Estados Cristãos Unidos da América?
Já tinha referido Sam Brownback, o republicano que os teocratas querem ver na presidência dos Estados Unidos em 2008 e um dos autores do «Acto de Restauração» – que limita o âmbito das acções que podem ser apreciadas pelo Supremo Tribunal, mais especificamente, faz com que não sejam passíveis de recurso decisões feitas por um agente judicial que reconheça Deus como a fonte da lei, liberdade ou governo – que pretende, no caso de ser eleito, implementar uma concepção de Estado em tudo análoga à defendida por Ratzinger na sua primeira Encíclica.
Na sua senda cristã de substituir a política pela fé, Brownback quer agora aumentar de um factor de dez as multas por indecências em programas televisivos como a exibição acidental do seio de Janet Jackson no SuperBowl de 2004. Assim, Brownback, com o aplauso de organizações fundamentalistas cristãs como a American Family Association e o Family Research Council pediu ao Congresso norte-americano que aprove o seu Broadcast Decency Enforcement Act.
Mas a cristianização crescente da política norte-americana não é suficiente para os teocratas americanos que avisaram ontem o Partido Republicano (GOP) que vão ter de se esforçar mais na transformação dos Estados Unidos nos Estados Cristãos Unidos a riscos de serem penalizados nas eleições intercalares deste ano.
Esgrimindo o papel decisivo dos fundamentalistas cristãos nas duas eleições de G. W. Bush e na eleição de uma maioria republicana no Senado e Câmara de Representantes (que conjuntamente constituem o Congresso) os teocratas cristãos avisaram os republicanos que «têm de fazer mais» para manter a sua base de apoio cristã.
Aparentemente não é suficiente que apenas 11 estados tenham banido os casamentos homossexuais, é necessário alargar a proibição todos os estados, via uma decisão federal.
Assim como não é suficiente a punição dos promíscuos com a revogação da venda livre da contracepção de emergência, a chamada pílula do dia seguinte. É necessário não apenas que todos os estados aprovem leis que permitam a recusa de venda de contraceptivos com base em «objecção de consciência» mas que sigam as pisadas do Missouri recusando apoio financeiro para contracepção a mulheres de poucos recursos finaceiros. Idealmente que a contracepção seja proibida nos Estados Unidos!
E, claro, é necessário que todos os estados emulem o South Dakota e proibam o famigerado aborto em todas as circunstâncias, excepto as previstas na «Sodomized Religious Virgin Exception» e para salvar in extremis a vida da gestante.
Para além disso, apenas o Missouri e o Kansas, terra dos cristãos sem medo que aprendem o bom (neo)criacionismo cristão nas aulas de biologia, perceberam que é necessário acabar com a abominação que são as aulas de educação sexual nas escolas públicas.
Claro que é uma boa notícia para os fundamentalistas cristãos que o Tennessee tenha passado uma lei permitindo placas de matrícula estaduais anti-aborto que ostentem os dizeres «Choose Life» e tenha proibido placas que leiam «Choose Choice». O diferencial do preço (mais elevado) destas placas vai direitinho para os cofres de uma organização anti-aborto, a New Life Resources. Mas não é suficiente que apenas 13 estados permitam estas placas, Alabama, Arkansas, Connecticut, Florida, Hawaii, Louisiana, Maryland, Mississippi, Montana, Ohio, Oklahoma e South Dakota.
E, não obstante os esforços de Bush em tentar controlar a ciência que se faz nos Estados Unidos, nomeadamente com o desvio de fundos de investigação para projectos cretinos e não científicos como o poder da oração e afins, a análise do financiamento científico federal pela The Traditional Values Coalition (TVC), uma organização que representa 43000 Igrejas americanas que veta projectos de investigação «imorais», controle da blasfema investigação em células estaminais, os cientistas continuam a «contaminar» os Estados Unidos com as suas teorias ateístas e a impedir que as boas«teorias» obscurantistas cristãs sejam livremente difundidas.
Será que o GOP – e o resto da América – perceberam a mensagem? Ou será que Tony Perkins necessita realizar mais conferências de imprensa para os americanos perceberem a real ameaça que os fundamentalistas cristãos constituem*?
E que por mais medidas cristãs que sejam promulgadas elas nunca serão suficientes para os fanáticos cristãos até os Estados Unidos serem um «paraíso» bíblico seguindo à letra as leis divinas e aplicando castigos «bíblicos» às prevaricações a essas leis?
*Sobre o tema ver um artigo no New York Times de ontem que analisa o mais recente livro de um estratega do GOP, Kevin Phillips, dos finais dos anos sessenta, início dos anos setenta, American Theocracy: The Peril and Politics of Radical Religion, Oil, and Borrowed Money in the 21stCentury.