em cegonhas que trazem os meninos de Paris, que era ingénuo e acreditava em Deus, e tão dogmático que mandou calar os teólogos progressistas, este Papa é um intelectual.

Sabe que Deus é uma rentável mistificação que aguenta o negócio e alimenta milhares de parasitas em todo o mundo, onde os santos, mártires, missionários e outros piedosos embusteiros dilataram a fé pela violência e pelo medo.

Bento 16 não é o almocreve de Deus, é um parasita que gosta de paramentos suaves e confortáveis, de luxo, pompa, prestígio e, sobretudo, do poder que um Papa tem.

Graças ao Opus Dei – a seita que manda no Espírito Santo -, e aos cardeais que temem o fim da religião a que devem o bem-estar e a ostentação, B16 é Papa apesar da passagem pelas fileiras nazis que para ICAR da época era honra mas hoje se considera vergonha.

O regresso do bando reaccionário dos adeptos de Lefèbre à Mafia de Roma é sinal claro de que a excomunhão de JP2, em 1988, se destinou a apaziguar alguns católicos fiéis ao Vaticano II seduzidos pela modernidade e espírito democrático.

B16 não é apenas o coveiro do Vaticano II, é o algoz da liberdade, o Torquemada dos novos tempos que traz de volta o concílio de Trento e o Vaticano I.

A integração dos excomungados é o corolário lógico de um sucessor de Pio IX que execrou a democracia, a liberdade e o livre-pensamento.

A Cúria romana é um ninho de talibãs. A Fraternidade S. Pio X, do defunto Lefèbvre, que morreu excomungado por Roma, acaba de obter sucesso na OPA (Oferta Pública de Aquisição) lançada sobre o Vaticano, Estado totalitário cujo déspota vitalício é um correligionário.
18 de Março, 2006 Palmira Silva

Estados Cristãos Unidos da América?


Já tinha referido Sam Brownback, o republicano que os teocratas querem ver na presidência dos Estados Unidos em 2008 e um dos autores do «Acto de Restauração» – que limita o âmbito das acções que podem ser apreciadas pelo Supremo Tribunal, mais especificamente, faz com que não sejam passíveis de recurso decisões feitas por um agente judicial que reconheça Deus como a fonte da lei, liberdade ou governo – que pretende, no caso de ser eleito, implementar uma concepção de Estado em tudo análoga à defendida por Ratzinger na sua primeira Encíclica.

Na sua senda cristã de substituir a política pela fé, Brownback quer agora aumentar de um factor de dez as multas por indecências em programas televisivos como a exibição acidental do seio de Janet Jackson no SuperBowl de 2004. Assim, Brownback, com o aplauso de organizações fundamentalistas cristãs como a American Family Association e o Family Research Council pediu ao Congresso norte-americano que aprove o seu Broadcast Decency Enforcement Act.

Mas a cristianização crescente da política norte-americana não é suficiente para os teocratas americanos que avisaram ontem o Partido Republicano (GOP) que vão ter de se esforçar mais na transformação dos Estados Unidos nos Estados Cristãos Unidos a riscos de serem penalizados nas eleições intercalares deste ano.

Esgrimindo o papel decisivo dos fundamentalistas cristãos nas duas eleições de G. W. Bush e na eleição de uma maioria republicana no Senado e Câmara de Representantes (que conjuntamente constituem o Congresso) os teocratas cristãos avisaram os republicanos que «têm de fazer mais» para manter a sua base de apoio cristã.

Aparentemente não é suficiente que apenas 11 estados tenham banido os casamentos homossexuais, é necessário alargar a proibição todos os estados, via uma decisão federal.

Assim como não é suficiente a punição dos promíscuos com a revogação da venda livre da contracepção de emergência, a chamada pílula do dia seguinte. É necessário não apenas que todos os estados aprovem leis que permitam a recusa de venda de contraceptivos com base em «objecção de consciência» mas que sigam as pisadas do Missouri recusando apoio financeiro para contracepção a mulheres de poucos recursos finaceiros. Idealmente que a contracepção seja proibida nos Estados Unidos!

E, claro, é necessário que todos os estados emulem o South Dakota e proibam o famigerado aborto em todas as circunstâncias, excepto as previstas na «Sodomized Religious Virgin Exception» e para salvar in extremis a vida da gestante.

Para além disso, apenas o Missouri e o Kansas, terra dos cristãos sem medo que aprendem o bom (neo)criacionismo cristão nas aulas de biologia, perceberam que é necessário acabar com a abominação que são as aulas de educação sexual nas escolas públicas.

Claro que é uma boa notícia para os fundamentalistas cristãos que o Tennessee tenha passado uma lei permitindo placas de matrícula estaduais anti-aborto que ostentem os dizeres «Choose Life» e tenha proibido placas que leiam «Choose Choice». O diferencial do preço (mais elevado) destas placas vai direitinho para os cofres de uma organização anti-aborto, a New Life Resources. Mas não é suficiente que apenas 13 estados permitam estas placas, Alabama, Arkansas, Connecticut, Florida, Hawaii, Louisiana, Maryland, Mississippi, Montana, Ohio, Oklahoma e South Dakota.

