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Mês: Janeiro 2006

26 de Janeiro, 2006 Carlos Esperança

Passagem espiritual para o céu

materialmente em corpo

«É profundamente grato para Coimbra e também um testemunho de gratidão para com a vidente de Fátima, Irmã Lúcia, de ficar perpetuada nesta cidade, e não só por aqui ter vivido muitos anos, mas também para que a sua passagem agora espiritual para o céu, mas materialmente em corpo para Fátima e fique perpetuada através de uma rua», explicou Mário Nunes, vereador da Cultura na Câmara de Coimbra» Fátima Missionária, 13/01/2006.
posted by mndixit at 1/25/2006 03:38:00 PM

Não sei o que mais apreciar no vereador da cultura, Mário Nunes, se a qualidade da prosa, a intensidade da devoção ou a criatividade toponímica.

O blog «mario nunes dixit» presta um verdadeiro serviço público ao divulgar as pérolas de tão pio e eminente edil que regista a viagem da Irmã Lúcia para o Céu, certifica a sua qualidade de vidente e coloca Coimbra no itinerário celeste.

Um vereador assim faz falta como sacristão da igreja de Santa Cruz!

26 de Janeiro, 2006 Carlos Esperança

Padre contra paroquianos

Em Pombal, o pároco e a Associação de Alto dos Crespos desentenderam-se. Não estão em causa divergências sobre a virgindade de Maria, a infalibilidade papal ou a criação do Mundo.

Os recalcitrantes não contestam as homilias do pároco, a confissão ou a penitência que dá aos pecadores. É um litígio sobre a posse da terra, não aquela que Deus criou em seis dias, alguns metros quadrados onde foi edificada uma capela mortuária.

O representante de Cristo em Pombal fez aos paroquianos o que a Rússia fez à Ucrânia. Putin privou de gás um país, o padre privou da missa e da catequese uma paróquia.

A Ucrânia tremeu de frio e de raiva, a paróquia aturou melhor as privações. Não sendo produtos de primeira necessidade o padre corre o risco de os paroquianos substituírem a eucaristia por peixe de escabeche e as crianças trocarem a catequese pelo futebol e a apanhada.

25 de Janeiro, 2006 Ricardo Alves

Papa Ratz, Vol. 1: contra o erotismo e contra o marxismo(!)

A primeira Encíclica de Joseph Ratzinger enquanto Papa foi hoje disponibilizada. Intitula-se «Deus é Amor» («Deus caritas est») e, na aparência, destina-se a motivar e a apelar ao trabalho caritativo. No entanto, nos seus 42 parágrafos também se encontra uma condenação clara do «eros» e uma preocupação anacrónica com o marxismo. Deixo aqui alguns apontamentos que me ficaram de uma leitura rápida.

  1. Nos primeiros parágrafos, defende-se a «renúncia» ao erotismo e a sua «cura»(!). Concretamente, o alemão dos sapatinhos vermelhos diz-nos que «o eros quer-nos elevar «em êxtase» para o Divino, conduzir-nos para além de nós próprios, mas por isso mesmo requer um caminho de ascese, renúncias, purificações e saneamentos» (páragrafo 5). Na verdade, esta obsessão católica (muito contra natura…) em reprimir a natureza humana é um problema real: ao longo dos séculos, as directrizes eclesiásticas têm desviado muitos sacerdotes católicos de uma vivência descomplexada e saudável da sexualidade, com danos sociais consideráveis. O problema ainda não foi enfrentado desta vez.
  2. A maior parte dos parágrafos seguintes constituem uma defesa da caridade num estilo supinamente enfadonho. No entanto, não resisto a destacar uma passagem que merece ser atirada à cara daqueles católicos que odeiam ostensivamente o Diário Ateísta e os seus redactores: «a afirmação do amor a Deus se torna uma mentira, se o homem se fechar ao próximo ou, inclusive, o odiar». Notem-se, porém, os limites que Ratz coloca ao «amor cristão»: «eu amo, em Deus e com Deus, a pessoa que não me agrada ou que nem conheço sequer. Isto só é possível realizar-se a partir do encontro íntimo com Deus». Ao contrário do que pensa o Papa alemão, os ateus não necessitam de qualquer «encontro» com entidades sobrenaturais para terem muita paciência e tolerância para com alguns católicos e a sua agressividade e violência (religiosamente motivadas).
  3. A partir do parágrafo 26, Ratzinger começa a demonstrar uma preocupação, à primeira vista anacrónica, com a crítica do marxismo (que é referido pelo nome umas quatro vezes). Por exemplo, já no parágrafo 31: «uma parte da estratégia marxista é a teoria do empobrecimento: esta defende que, numa situação de poder injusto, quem ajuda o homem com iniciativas de caridade, coloca-se de facto ao serviço daquele sistema de injustiça (…) por isso, se contesta e ataca a caridade como sistema de conservação do status quo. Na realidade, esta é uma filosofia desumana». A crítica parece deslocada num momento em que esta corrente política atravessa um declínio global, e numa ICAR que sempre falou para a «direita» em matérias de «costumes» mas para a «esquerda» em «questões sociais». O alvo de Ratzinger poderá ser a colaboração dos católicos ditos «progressistas» com as esquerdas marxistas e socialistas em obras de assistência social: «A actividade caritativa cristã deve ser independente de partidos e ideologias. Não é um meio para mudar o mundo de maneira ideológica, nem está ao serviço de estratégias mundanas» (parágrafo 31). Mais, num gesto de puro sectarismo, o Papa sugere que não se deve aceitar a colaboração nessas obras de quem quer apenas «melhorar o mundo» sem se inspirar na concepção católica de «amor»: «No que diz respeito aos colaboradores que realizam, a nível prático, o trabalho caritativo na Igreja, foi dito já o essencial: eles não se devem inspirar nas ideologias do melhoramento do mundo, mas deixarem-se guiar pela fé que actua pelo amor. Por isso, devem ser pessoas movidas antes de mais nada pelo amor de Cristo» (parágrafo 33).
  4. A terminar, e para aqueles católicos que acham que a «caridade» que fazem lhes dá o direito de beneficiar de isenções fiscais para igrejas e objectos de culto, de reclamar direito de consulta em matérias políticas, de exigir subsídios para fins não assistencialistas, de impor a obrigatoriedade de presença de crucifixos nas escolas e etc, deixo uma passagem ratzingeriana que lhes rebenta na cara: «a caridade não deve ser um meio em função daquilo que hoje é indicado como proselitismo. O amor é gratuito; não é realizado para alcançar outros fins».
25 de Janeiro, 2006 Carlos Esperança

