Loading

Mês: Fevereiro 2006

7 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

Um caso perdido

Não me revejo no entusiasmo místico com que os cruzados degolavam infiéis, na euforia com que a Inquisição incinerava bruxas, ímpios e judeus, no dever cristão de delatar pais, irmãos ou filhos, suspeitos de heresia, nem a saltitar de gozo com a combustão de livros.

Não aprendi a gozar jejuns, a deliciar-me com cilícios ou a atingir o êxtase com a castidade. Sou um caso falhado para a vida eterna e um problema para o qual a democracia e os hábitos actuais não têm solução.

Não discuto o valor nutritivo da eucaristia, o interesse terapêutico da missa, a qualidade da confissão como detergente nem o valor da oração para adquirir um lugar no Céu.

Duvido, sim, da influência das novenas na pluviosidade, da capacidade de santa Bárbara a amainar trovoadas, da autonomia de voo da Virgem Maria para poisar nas azinheiras de Fátima, dos anjos de duas, quatro e seis asas e de toda a fauna celeste cuja existência embevece os crentes.

Abomino o hábito de vergastar pessoas para agradar a Maomé, de decepar membros para cumprir o Corão, de lapidar mulheres para punir o adultério, de decapitar infiéis para satisfazer Alá e os suicidas obcecados por virgens e rios de mel.

Troco Moisés por Voltaire, Cristo por Pasteur e Maomé por Rousseau. À fé prefiro a dúvida e aos milagres a verdade. Desprezo Deus e a sua vontade e substituo qualquer encíclica por um livro de Saramago.

7 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

A guerra dos cartoons na RTP

Ontem assisti ao programa «Prós e Contras» na RTP1 que debatia a questão que incendeia a opinião pública internacional, os cartoons de Maomé. Contra a publicação dos cartoons estavam Manuel Clemente, Bispo Auxiliar de Lisboa, David Munir, Imã da Mesquita de Lisboa e Ângelo Correia; do lado da liberdade de expressão, Vasco Rato e os cartoonistas António e Luís Afonso. A prestação do lado dos «contras» foi muito fraquita, com excepção da de Ângelo Correia, que tentou analisar a desproporcionada e violenta reacção do mundo muçulmano do ponto de vista histórico e político. Posso não concordar com boa parte do que Ângelo Correia disse, mas devo reconhecer que tentou ser intelectualmente honesto, não fugiu às questões e não balbuciou apenas platitudes non sequitur, como os dois clérigos, em resposta a questões concretas.

A estrela da noite foi sem sombra de dúvida António, o cartoonista do Expresso, que de forma desassombrada e muito directa, pôs os pontos nos i’s em relação a esta pseudo-polémica. E relembrou aos clérigos, que clamavam por um tratamento de excepção para as religiões, que não existem, nas sociedades democráticas, apenas crentes. Os ateus são uma parte integrante da «cidadania» e os ateus têm tanto direito à liberdade de expressão e à indignação quanto os crentes. A censura preconizada (mas nunca directamente admitida) pelos dois clérigos não só viola um dos direitos mais fundamentais para o desenvolvimento ético da humanidade, a liberdade de expressão, como silenciaria efectivamente todos os ateus, que para ambos se deveriam coibir, por suposto «respeito» ao «outro» (em que este «outro» se refere apenas aos que professam outra religião), de manifestar a sua repulsa pela violação dos seus valores humanistas por matérias religiosas com consequências para toda a sociedade e não apenas para os crentes.

António referiu, entre algumas questões que violam a sua consciência, a polémica do aborto e a criminosa oposição da Igreja Católica ao uso de preservativo como prevenção da SIDA, que motivou o famoso cartoon de João Paulo II com um preservativo no nariz, e as questões da falta de liberdade, do terrorismo, da burka e genericamente do tratamento das mulheres em relação ao islamismo. E declarou que pela sua parte vai continuar a criticar tudo o que violar os seus valores democráticos, tenha origem religiosa ou não!

Concordo em absoluto com todas as intervenções de António. Para os religiosos só é falta de respeito qualquer crítica não só às suas mitologias como a concretizações de inspiração «divina» com consequências para todos. O facto de essas acções concretas, como as referidas por António, serem uma ofensa para qualquer humanista, não necessariamente ateu, não só não lhes merece consideração como é considerado igualmente uma ofensa pelos intolerantes clérigos, que não disfarçaram o seu incómodo durante o programa em relação a algumas intervenções acutilantes de António.

