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O Império teocrata nos media americanos

Marvin Olasky, editor chefe do evangélico World Magazine e autor do livro «Prodigal Press: The Anti-Christian Bias of the American News Media» que argumenta que os media americanos perseguem preferencialmente figuras públicas cristãs (quiçá devido aos dislates que debitam abundantemente…) é o paradigma que elucida como os teocratas americanos conseguiram dar a volta à opinião pública neste país, especialmente na América profunda, e conseguiram um poder que ameaça, se não for travado, transformar os Estados Unidos numa ditadura cristã, como avisa a Sandra Day O’Connor, a magistrada do Supremo Tribunal que se retirou por razões de saúde.

Olasky preconiza para todos os media americanos um novo modelo de reportar notícias, a «objectividade bíblica». Segundo Olasky o credo da objectividade jornalística do século XX foi quebrado por «limitações filosóficas e práticas» e advoga que os jornalistas passem a ver e a reportar com o filtro da Bíblia «uma vez que Deus sabe a verdadeira natureza das coisas e nós não». Olasky, que cunhou o oxímoro «compassionate conservative», vem tentando exactamente impôr uma imprensa biblicamente inspirada e dirigida há cerca de 20 anos e vê naquilo a que chama o efeito da internet uma oportunidade para mostrar que os jornalistas não devem ser neutros e objectivos no sentido habitual do termo (apresentando diferentes perspectivas na análise das notícias) mas sim «biblicamente objectivos», ou seja, apresentarem apenas a visão «cristã» do mundo.

De facto, a queixa de que os media americanos são hostis ao cristianismo é recorrente por parte dos fundamentalistas cristãos que, lá como em todo o mundo, não suportam que se apresente pontos discordantes dos seus e abominam a liberdade de opinião e expressão, e sabem que a vitimização é uma arma que sempre deu bons resultados no passado. Assim, um dos temas da conferência «Guerra aos Cristãos», a ser realizada em Washington nos próximos dias 27 e 28, é exactamente «The News Media: Megaphone For Anti-Faith Values» (os meios noticiosos: um megafone para valores anti-fé).

Na organização deste evento está uma associação tenebrosa, a Vision America, de que um dos líderes foi quasi nomeado por G. W. Bush para dirigir o National Labor Relations Board (NLRB). E associação tenebrosa porque, entre outras mui cristãs barbaridades, advoga pena de morte para abortistas, homossexuais e adúlteros. E que, como Bento XVI, considera que a democracia «é o primeiro passo para o fascismo» uma vez que em democracia não se seguem as leis «divinas» mas sim as leis dos homens!

Tal foi recentemente reiterado (e elogiado pelo apresentador) aos microfones do Today’s Issues, um programa da American Family Radio, uma rede de 200 estações de rádio da organização fundamentalista American Family Association (AFA). O presidente da Vision America, Gary DeMar, aproveitou a oportunidade para comiserar com o apresentador sobre o tema do programa «o assalto a Deus na nossa cultura popular», culpando os media de transmitirem programas «anti-cristãos». Nomeadamente denunciando uma série da NBC que os fundamentalistas conseguiram cancelar, «The book of Daniel» que, horror dos horrores, retratava a vida de um pastor evangélico que conversava com Jesus sobre os seus problemas do quotidiano, que incluiam uma filha que vendia marijuana e um filho homossexual.

Na realidade, o sucesso dos fundamentalistas cristãos no envenenamento da opinião pública deve-se exactamente ao facto de que estes dominam os media nos Estados Unidos. Se não ainda em audiência, pelo menos nas costas Leste e Oeste, para já no número de estações que integram a National Religious Broadcasters, NRB. A história do crescente domínio cristãos nas ondas hertzianas é descrita no número de Maio/Junho de 2005, bem elucidativamente denominado «The Rise of Faith Based News», do Columbia Journalism Review, especialmente no artigo «Stations of the Cross».

A influência destas estações «cristãs» pode ser bem avaliada pelo facto de que um dos alvos mais frequentes de críticas por parte destas nos últimos tempos é a «tirania judicial» que sobrepõe a defesa da Constituição à da Bíblia. E, como adverte Sandra O’Connor, a independência dos juízes (e consequentemente a liberdade de todos os americanos) está sob ataque. Para além de que as ameaças de morte a juízes têm igualmente aumentado nos últimos tempos. E algumas foram concretizadas como o assassínio de um juíz da Georgia no tribunal e da família de uma juíza federal no Illinois …

Paul Crouch, o teocrata dono da Trinity Broadcasting Network (TBN) que possuía 13 estações de televisão em meados dos anos oitenta (em 1999 detinha 406 estações de TV nos Estados Unidos, 346 no resto do mundo, alimentava 4 886 sistemas cabo, 10 milhões de antenas de satélite e dispunha de 2.5 milhões de watts de poder radiofónico) nunca escondeu qual o objectivo que o move: controlar «a programação mundial durante o milénio». O milénio pode ser uma palermice « profetizada» que prevê 1000 anos de paz em que supostamente Jesus e os fundamentalistas cristãos dominarão o mundo, mas retirando a parte da paz (incompatível com fundamentalismos) e do mítico fundador da seita, pelo menos a nível dos media, o domínio dos fundamentalistas cristãos é uma realidade que não podemos ignorar!

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