B16 vende palavras

O artigo da Palmira alertou-me para o facto de Rätzinger exigir copyright para as palavras que profere. E não se faz cobrar barato! Quanto custariam as ideias, se as houvesse, e as bíblias se a falsificação não tivesse já prescrito?

Sei que são nobres as intenções. Ficam de borla as orações pias e as hóstias servidas aos Domingos. As homilias continuam de graça mas as Graças passam a pagar IVA.

No Vaticano são largos os emolumentos cobrados pela criação de santos e o fabrico não abrandou no pontificado do Sapatinhos Vermelhos. Mas todo o dinheiro é pouco para os paramentos que estão pela hora da morte e a evangelização que fica cada vez mais cara. Os ímpios só se convertem com avultadas compensações monetárias.

As bulas eram vendidas e Lutero exasperou-se, os pecados tinham uma tarifa para a absolvição, as dioceses custavam dinheiro e os barretes cardinalícios eram caríssimos. A tiara custava uma fortuna mas o investimento, em caso de sucesso, era bem rentável.

O Paraíso estava ao alcance de quem podia pagar. Era o liberalismo aplicado ao destino da alma, sem caixa de previdência para subsidiar missas e remir pecados.

Agora é a palavra do pontífice, paga à linha, com contas feitas à página. Até há pouco a propaganda era por conta do pregador. Nasceu um novo conceito, paga o consumidor.

25 de Janeiro, 2006 Ricardo Alves

Padre italiano preso por violação

O padre italiano Fedele Bisceglia foi preso na segunda-feira na cidade de Cosenza (Calábria), acusado de violar uma freira repetidas vezes e de ter organizado violências sexuais de grupo no convento franciscano onde reside.
O sacerdote católico já presidiu ao clube de futebol local, e é famoso a nível nacional por ter convertido ao catolicismo uma artista de filmes pornográficos, que depois de o conhecer entrou para um convento. Bisceglia alega que a freira que o acusou «é louca», mas a religiosa foi submetida a um exame que concluiu que está na plena posse das suas faculdades mentais.
(Ler mais: português, italiano, inglês.)
24 de Janeiro, 2006 Palmira Silva

Palavras do Papa com direitos de autor

A controvérsia instalou-se em Roma quando se tornou conhecimento público que uma editora de Milão teve de pagar a posteriori cerca de 15 000 euros pelas 30 linhas do primeiro discurso do Papa que publicou. De facto, o Vaticano transferiu, em finais de Maio, para a sua editora, Libreria Editrice Vaticana, os direitos de autor sobre as palavras (escritas e faladas) do Papa. E pretende cobrar direitos de autor de todas as emanações papais dos últimos 50 anos.

A inusitada manobra deixou os editores italianos, católicos inclusive, um pouco baralhados. «Estou perplexo,» afirmou Vittorio Messori, que foi co-autor de dois livros sobre dois papas «A Igreja é uma organização que existe para espalhar a palavra de Deus e impôr um preço por essas palavras, pondo um cheiro de dinheiro nelas, parece-me algo muito negativo».

Resta saber se a manobra do Vaticano tem motivação financeira (afinal os sapatinhos Prada e demais parafrenália, para não falar em todo o luxuoso séquito acompanhante, não devem ficar baratos) ou se com ela o Vaticano pretende acabar com a crítica fundamentada aos muitos dislates, sofismas e afins debitados profusamente pelo Papa.