Mais do que esclarecer as poucas dúvidas que teria em relação à posição (decalcada da mesma cartilha) de ambos os clérigos em relação à pseudo-polémica dos cartoons, o programa foi inestimável para confirmar que para ambos a religião deve estar acima de qualquer crítica, isto é, que deve existir censura religiosa, e, especialmente, que o «respeito» pelas ideias (religiosas claro, as humanistas não merecem alguma consideração) se deve sobrepôr ao respeito pelos indíviduos e pelos seus direitos fundamentais! Como consequência ressalta que para ambos é implicitamente inadmíssivel a liberdade de expressão dos ateus, que não constam dos «outros» e como tal não merecem respeito ou sequer direitos!

6 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

Diário Ateísta silenciado

O Diário Ateísta esteve silenciado durante 41 horas, desde as 02H00 da manhã de Domingo até às 19H00 de hoje.

Não foram encontrados o vírus Moisés, a bactéria J.C. ou o verme Maomé. Foi uma heresia do servidor, uma blasfémia da Internet, um pecado mortal do ciberespaço.

O D. A. deu descanso ao charlatanismo e deixou os avençados do divino à solta.

Desde as 19H00, regressou ao convívio dos leitores. Aqui está para redobrar os esforços na luta contra o obscurantismo e na tentativa de desmascarar a crueldade, a violência e a insânia que as religiões espalham.

6 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

Papa negro resigna

Peter-Hans Kolvenbach, o responsável máximo pelos jesuítas, a maior ordem católica, conhecido como o «Papa Negro» devido à cor das suas vestes e à importância da ordem, será o primeiro Superior Geral da ordem a resignar em 500 anos de História.

De facto, desde a eleição de Bento XVI (a que os jesuítas se opuseram) que o Vaticano é palco de uma «guerra» surda entre as facções mais «liberais» da Igreja católica, ala menos conservadora protagonizada especialmente pelos jesuítas, e as forças mais fundamentalistas, nomeadamente a Opus Dei. A «guerra» incide especialmente no controle das operações do Vaticano para os meios de comunicação, que a Opus Dei quer dominar.

Bento XVI abençoou a resignação, «voluntária» tal como a do padre Thomas Reese, do dignitário jesuita, que ocorrerá em 2008.

5 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

Choque de civilizações?


«I cobble together a verse comedy about the customs of the harem, assuming that, as a Spanish writer, I can say what I like about Mohammed without drawing hostile fire. Next thing, some envoy from God knows where turns up and complains that in my play I have offended the Ottoman empire, Persia, a large slice of the Indian peninsula, the whole of Egypt, and the kingdoms of Barca {Ethiopia}, Tripoli, Tunisi, Algeria, and Morocco. And so my play sinks without trace, all to placate a bunch of Muslim princes, not one of whom, as far as I know, can read but who beat the living daylights out of us and say we are ‘Christian dogs.’ Since they can’t stop a man thinking, they take it out on his hide instead…» Pierre Augustin Caron de Beaumarchais, As Bodas de Fígaro*

De Londres a Jakarta passando por Gaza e Islamabad, em suma em todo o mundo islâmico e nos locais onde a comunidade islâmica tem mais força, temos assistido àquele que parece o choque de civilizações preconizado por Samuel Huntington há mais de uma década. Pessoalmente não subscrevo todas as teses de Huntington mas as reacções desproporcionadas do mundo islâmico a um não acontecimento recordaram-me as minhas reflexões aquando da morte de Theo van Gogh. E considero ser um não acontecimento porque numa sociedade democrática em que, ao contrário do que se passa na maioria dos países islâmicos, há pluralismo de opiniões, liberdade de expressão e o estado não controla os meios de comunicação, não faz sentido responsabilizar todo um país pelos actos de uns poucos indíviduos.

Hoje, na Síria, milhares de manifestantes incendiaram as embaixadas da Noruega e da Dinamarca (destruindo o edifício de três andares onde se encontravam situadas as embaixadas da Suécia e do Chile) em Damasco. Em Londres os manifestantes que se deslocaram da mesquita de Regent’s Park para a embaixada da Dinamarca empunhavam cartazes onde se podia ler «Matem os que insultam o profeta» e «A única forma de isto ser resolvido será se os responsáveis forem entregues para serem punidos pela lei islâmica, para que possam ser executados».

