Insanidades mentais
Face por um lado aos crescentes protestos da comunidade internacional, incluindo dos lideres das nações mais envolvidas no auxílio financeiro à reconstrução do Afeganistão, e por outro lado às ameaças dos clérigos islâmicos o governo afegão trabalha afanosamente numa saída airosa para o julgamento aberrante de Abdul Rahman.
Mas, em minha opinião, a saída encontrada pelo governo afegão para o anúncio de que será libertado brevemente apresenta vários problemas. Supondo que esta saída é a prenunciada pelo anúncio na quarta-feira das autoridades afegãs de que Rahman sofreria supostamente de distúrbios mentais (só assim se justificando a sua conversão…) e que seria sujeito a observações do foro psicológico que decidiriam se ele seria apto para um julgamento, já que como Moayuddin Baluch, um conselheiro religioso do presidente afegão Hamid Karzai, afirmou à Associated Press «Se ele é mentalmente incapaz, o Islão decididamente não tem razão para o punir. Ele deve ser perdoado. O caso deve ser abandonado».
O problema reside não só no facto de que os clérigos afegãos não aceitarão o diagnóstico, negado pelo próprio Rahman durante o julgamento (a transcrição em vídeo das declarações de Rahman pode ser encontrada aqui) como foi confirmado à Associated Press por três pregadores sunitas e um shiita entrevistados pela AP nas quatro mesquitas mais populares de Kabul:
«Ele não é maluco. Ele foi aos media e confessou ser cristão. O governo tem medo da comunidade internacional. Mas o povo matá-lo-á se ele for libertado» declarou à AP Hamidullah, o clérigo chefe da mesquita Haji Yacob Mosque.
Opinião partilhada por Abdul Raoulf, membro do Afghan Ulama Council, que considera que «o governo está a brincar connosco. O povo não será enganado» e no pátio exterior da mesquita Herati acrescentou «Cortem-lhe a cabeça. Nós apelamos ao povo para que o desfaçam em pedaços para que não sobre nada dele».
Mesmo a sugestão deste «moderado» islâmico de que a única forma de Rahman sobreviver seria o exílio é negada pelo clérigo mor da mesquita shiita Hossainia, Said Mirhossain Nasri, que considera que «Se lhe permitem ir viver no Ocidente outros reinvidicarão ser cristãos para também o fazerem. Temos de dar o exemplo… Ele deve ser enforcado».
Hamidullah avisou o governo afegão de que perderá o apoio popular se libertar Rahman e que ocorrerá um levantamento popular idêntico ao que aconteceu nos anos oitenta contra a ocupação soviética.
Parece assim pouco provável que a solução prevísivel do governo afegão seja bem acolhida pela comunidade religiosa deste país, que já prometeu acirrar os ânimos populares contra o governo caso este persista em libertar Rahman. Mas admitindo que Karzai consegue de alguma forma apaziguar os ânimos islâmicos e que Rahman é libertado e consegue sobreviver à libertação. Em que resultará a indignação e pressão internacional em relação a esta barbárie? Passará a existir respeito pela liberdade religiosa no Afeganistão? Claro que não!
Como inúmeras vezes na História assistiremos mais uma vez a uma manipulação e perversão da ciência por parte de um governo. E se neste caso os fins desta perversão da ciência até podem parecer louváveis, salvar a vida de Rahman, é tão errada como as desculpas da ex-União Soviética ou da China de que as dissidências políticas correspondiam ou correspondem a doenças mentais merecedoras de internamento para «rehabilitação».
Por outro lado, a denúncia da conversão de Rahman às autoridades deveu-se a uma questão de custódia das suas filhas. Se ele for declarado mentalmente incapaz certamente que será igualmente considerado incapaz para educar as suas filhas. E será privado da custódia das suas filhas, actualmente com os seus pais, que já declararam que ele deve ser convenientemente punido pela apostasia.
E não esqueçamos que se esta for a solução airosa encontrada pelo governo afegão cria um precedente judicial que pode ser usado para declarar mentalmente incapazes todos os que se convertam (ou sejam denunciados por isso) ao cristianismo. O que pode ser facilmente utilizado como desculpa para retirar todos os (poucos) direitos a estes futuros convertidos ou mesmo justificar o seu internamento para tratamento. E existem mais dois afegãos presos pelo mesmo «crime», um terceiro foi barbaramente espancado e pelo menos cinco afegãos convertidos ao cristianismo foram assassinados nos dois últimos anos por mílicias islâmicas.
A contradição da Constituição afegã que se obriga a respeitar simultaneamente a declaração dos direitos do Homem, nomeadamente a liberdade religiosa, e a lei islâmica, completamente incompatíveis como este caso é apenas um exemplo, deve ser resolvida de raíz e exemplarmente. Retirando qualquer menção à anacrónica e anti-democrática Sharia da Constituição. Caso contrário dentro em breve estaremos a apelar aos nossos leitores para expressarem a sua indignação por outra qualquer mui islâmica barbárie…