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Mês: Janeiro 2006

21 de Janeiro, 2006 Carlos Esperança

Primeira comunhão – 1.ª parte

Meio século depois vêm-me à memória as doces catequistas da minha infância. A menina Aurora e a sua Tia Ricardina ambas solteiras de muitos anos e beatas de quase tantos outros. Lembro-me do fervor com que me ensinaram a odiar os judeus porque mataram Cristo, os maçons porque perseguiam a igreja e os comunistas porque eram ateus. Recordo o entusiasmo que punham nas orações para que Deus iluminasse os nossos governantes e lhes desse longa vida, apelos ouvidos no que diz respeito à segunda parte.

Nas aulas de doutrina explicavam-me a cor do firmamento, ao pôr do sol, como sendo o sinal de que os comunistas iam matar os cristãos, conforme a Irmã Lúcia tinha revelado, e eu, tão estúpido, que não deixava de ser cristão, com maior medo do Inferno e das suas labaredas, onde apenas se ouviam gritos e ranger de dentes, do que da morte que os ditos comunistas me preparavam.

Penso que era o medo da revelação do 3.º segredo de Fátima que me toldava a razão e me deixava manietado para outras reflexões. Sabia que Deus estava muito zangado, do mesmo modo que toda a gente o sabia, por ouvirmos dizer, bem entendido, e que devíamos rezar o terço para lhe aplacar a ira contra os que não eram crentes mas, não sei porquê, quem pagava éramos nós, talvez por Ele não ter jurisdição nos que não acreditavam, mas isso não podia ser porque Deus era omnipotente, eu só não percebia a obsessão da nossa parte em assumirmos culpas alheias e fazer pagamentos por conta, o motivo de termos de expiar os pecados alheios, isso na época não me admirava, havia muita solidariedade, eram grandes os sentimentos que nos animavam e nobres as devoções. Assim salvássemos a nossa alma de ser frigida no azeite das profundezas, combustível de sabor mediterrânico que alimentava os meios de produção da eterna justiça a cujo suplício estavam destinados os condenados.

Valia-me a certeza de fazer parte dos poucos, poucos é a gente a falar pois na aldeia eram todos, que podiam aspirar à bem-aventurança eterna. A nossa religião era a única que conduzia à salvação, todos os outros estavam errados e faziam muito mal em não se converter. A Santa Madre Igreja, Católica, Apostólica, Romana, estava aberta, nunca compreendi como é que podia haver quem se negasse à conversão e ao caminho da santidade que lhe eram oferecidos, como é que alguém podia duvidar de que o papa fosse o sucessor de Pedro e o representante de Cristo na Terra e os Senhores Bispos os sucessores dos Apóstolos! Como era possível que os judeus se não arrependessem de ter assassinado Jesus e persistissem no erro, que os moiros teimassem em permanecer infiéis, vá-se lá perceber a razão de ser mais fácil persistir no erro do que aceitar a salvação. Era tão difícil o entendimento, sobretudo a quem não conhecia a outra parte, e ainda bem, pois era dever de um cristão converter os outros ou, se eles o não quisessem, usar meios adequados para livrá-los do erro.

Por sua vez o Sr. Padre, depois da me ter examinado e aprovado no exame da catequese, declarou-me em condições de iniciar os preparativos para a primeira comunhão. De novo as catequistas se encarregaram de me preparar para a desobriga que a precedia. Foi durante a confissão que, genuflectido, depois de uma oração preliminar, me convidou a contar-lhe os pecados. Esforcei-me por recordar as vezes que tinha posto o dedo na malga da marmelada sem saber se de um só pecado, repetido, se tratava ou de tantos quantas as incursões no vaso onde se guardava uma guloseima castanha e muito doce à espera de tentar a criança. Dava voltas à memória para saber se tinha alguma vez mentido, se tinha maus pensamentos ? e isso tinha ?, pensava em partir o pião de um colega acertando-lhe com o ferrão do meu, se tinha pecado por palavras ou obras, indiscutível matéria de reflexão e arrependimento, pois eu conhecia palavras feias que não cabia a um cristão pensar e muito menos pronunciar. Mas não era disso que cuidava o Sr. Prior na longa confissão, que eu entendi como proporcional à dimensão dos pecados ou, na melhor das hipóteses, como deferência para com o filho da Sr.ª Professora, mas eu não pensava nesta possibilidade, pois as crianças não são sensíveis à deferência nem à divisão em castas. O reverendo cuidava saber se eu praticava o pecado solitário, maldade de cujo ensinamento o medo que as outras crianças tinham da professora me havia até então livrado, e, perante a minha ignorância, preveniu-me piedosamente por antecipação, antes é que vale a pena não é depois do mal feito, preveniu-me ? dizia ? dos riscos da cegueira a que podia conduzir-me esse pecado, risco que me afligia bastante, bem como da tuberculose que, apesar da gravidade à época, eu não estava em condições de avaliar.