O que fizeram os «responsáveis» que tantos milhares exigem punidos com uma pena que nenhum país europeu aplica e que despoletou este «choque de civilizações»? Simplesmente publicaram uns cartoons (inócuos na minha opinião) que representam Maomé e aludem à ameaça real que o fundamentalismo islâmico constitui actualmente! Se, como afirmava o Sheik Munir hoje na Sic, os muçulmanos se sentem ofendidos pelo facto de Maomé ser caricaturado com um turbante em forma de bomba e que tal supostamente implicaria que todos os muçulmanos são terroristas, então convenhamos que as reacções do mundo islâmico não são as mais apropriadas para demonstrar que tal não é verdade!

Pelo contrário, a escalada de violência a que temos assistido nos últimos dias pode ser classificada como puro terrorismo, que é simplesmente o uso da violência ou a ameaça do uso da violência contra civis por razões políticas, religiosas ou ideológicas.

Ceder, nem que seja um mílimetro, ao terrorismo islâmico em qualquer expressão é ceder nas duramente alcançadas conquistas civilizacionais ocidentais, construídas em torno do respeito dos direitos humanos e em que a liberdade de expressão foi e é a pedra basilar. Espero, para bem da civilização, que a proposta das organizações árabes que pretendem que a ONU aprove uma resolução banindo «desrespeito de crenças religiosas» esteja condenada ao fracasso! Ou outra longa noite obscurantista nos envolverá certamente…

Especialmente se considerarmos tudo o que é considerado um insulto ao Islão, desde questionar a legitimidade do apedrejamento até à morte de apóstatas, ursos de peluche e cruzes, igualdade de direitos para as mulheres, comer carne de porco, etc.. Não estou disposta a andar de burka, três passos atrás de um acompanhante masculino e sem poder conduzir o meu carro, simplesmente porque muitos políticos ocidentais estão reféns de um maniqueismo pré-queda do muro tão anacrónico e abstruso quanto as aberrações das leis islâmicas!

As reacções ao não acontecimento das caricaturas de Maomé, para além de caricatas, já que o suposto insulto residiu na associação de violência com o islamismo e de facto a associação foi efectuada não pelos cartoons mas pelos próprios manifestantes, são uma demonstração de totalitarismo, uma ameaça às fundações da nossa sociedade e à própria democracia! Como escreveu Ibn Warraq, o Ocidente não tem nada que pedir desculpas e não deveria pedir desculpas!

A liberdade de expressão é um valor em que assenta a nossa sociedade democrática e livre. Foi a liberdade de expressão que pemitiu a abolição da escravatura, a instituição da democracia, a igualdade de direitos para todos, independentemente de cor da epiderme, credo, sexo ou opção sexual. Não precisamos de «lições» de comportamento de sociedades que não respeitam os mais elementares direitos humanos, onde as mulheres são sub-humanos sem quaisquer direitos, a não ser o apedrejamento por suposto adultério, o mesmo destino dos homossexuais!

*As Bodas de Fígaro, com libreto de Lorenzo da Ponte, foi criada por Wolfgang Amadeus Mozart a partir de uma comédia escrita em 1784 por Pierre Augustin Caron de Beaumarchais, o mesmo autor de «O Barbeiro de Sevilha», escrita em 1775 e transformada em ópera por Rossini, e de «A mãe culpada», escrita em 1792.

4 de Fevereiro, 2006 Ricardo Alves

Pensamento do dia

«A questão é que a fé, mesmo a fé moderada, é perniciosa porque ensina que acreditar em algo sem evidências é uma virtude
The point is that faith, even moderate faith, is pernicious because it teaches that believing something without evidence is a virtue.» Richard Dawkins na New Statesman.)
4 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

Lúcia fez milagre na Argentina

[A menina foi submetida a dez dias de terapia intensiva e começou a fazer hemodiálise. Quando tudo parecia encaminhar-se para que melhorasse, contraiu uma infecção hospitalar. Para a curar da bactéria, os médicos precisavam de dar-lhe um antibiótico. Mas os rins podiam não aguentar o poder do medicamento.
Foi então, a 13 de Junho, que Alexandra Maria se ajoelhou junto à cama da filha, levou ao peito o livro «Memórias da Irmã Lúcia» e pediu à vidente que curasse a menina e a deixasse viver sem sequelas. Dias depois, a criança recuperou. «Fizeram análises e já não havia sinais da infecção, nem da doença», conta a mãe, salientando que até os médicos classificaram a cura de «milagre»].
(Correio da Manhã, 3/2/2006)

Como previsto, pelo Diário Ateísta, em 18 de Fevereiro do ano passado, no artigo «A canonização de Lúcia», a adjudicação de um milagre seria breve, apesar de, por hábito, a intercessão milagreira estar interdita a cadáveres menores de cinco anos.

