Vinte e sete organizações muculmanas dinamarquesas interpuseram um processo de difamação contra o Jyllands-Posten na quarta-feira, duas semanas depois de o procurador-geral dinamarquês ter afirmado que os cartoons da discórdia não violavam a as leis dinamarquesas da blasfémia ou contra o racismo.
Michael Christiani Havemann, o advogado que representa os grupos muçulmanos, informou que a acção pretende uma indemnização de cerca de 15 000 euros em danos por parte do editor chefe do jornal dinamarquês, Carsten Juste, e do seu editor de cultura Flemming Rose, que supervisionou o projecto dos cartoons. O advogado explicou ainda que:
«Nós pretendemos um julgamento do texto e dos cartoons que foram gratuitamente difamatórios e injuriosos»
Não percebo muito bem como os cartoons podem ser considerados difamatórios. Por alguns associarem o islamismo a violência? Pensaria que a associação foi e é feita não pelos cartoons mas pelas acções (e falta de reacção em alguns casos, como o do julgamento por apostasia de Rahman) dos muçulmanos um pouco por todo o mundo. E injuriosos apenas indirectamente na medida em que a campanha de intimidação e o assalto à liberdade de expressão ocidental orquestrados como manifestação «espontânea» de indignação aos cartoons de facto contribuiram para que muitos se apercebessem de que o Islão é uma religião de violência. Uma religião em que o teste de lealdade não é a fé mas o martírio na luta contra os incréus (47:4) – a única forma de salvação garantida (4:74; 9:111), já que apenas os «mártires» que morrem quando assassinam não crentes têm automaticamente todos os seus pecados perdoados (4:96).
Os dirigentes do Partido Popular Europeu, que integra alguns dos maiores paladinos da moral e da honestidade pública, como Berlusconi e Aznar, foram genuflectir-se a B16 que os recebeu na qualidade de Chefe de Estado do Vaticano, o Estado totalitário que vive de acordo com o direito divino.
Perante a maior associação de partidos políticos, amigos do Papa e da hóstia, o sátrapa exortou os representantes para se empenharem no «combate político contra o laicismo».
«O vosso apoio à herança cristã pode contribuir de forma significativa para a derrota de uma cultura que já está largamente espalhada pela Europa e que relega a manifestação da convicção religiosa para a esfera do privado e do subjectivo».
O ditador de sapatinhos vermelhos não se resigna à perda do poder temporal.
B16 afirma que as intervenções de Igrejas ou comunidades eclesiais no debate público «não constituem formas de intolerância ou interferências, dado que essas intervenções se destinam a iluminar as consciências».
Para o iluminador B16, a moral da ICAR, a prepotência e a interferência nos assuntos internos dos países destinam-se a iluminar as consciências, tal como as fogueiras da Inquisição se destinavam a iluminar cidades quando não havia electricidade.
A luta assanhada contra o laicismo é parte da agenda do Papa, que pretende mergulhar a Europa secular numa pia de água benta e impor aos povos o terço, a missa, a confissão e a devoção à Virgem.
Se o Papa incita despudoradamente ao combate político contra o laicismo, temos de ser determinados no combate político contra o Papa, na defesa da liberdade e do pluralismo.
Que levará este homem, que recusa para si próprio o casamento, que não sabe o que é ter mulher e filhos, a preocupar-se tanto com o divórcio dos outros?
Regresso ao caso de Abdul Rahman , convertido ao cristianismo. O Supremo Tribunal afegão decidiu suspender o processo que inevitavelmente o condenaria à morte por alegada «incapacidade mental».
A decisão é jubilosa, os pressupostos execráveis.
As pressões internacionais desempenharam um papel de relevo mas os depoimentos dos familiares, «ele não tem todas as capacidades mentais», «é louco» e «diz ouvir vozes estranhas na cabeça», foram o alibi para libertar um cidadão que optou por uma religião diferente daquela em que foi criado.