Perguntou-me ainda se eu fazia marranices, palavra com que acabava de me enriquecer o léxico, o que me deixou perturbado por ser um pecado que eventualmente eu cometesse sem saber, possibilidade de elevado grau de probabilidade pois aos pecados confessados não fora dada importância e aos pecados desconhecidos era dada uma particular e desvelada atenção, aumentando-me a ansiedade e sentimento de culpa, tanto maior quanto mais profunda era a minha ignorância. Explicou-me que o dito pecado era pôr-me em cima das raparigas e fazer zumba, zumba, zumba… e ficou ali a repetir a palavra algum tempo, como se tivesse esquecido o que estava a dizer, até recuperar a tranquilidade e ter-me mandado rezar o acto de contrição, que eu tinha na ponta da língua, completamente desinteressado já dos pecados de que eu carecesse de aliviar-me para salvação da alma.

Levei de penitência uns tantos pai-nossos e ave-marias, coisa de pouca monta, que me levou a acreditar que os pecados não eram tão pesados nem difíceis de expiar como eu tinha imaginado. A penitência foi cumprida nessa noite, antes de adormecer, ansioso pela chegada da meia-noite, hora canónica a partir da qual não podia tomar qualquer alimento sólido ou líquido antes da comunhão onde ia receber pela primeira vez o corpo de Nosso Senhor que, não sei como, cabia numa rodela finíssima de pão ázimo sem fermento nem sal, ainda por cima partida em pedacinhos de que só me coube uma insignificância, de paladar péssimo, que não podia tocar com os dentes, não fosse morder o Senhor, e aquilo colou-se-me ao palato e eu tinha medo de levar lá a língua que podia incomodar Nosso Senhor, que devia ser muito susceptível, e eu a debater-me com aquele pedacinho de farinha que teimava em não se desfazer, mais parecia borracha com cola, mas que eu bem sabia que tinha um alto valor nutritivo como alimento da alma, embora me não desse conta, mas disso estava prevenido pela menina Aurora e pela sua Tia Ricardina, bem como pelo Sr. Prior que na véspera veio pela segunda vez examinar-nos e confirmar a nossa preparação para recebermos Nosso Senhor. Quem não estivesse preparado não era digno, eu era, por ser o melhor aluno da catequese, mas pareceu-me que os menos preparados se deram melhor com a sagrada partícula de que se aliviaram mais cedo do que eu e, de qualquer modo, não tinha havido reprovações.

21 de Janeiro, 2006 Carlos Esperança

Primeira comunhão – 2.ª parte

Não sei se a comunhão purificou a alma, mas sei que estimulou o apetite. Foi com uma fome imensa que assisti ao fim da cerimónia da santa missa sem me dar conta que a gula, que começava a devorar-me, era obra do demo que aguardava, para tentar-me, provavelmente possesso, se é que o demónio pode estar possuído dele próprio, ou talvez desesperado na luta quotidiana entre o bem e o mal, qual lutador que não se resigna a atirar a toalha ao ringue, mesmo quando o combate é desigual, quando a alma se tonifica pela oração, penitência e comunhão que são poderosos demonífugos que obrigam o mafarrico a redobrados trabalhos para não perder a quota de mercado a que se julga com direito.

Antes de correr para casa em busca de vitualhas com que pudesse saciar a fome de dezasseis horas de jejum não me esqueci de me persignar, depois de ter molhado de água benta os dedos, mergulhados na pia de pedra que saía da parede ao lado da porta da igreja, água que, apesar do aspecto, pelas propriedades intrínsecas, havia de ser um poderoso desinfectante para as moléstias da alma e um profiláctico precioso para as tentações que o demo, na sua permanente vigilância e incansável dedicação ao trabalho, não deixaria de fazer.