E, não obstante os esforços de Bush em tentar controlar a ciência que se faz nos Estados Unidos, nomeadamente com o desvio de fundos de investigação para projectos cretinos e não científicos como o poder da oração e afins, a análise do financiamento científico federal pela The Traditional Values Coalition (TVC), uma organização que representa 43000 Igrejas americanas que veta projectos de investigação «imorais», controle da blasfema investigação em células estaminais, os cientistas continuam a «contaminar» os Estados Unidos com as suas teorias ateístas e a impedir que as boas«teorias» obscurantistas cristãs sejam livremente difundidas.

Será que o GOP – e o resto da América – perceberam a mensagem? Ou será que Tony Perkins necessita realizar mais conferências de imprensa para os americanos perceberem a real ameaça que os fundamentalistas cristãos constituem*?

E que por mais medidas cristãs que sejam promulgadas elas nunca serão suficientes para os fanáticos cristãos até os Estados Unidos serem um «paraíso» bíblico seguindo à letra as leis divinas e aplicando castigos «bíblicos» às prevaricações a essas leis?

*Sobre o tema ver um artigo no New York Times de ontem que analisa o mais recente livro de um estratega do GOP, Kevin Phillips, dos finais dos anos sessenta, início dos anos setenta, American Theocracy: The Peril and Politics of Radical Religion, Oil, and Borrowed Money in the 21stCentury.

18 de Março, 2006 Palmira Silva

Acto falhado teocrata

No passado dia 1 de Março o professor de direito e candidato democrata ao Senado pelo estado de Maryland, Jamie Raskin, testemunhou em Annapolis numa audiência sobre a proposta Emenda à Constituição norte-americana que proibiria o casamento homossexual.

No final do seu testemunho uma senadora teocrata (republicana) afirmou que, de acordo com a Bíblia, o casamento foi uma decisão divina e que:

«Para mim este é um assunto assente exclusivamente em príncipios religiosos»

A que Raskin respondeu «Senadora, quando pronunciou o seu juramento na tomada de posse, colocou a mão sobre a Bíblia e jurou defender a Constituição. Não colocou a mão sobre a Constituição e jurou defender a Bíblia».

Junto os meus aos aplausos que irromperam na sala a estas palavras. Mas infelizmente nos Estados Unidos há cada vez mais teocratas cristãos em posições de poder que pretendem a inversão e perversão de valores indicada por Raskin!

18 de Março, 2006 Palmira Silva

Molly Blythe

Uma escritora e ex-jornalista transformada em blogger, Molly Blythe, publicou no seu blog um guia de instruções completo num post com o título «Para as mulheres de South Dakota: Um manual de aborto».

O manual é devotado às mulheres de South Dakota, estado em que o aborto vai ser proibido em todas as circunstâncias, incluindo violação, incesto e perigo para a saúde da gestante, com a única excepção nos casos em que a vida da mulher está em perigo se continuar a gravidez, excepção que para os mui cristãos promotores da nova lei inclui a já famosa «Sodomized Religious Virgin Exception».

Segundo Molly, ela e alguns amigos têm coligido informação sobre o aborto nos últimos anos uma vez que acreditam, depois da confirmação dos primeiros teocratas cristãos para o Supremo Tribunal, que a resolução de 1973 do Supremo que permite o aborto, Roe vs Wade, não perdurará num país cada vez mais dominado pelos teocratas, pelo menos a nível do Supremo.

Como seria expectável choveram ameaças de morte sobre Molly por parte dos devotos cristãos, defensores intransigentes do direito à vida de óvulos e espermatozóides, que, e talvez por Molly declarar o blog como um local de discussão de assuntos feministas, não resistem a tentar silenciar pela força todos os que não partilham a sua visão cristã misógina do mundo. Muitos comentários, variantes menos polidas de mandar as mulheres, isto é prostitutas, fecharem as pernas, confirmam que o que está em causa na questão do aborto nem remotamente tem a ver com qualquer defesa de vida humana mas sim com o problema que esses cristãos têm com a autodeterminação sexual das mulheres e com o facto de poderem apreciar sexo sem «punição».

Na mesma linha de punição das mulheres, o estado do Missouri, em que foi aprovada uma resolução reconhecendo o cristianismo como a religião oficial do Estado, a única religião que tem «reconhecimento justificado», prepara-se para aprovar leis que não só proibem o aborto como a educação sexual nas escolas e o apoio financeiro estatal a contraceptivos a mulheres com poucos recursos ou mesmo a organizações que expliquem a essas mulheres qual o melhor contraceptivo e onde o podem comprar. O que pareceria um contrasenso se os devotos legisladores de facto estivessem preocupados com o aborto já que sem informação nem auxílio na compra e acesso a contraceptivos será prevísivel que mais mulheres e adolescentes do Missouri se encontrarão em situações de gravidezes indesejadas… Mas na realidade apenas traduz fielmente a posição cristã sobre o sexo!