O Vaticano prescindiu da cobrança dos 250 a 300 mil euros à postulação portuguesa, custo habitual de uma beatificação – excelente augúrio, tratando-se de dinheiro.

Menos de um ano depois, e antes de removido o cadáver, já chegaram às mãos do padre vice-postulador 13 quilos de milagres, em cartas, que referem graças recebidas.
E há um que não falha. É, pelo menos, a convicção do padre responsável pelo processo de canonização dos pastorinhos Francisco e Jacinta Marto. «É uma cura sensacional, já por intercessão da irmã Lúcia depois da sua morte», disse o sacerdote.

O Diário Ateísta soube pelo Correio da Manhã, um jornal com excelentes relações com o divino e com o antigo director da PJ, que se chama Rosário André, tem quatro anos e vive na cidade de Salta, no Norte da Argentina, a menina curada em Junho de 2005 por intercessão da Irmã Lúcia.

A mãe da criança, Alexandra Maria, é uma grande devota de Nossa Senhora de Fátima e dos Pastorinhos.

Está, assim, em vias de ser reparada a injustiça, provocada pela longevidade, em que a Lúcia se atrasou no caminho da santidade, apesar de ser a única confidente da Virgem, que a aturava nas conversas, a via e lhe fazia os recados.

Graças à Lúcia, os portugueses criaram pelo terço uma loucura só hoje comparável à do Euromilhões, a Rússia começou o processo de conversão e JP2 levou um tiro por não ter previsto que o 3.º segredo era com ele.

3 de Fevereiro, 2006 jvasco

Liberdade de Expressão

É engraçada a forma como esta imagem traduz bem a polémica que causou

3 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

Em nome da liberdade


A transferência do direito divino para a soberania popular foi um pequeno passo para a democracia e uma grande decepção para o clero.

A liberdade é um bem cada vez mais escasso. Devassada pela insegurança dos Estados, ameaçada pelo medo e tolhida pelo fanatismo religioso, a liberdade precisa de quem a defenda contra tudo e contra todos.

A publicação destas caricaturas de Maomé desencadeou a ira do islão e os desacatos, ameaças e violências dos fanáticos do pastor de camelos. Amanhã seriam os cristão a combater esta alusão ao calvário de Cristo e a liberdade de expressão regressava às mãos dos padres e coronéis que na ditadura exerciam a censura à imprensa.

Temos na memória o trauma das perseguições da inquisição, a celeuma recente de um aconselhável preservativo colocado em sítio menos óbvio – o nariz de João Paulo II -, pelo cartoonista António e o assassinato de um médico por um pastor evangélico, na sequência da prática de um aborto, nos EUA.

Temos o direito de caricaturar Deus, como afirmava intemerato o jornal France Soir «OUI, on a le droit de caricaturer Dieu».

Se nos deixarmos tolher pelo medo, não tarda que o poder seja de novo confiscado pelo clero, que sempre reivindicou procuração divina, e que sejam postos em causa direitos, liberdades e garantias arduamente conquistados ao longo dos séculos.

Dar publicidade aos testemunhos de irreverência, humor e heresia não é provocação aos crentes, é um acto de cidadania em defesa da liberdade de criação, uma ousadia contra a chantagem, uma advertência de quem resiste ao medo, à violência e à chantagem.

Este artigo, publicado em simultâneo no Diário Ateísta e no Ponte Europa, é um acto de solidariedade para com todos os criadores artísticos, órgãos de comunicação social que os acolhem e países que não se vergam à histeria da fé e ao fascismo religioso.

É também uma forma de homenagear Salman Rushdie cuja condenação à morte nunca foi censurada pelo Vaticano.

Não faltam cobardes a dizer que «deve haver um certo cuidado» e que «talvez não tenha sido sensato». A pusilanimidade não conhece limites.