Provavelmente se tivesse optado pela indiferença religiosa ou pelo ateísmo, decisões igualmente legítimas, não teria sido considerado louco, condição sine qua non para manter ligada a cabeça ao tronco, porque a solidariedade internacional seria mais frouxa e as pressões menos intensas.
Não podemos esquecer o silêncio e cobardia de vários Governos de países democráticos em relação à fatwa contra Salman Rushdie e a displicência com que parecem ser vistas as ameaças de morte a Taslima Nazreen.
É perante factos de que o caso de Abdul Rahman constitui um paradigma que devemos interrogar-nos até onde pode ir a defesa do multiculturalismo e a compreensão com o comunitarismo.
Se aceitarmos que a vontade de Deus, interpretada pelos clérigos, se pensarmos que o direito canónico pode, em qualquer circunstância, ser o fundamento do Direito Penal, é a barbárie que prevalece sobre os avanços da civilização.
Se pensarmos que Camilo foi preso por adultério, que o divórcio era praticamente proibido há 30 anos, que o ensino religioso era obrigatório nas escolas públicas, até há pouco, que a escravatura existiu até meados do séc. XIX e a inquisição até 1821, não temos razões para considerar a civilização europeia superior à árabe.
Efectivamente superior é a democracia comparada com a teocracia, a civilização face à barbárie e a supremacia do Estado de direito sobre a tradição.
Nota: Este caso já mereceu 3 artigos da Palmira: «Sentença de morte no Afeganistão», Insanidades mentais e «Abdul Rahman libertado».
A lei britânica anti-discriminação com base na religião ou nas escolhas sexuais recebeu, como seria de esperar, violenta oposição por parte dos cristãos neste país.
Mas ninguém podia prever que centenas de devotos cristãos que dirigem pensões protestem este «abuso» e violação do seu direito de mui cristãmente banirem dos seus tectos homossexuais, casais que não sejam casados ou membros de outras religiões. De facto, centenas de cartas têm sido escritas sobre as novas regras que forçam estes devotos a «trair Deus» e as suas consciências obrigando-os a permitir que «indesejáveis» apreciem a sua hospitabilidade.
Don Horrocks da Aliança Evangélica resume os sentimentos da «hospitaleira» comunidade cristã: «Os homossexuais têm direitos humanos, mas as pessoas religiosas também os têm e potencialmente são incompatíveis». Ou seja, impedir o direito cristão de discriminação com base na religião e na escolha sexual é em si uma discriminação com base na religião já que aparentemente o cristianismo para ser vivido em pleno implica que se possa discriminar pessoas de outras religiões, os abominados homossexuais e pessoas que têm sexo sem serem casadas.
Na mesma linha do pensamento do nosso cavaleiro da pérola redonda que num dos momentos zen de segunda se lamuriou em relação à «Resolução sobre a Homofobia na Europa», que considera uma violação da liberdade (?) esta resolução «abstrusa», já que uma «pessoa, em liberdade, tem o direito de pensar que a homossexualidade é uma depravação». Ecoando a reacção do Vaticano sobre o assunto, que considera esta lei como uma afronta à liberdade, isto é intolerância, religiosa.
Antonin Scalia, um dos juizes Opus Dei que integra a maioria católica no Supremo Tribunal americano declarou num discurso que proferiu para estudantes de Direito em Freiburg que os detidos em Guantanamo não têm o direito a serem julgados em tribunais civis.
Inquirido sobre se os detidos em Guantanamo têm alguns direitos ao abrigo de convenções internacionais, o mui católico juiz, grande paladino do direito à vida de óvulos e espermatozóides e defensor acérrimo da família «tradicional», respondeu:
«Se ele foi capturado no campo de batalha pelo meu exército é aí que ele pertence. Eu tinha um filho nesse campo de batalha e eles estavam a atirar contra o meu filho e eu não vou dar a este homem capturado na guerra um julgamento completo com júri. Seria loucura se o fizesse.»
O devoto Scalia declarou-se ainda atónito com a reacção, que considerou hipócrita, da Europa em relação a Guantanamo.
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