E eu conhecia o segredo da água benta por tê-la visto preparar pelo Sr. Padre que se paramentou de propósito e transformou um cântaro de água vulgar na dita água benta através das modificações induzidas pelas rezas que acompanharam os sinais cabalísticos, cruzes imaginárias desenhadas no ar, por cima do dito cântaro, enquanto alguns garotos seguíamos com o olhar os tais sinais para ver quando se dava o salto dialéctico, isto é, a mudança da quantidade em qualidade, ou seja a mudança da água vulgar em benta, sem sabermos ao tempo o que era isso de salto dialéctico, mas sabendo reconhecer a diferença entre uma e outra, o que era muito mais importante para a eternidade a que não podemos fugir, e bem mais decisivo para a salvação da alma, que estas sociedades modernas querem fazer crer tratar-se de anacronismo, mas que não é, que o diga a Irmã Lúcia que na opinião do Prof. João César das Neves é uma intelectual que os outros intelectuais, que o não são, não aceitam, por arrogância ou despeito, por não terem sido chamados à santidade, vá-se lá saber o motivo, o Professor também não explica lá muito bem, mas sabemos que tem razão, pois até já escreveu vários livros e foi consultor do Prof. Cavaco e não se cansa em meios bastante hostis de alertar para a salvação que hoje, tal como no meu tempo de criança, devia ser um objectivo primordial, mas as pessoas estão menos interessadas no que diz o Papa que nos livrou do comunismo do que na Televisão, que só diz mentiras, e no que afirmam os políticos que são todos uns corruptos e mentirosos que dizem coisas diferentes do que vem na santa Bíblia e, por isso, não podem dizer verdades, e só falam no bem estar material, como se o bem estar material interessasse alguma coisa, como se a alma não fosse o bem mais precioso que as pessoas têm, mas, enfim, estamos a chegar ao fim do mundo e as pessoas não acreditam, a mensagem de Fátima é bem explícita, mas as pessoas não a compreendem, nem sequer compreenderam Sua Santidade quando anunciou o terceiro segredo, mesmo os peregrinos estavam desatentos e não compreenderam, vá-se lá pedir aos outros que compreendam, para isso é preciso ter sido tocado pelo dom da fé que cada vez falta mais, bem pode esforçar-se Nosso Senhor, se os homens não quiserem, depois não digam que não foram avisados.

Nota – Publicação simultânea em Ponte Europa

21 de Janeiro, 2006 Palmira Silva

Senado restringe manifestações de ódio

Pela primeira vez nos últimos anos um Senado americano, neste caso o da Indiana, aprovou quasi unanimemente (47 votos a favor, 1 contra) uma lei que pretende restringir as manifestações de ódio e intolerância de grupos dos muitos fanáticos cristãos que abundam no país. Infelizmente a legislação aprovada no Senado limita-se a proibir estas manifestações em funerais e não em todo o espaço público.

A lei foi proposta inicialmente pelo senador republicano Brent Steele e pretendia restringir os protestos em funerais militares. De facto, os membros da Igreja Baptista de Westboro, Kansas, fanáticos devotados ao mui cristão objectivo de combater homossexuais, têm perturbado as cerimónias fúnebres de soldados mortos no Iraque (mas não só), com cartazes em que afirmam que os soldados morreram por causa da tolerância (?) americana em relação aos homossexuais.

O grupo já afirmou que se a lei passar na Câmara de Representantes a vai combater, certamente considerando, tal como a Igreja Católica em relação à recente resolução do Parlamento Europeu – que condena as posições de líderes religiosos sobre a homossexualidade, considerada «linguagem inflamatória, odiosa e ameaçadora» – que tal lei é uma afronta à liberdade, isto é intolerância, religiosa.

Nos Estados Unidos, como na Europa, os grupos religiosos ainda não foram permeados pelo conceito de tolerância e, lá como cá, queixam-se da ingerência do Estado na «legítima» (para cristãos) discriminação de pecadores.

20 de Janeiro, 2006 Carlos Esperança

O Inferno e o Paraíso

O Inferno e o Paraíso são a ameaça e a promessa, o horror e as delícias com que os impostores da fé assustam e entusiasmam. Um é o chicote e a cenoura o outro. Com ambos engodam os padres os timoratos e os cobiçosos.

Os milhões de parasitas que as religiões alimentam não precisam de crer nas patranhas que impingem, basta que os incautos acreditem e o poder do Estado proteja o negócio.

A aliança entre a religião e o Estado facilita o charlatanismo religioso, corrói o tecido moral de um país e aduba a superstição e a ignorância com o vírus da fé.