17 de Março, 2006 Palmira Silva

Uniões de facto homossexuais reconhecidas na República Checa

A República Checa concedeu reconhecimento legal às uniões de facto homossexuais, tornando-se o primeiro país europeu ex-comunista em que tal acontece. A lei, que tinha sido vetada pelo presidente Vaclav Klaus depois de aprovada em Janeiro por 45 votos a favor, 14 contra e seis abstenções, passou com o número mínimo de votos necessários para ultrapassar o veto presidencial.

A lei agora aprovada permitirá a casais homossexuais criar crianças mas não adoptá-las, para além de conceder direitos de herança idênticos aos de casais heterossexuais

Como indica o enviado da BBC a Praga, a sociedade checa, com uma população maioritariamente ateísta, e uma das mais seculares e liberais da Europa, apoiava a lei, que contava essencialmente com a oposição, como seria de esperar, de grupos religiosos, católicos nomeadamente, felizmente com pouca ou nenhuma influência na República Checa.

17 de Março, 2006 Carlos Esperança

Os pés de S. Francisco Xavier

(Foto de E.O. – enviado do Diário Ateísta, em Goa)
O mórbido desvelo da Igreja católica pelos cadáveres devia levá-la a criar um piquete de urgência para reparar as mazelas que corroem os corpos dos santos defuntos, como faz a Brisa com os buracos das auto-estradas.

O bom senso devia levá-la a privilegiar os ossos, fáceis de substituir e mais resistentes ao tempo e à humidade, sem perda da santidade do bem-aventurado referido na etiqueta.

A Capela dos Ossos, em Évora, hediondo culto do tétrico e lucrativo apelo à devoção, é a prova de que os ossos resistem e a carne é fraca, como a própria ICAR ensina.

Em Itália – já aqui referi no D. A. – uma guia turística debitava um ror de milagres junto do esqueleto de um virtuoso e excelente santo que continuava a obrá-los. A seu lado um esqueleto pequeno passava despercebido por entre uma panóplia de ossos pios que mais pareciam amostras de um laboratório anatómico.

Tendo um turista perguntado a que santo pertencera o pequeno esqueleto, logo a guia o atribuiu ao mesmo santo… quando era mais novo.

A ICAR vive do cadáver de J. Cristo que, por lhe ter perdido o rasto, o domicilia no Céu para onde terá emigrado três dias após a morte. Exibe-o agora, esculpido e chagado, só ou dependurado em cruzes mas não despreza as aparas do santo lenho onde o fundador da seita – segundo a propaganda – terá agonizado.

À falta de corpo não há milagres. Cristo é um mero logotipo para identificar a religião e facilitar a venda de indulgências, liturgias, sacramentos e artigos pios.

Por isso, os santos têm elevada cotação no mercado da fé e provocam muita emoção no bazar católico. Mas há desleixo dos inspectores de relíquias e incúria nos zeladores dos mortos.

Falta aos santos cadáveres um código de barras, inspecção sanitária e prazo de validade, para advertir os funcionários de Deus a quem cabe a manutenção da mercadoria.

Com algum zelo a ICAR nunca mais permitirá que um santo tão exaltado – S. Francisco Xavier – deixe chegar os pés ao estado deplorável que a imagem documenta.
16 de Março, 2006 Carlos Esperança

S. Francisco Xavier – Apóstolo das Índias

(Fotografia recente, amavelmente cedida por E. O.)

Desacreditada com a última leva de santos que JP2 criou em doses industriais, como nos aviários se produzem frangos, e descoroçoada com a falta de originalidade dos milagres, virou-se a ICAR para santos antigos, de sólido prestígio, reconhecimento público e clientela fiel.

Francisco Xavier é uma dessas reputações sem mácula, um jesuíta da primeira hora, nascido em Espanha, amigo e discípulo de Loiola, que estudou em França e partiu, ao serviço de D. João III (o Piedoso), para o Oriente.

Evangelizou na Índia, Malaca, Molucas e Japão, ímpios que converteu à única religião verdadeira e, assim, os resgatou do limbo, dando-lhes o passaporte para o Paraíso onde certamente ainda residem as almas por falta de acordos bilaterais de extradição com o Inferno.

Francisco Xavier era tão santo que o corpo ficou incorrupto, prova de santidade e fonte de receitas para a Igreja cujo culto mórbido por cadáveres é uma verdadeira obsessão.

Há cerca de cinquenta anos as relíquias (fragmentos de cadáver em bom estado de conservação) vieram de Goa e viajaram por este velho Portugal para gáudio e pasmo das populações rurais que acorriam a ver a mão do santo, tendo como brinde a missa, um sermão do padre Pinto Carneiro e uma procissão.

A mão comoveu crentes e resistiu à viagem, às homilias e às procissões, dentro de um relicário cujo vidro a defendia dos devotos que a contemplavam com ar bovino.

Perdido o Império colonial, que começou a ruir na Índia, lá ficou o cadáver na velha Goa, na Basílica do Bom Jesus, onde o santo jaz morto e apodrecido.

Um cadáver que gozou de excelente estado de conservação durante séculos está agora, por falta de orações, no estado deplorável que a imagem documenta.

Faz no próximo dia 7 de Abril 500 anos que nasceu o santo. A ICAR prepara a festa, mas deixou apodrecer as relíquias.