Perseguir a religião, qualquer religião ou corrente filosófica, é um acto de tirania, mas favorecer os trampolineiros da fé, alcoviteiros do dogma e propagandistas dos milagres, é uma cobardia de oportunistas à espera de favores da Igreja.

Deixemos que os beatos se empanturrem em hóstias, se demolhem em água benta e se defumem em incenso. Não lhes causam azia as hóstias nem a água benta lhes desarranja os intestinos. Só o incenso é curto para cobrir os odores que o banho diário elimina.

O ateísmo é uma vacina contra a idolatria, a trapaça e o fanatismo.

19 de Janeiro, 2006 Ricardo Alves

Nem um cêntimo para as igrejas

A Americans United for Separation of Church and State anunciou quarta-feira que retirou uma queixa judicial contra a autorização de financiamento, pelo Congresso dos EUA, de vinte e uma igrejas católicas da Califórnia.

Deve notar-se que a laicidade do Estado, no que diz respeito ao financiamento de edifícios religiosos, é praticada de forma mais radical nos EUA do que, por exemplo, na França. Assim, enquanto a lei francesa de 1905 garante a propriedade estatal de centenas de igrejas católicas que existiam em território francês nessa data (com o consequente financiamento público da manutenção de edifícios que são usados gratuitamente para o culto católico), nos EUA as igrejas com serviços religiosos regulares não recebem um cêntimo do dinheiro público.

O Governo de George W. Bush tentara contornar a proibição constitucional de apoiar as igrejas alegando que as «missões da Califórnia», fundadas nos séculos 18 e 19 por missionários espanhóis, tinham interesse histórico e monumental. Sem pôr em causa este último, a Americans United apresentou queixa em nome de contribuintes da Califórnia, notando que existem congregações activas em dezanove dessas vinte e uma igrejas. No seu depoimento no Senado dos EUA, Barry Lynn (o Presidente desta associação laicista) baseou a sua argumentação na interpretação da Constituição dos EUA feita pelo Presidente James Madison (considerado o «pai» da Constituição dos EUA), que em 1811 vetou a cedência de um terreno a uma igreja baptista com o argumento de que o dinheiro público não pode ser apropriado pelo Estado para apoiar associações religiosas. A interpretação da Constituição feita em três casos judiciais em 1971 e em 1973 foi também no sentido de que as igrejas se devem sustentar a si próprias, e não viver à custa dos contribuintes.

Aparentemente, a acção judicial inibiu o Congresso dos EUA de avançar com o financiamento das «missões da Califórnia», uma vez que não se registou qualquer movimento nesse sentido. Segundo um dirigente da Americans United, «ganhámos sem ir a Tribunal».
19 de Janeiro, 2006 Carlos Esperança

O milagre das rosas…

– Que levais aí no regaço, Senhora?

– São rosas, Senhor!

– Rosas em Janeiro? – perguntou o rei, já com um sorriso malandro a bailar-lhe nos lábios.A caridosa rainha abriu o manto e, perante a grande admiração geral, as moedas e os pães que levava no regaço tinham-se transformado milagrosamente em rosas.

Moral desta bela e pungente história tipicamente cristã:

Quando te vires à rasca, mente descaradamente!

Não só Deus te ajuda, como ainda podes vir a ser canonizado…

Adenda – Texto reduzido, inicialmente publicado por Luís Grave Rodrigues

18 de Janeiro, 2006 Carlos Esperança

Lúcia – Rali Coimbra/Fátima

No próximo dia 19 de Fevereiro a Igreja católica serve aos fregueses um cortejo fúnebre com os ossos da Irmã Lúcia a viajar em beata euforia a caminho de Fátima.

As festividades começam com a exumação do cadáver nos claustros do Carmelo. A largada terá início no convento, com uma paragem técnica na Sé Nova onde terá lugar um festival eucarístico filmado pela RTP e abrilhantado pelo bispo Albino Cleto. A meta ficará instalada no Santuário de Fátima e a mórbida excursão será exibida em directo pelas televisões.

A RTP cederá as imagens do macabro espectáculo aos outros operadores televisivos e o desvario místico atingirá o clímax com a encenação da entrada do féretro no Santuário.

Em criança encerraram-na num convento, depois de morta servem-na à multidão. Em vida privaram-na de tudo, em cadáver cumulam-na de honras. As privações, a fome e o frio provocaram-lhe alucinações que a ICAR aproveitou na luta contra a República e na cruzada contra o comunismo. Agora reservam-lhe a santidade e uma caixa para recolher esmolas.

A santidade é a profissão a que se acede a título póstumo, excepto para o «Sapatinhos Vermelhos» para quem a santidade é profissão e estado civil.

No próximo dia 19 de Fevereiro, enquanto muitos portugueses renunciam à inteligência, a demência da fé, o charlatanismo e a superstição unem-se num espectáculo do terceiro mundo, denunciando o atraso cultural do povo numa manobra de vil proselitismo.

18 de Janeiro, 2006 Palmira Silva

Lei sobre suicídio assistido passa no Supremo

O Supremo Tribunal americano manteve uma lei do Oregão que permite que os médicos neste estado ajudem a morrer com dignidade doentes terminais. A lei estadual, Morte com Dignidade, contestada pela administração Bush e levada ao Supremo por John Ashcroft, foi aprovada em referendo no Oregão e permite que pacientes com menos de seis meses de vida, na plena posse das suas faculdades mentais, comprovadas por dois médicos, e que assim o manifestem por escrito e oralmente, possam obter dos respectivos médicos medicação que os ajude a morrer com dignidade.

A votação sobre a manutenção desta lei estadual, uma das últimas em participa Sandra Day O’Connor, teve os votos contra dos três juízes católicos Roberts, Antonin Scalia e Clarence Thomas. O’Connor, que está de saída do Supremo e para cujo lugar decorrem ainda as audiências ao católico Alito, protagonizou durante os seus anos de Supremo um voto de equilíbrio, nomeadamente porque, como afirmou o director executivo da Americans United for Separation of Church and State, o reverendo Barry W. Lynn «Devemos insistir para que o Presidente Bush a substitua por alguém que respeite a liberdade individual. O’Connor era uma conservadora mas via a complexidade das questões igreja-estado e tentava escolher um curso de acção que respeitasse a diversidade religiosa do país. A sua resignação potencialmente abre a porta à maior mudança na linha do Supremo Tribunal da história moderna».

Se Alito passar no Senado os teocratas terão a maioria no Supremo e questões como a revogação da decisão Roe versus Wade (que permite a interrupção voluntária da gravidez), e a discriminação de homossexuais serão certamente os pontos quentes da agenda do Supremo. E não serão certamente tratadas com respeito pelas liberdades individuais nem atentarão à «complexidade das questões igreja-estado».

Aliás por alguma razão são grandes apoiantes de Alito organizações como a Focus on the Family, que recentemente incitou ao boicote dos produtos de grandes empresas americanas como a Microsoft, Boeing, Hewlett Packard e a Nike que assinaram uma carta urgindo a passagem da lei que inclui a orientação sexual na lei anti discriminação ou a Faith and Action, ambas grandes apologistas da imposição a todos dos «valores cristãos» e da «liberdade cristã» o que significa simplesmente que pretendem ver criminalizados ou discriminados todos os que não seguem as «verdades absolutas» cristãs!

18 de Janeiro, 2006 Ricardo Alves

O mundo das religiões dá mais uma volta

A Igreja Anglicana da Inglaterra poderá, muito em breve, autorizar que as mulheres ascendam a bispo ou arcebispo.

O relatório que propõe esta alteração será discutido em Fevereiro, e poderá provocar uma cisão semelhante à registada em 1994, quando a autorização para que as mulheres fossem sacerdotes levou a que 400 padres anglicanos (alguns dos quais estavam e permanecem casados) se tornassem católicos. Deve acrescentar-se que as igrejas anglicanas dos EUA, do Canadá e da Irlanda (entre outras) já autorizam que as mulheres sejam bispos e que portanto ordenem padres.

Este último avanço para a causa da igualdade dos sexos na sociedade civil isolará ainda mais as igrejas católica ortodoxa e católica romana como derradeiros bastiões, entre as maiores igrejas cristãs, da total misoginia eclesiástica. A variedade católica romana, que demonstra uma tão doentia aversão aos mais naturais impulsos humanos que até proíbe o matrimónio à esmagadora maioria dos seus sacerdotes, é neste particular ainda mais retrógrada do que os católicos ortodoxos.

A decisão anglicana, a confirmar-se, será também um fracasso para a diplomacia do Vaticano, que conseguira dos Anglicanos, em Maio de 2005, um documento comum sobre a «virgindade» e a «assunção» de Maria. A ICAR esperava, presumivelmente, que este documento orientasse a Igreja de Estado da Inglaterra na promoção da mulher casta e submissa que os dogmas católicos mais recentes tentam garantir.