De qualquer forma, aparentemente o Vaticano pretende cobrar direitos de autor retroactivos a todas as reproduções de encíclicas, discursos, etc., que debita. Nem consigo imaginar, à módica quantia de 500 euros por linha, e tendo em conta a profusão e extensão dos documentos envolvidos, o dinheiro que irá extorquir com a manobra! Aliás, parece-me um pouco desonesto estar a cobrar dinheiro por algo que quando foi publicado ninguém sabia estar sujeito a direitos de autor!

23 de Janeiro, 2006 Palmira Silva

E ainda o Código de da Vinci

A Opus Dei pretende que o filme que passa para a grande tela o livro de Dan Brown, que tanta celeuma criou entre as hostes cristãs, seja classificado para maiores de dezoito anos.

O porta voz da Opus Dei para os meios de comunicação, Marc Carroggio, afirmou que a organização que representa, cujos membros (adultos) acreditam em imaculadas concepções, milagres sortidos e outras mitologias, considera o pedido justificado já que «Qualquer adulto com um mínimo de educação sabe distinguir realidade de ficção» mas as crianças não. Acho especialmente interessante que o porta-voz da Opus Dei, que, assim como a Igreja Católica, sabe não só a importância do revisionismo histórico mas especialmente da doutrinação desde a mais tenra infância, tenha afirmado que «quando a história é manipulada não se pode esperar que uma criança faça julgamentos apropriados».

Embora descartando a hipótese de a Opus Dei processar a Sony-Columbia, numa entrevista à Zenit Carroggio deixou no ar que tal seja feito por instituições de caridade dirigidas por membros da Opus Dei:

«Existem membros da Opus Dei em 60 países. Alguns deles, com outros, dirigem centros que treinam agricultores e jovens que não conseguem arranjar emprego. Também dirigem hospitais em zonas desprevilegiadas. Todas estas actividades dependem financeiramente de muitos doadores. Obviamente que a novela e o filme podem tornar mais difícil a angariação de fundos. Por esta razão, não ficaria surpreendido se algumas destas organizações pensarem em acções judiciais».

Continua a mistificar-me que a Igreja Católica, que não faz praticamente uma declaração em que não adscreva aos ateus e ao ateísmo todos os males do mundo, sem quaisquer problemas sobre a imagem que vende constantemente dos ateus, seja tão susceptível em relação à «imagem odiosa» que consideram uma obra de ficção (!) fazer da Opus Dei.

22 de Janeiro, 2006 Carlos Esperança

A ICAR lava mais branco

Embora tenha recorrido mais ao fogo do que à água, prefira a incineração ao banho e se dedique ao charlatanismo mais do que à ciência, a ICAR está longe da boçalidade do islão.

Os padres da ICAR, libertos da tonsura que os marcava como propriedade da Empresa, à semelhança do ferro que as ganadarias usam, os padres – dizia -, comportam-se hoje como pessoas normais enquanto não são solicitados a debitar os horrores eternos que o patrão reserva para os hereges, sacrílegos e apóstatas.

Aliás, a civilização atenuou-lhes o ímpeto purificador que, na ânsia de salvar almas, os levava a estorricar corpos. E, assim, foi esmorecendo o desejo de converter ímpios à custa da tortura e a pia intenção de espalhar a boa nova eliminando relapsos.

A ICAR não é o bando de santos que fabrica com desvelo, a máquina de obrar milagres oleada com emolumentos das dioceses que submetem à santidade bem-aventurados, é uma empresa que vive do negócio da fé, da fábula de Cristo e da ameaça do Inferno.

Pior do que o clero católico são os judeus de trancinhas à Dama das Camélias, pastores evangélicos dos EUA e os mullahs. Pior do que bispos espanhóis são os talibãs do islão e só o Papa pede meças aos Ayatollahs.

Claro que a tara das religiões monoteístas está no coração dos mais pios, na cabeça dos prosélitos e na acção dos cruzados obsoletos que querem expandir a fé.

É por isso que a ICAR conta na galeria dos horrores, alguns com milagres averbados e lugar reservado nos altares, sórdidas criaturas de escassa virtude e santidade.

Stepinac e Pavelic, Escrivà e Franco, Videla e Pinochet, Salazar e Moussolini, Bernard Law e Hans Hermann Groer, Marcincus e Rouco Varela, Voityla e Rätzinger, são grãos da seara arroteada pela ICAR.

Stepinac esteve ligado ao campo de extermínio de Jasenovac, comandado pelo franciscano Miroslav Filipovic, o Frei Morte no lúgubre testemunho dos sobreviventes ortodoxos sérvios. JP2 canonizou o carrasco católico e desprezou os mártires sérvios vítimas do campo de horror de Jasenovac.

É esta gente, este bando de fanáticos e assassinos que a Igreja vai procurando branquear como se fossem beneméritos ou, pelo menos, cidadãos recomendáveis.

22 de Janeiro, 2006 Palmira Silva

A verdade – em busca do paradigma perdido

«Mas hoje em dia, para substituir uma série de ideologias em crise, algumas pessoas fazem a corte cada vez mais com uma escola de pensamento de acordo com a qual o curso da história não nos aproxima cada vez mais da verdade.

De acordo com estas pessoas, tudo o que há para compreender já foi compreendido há muito por civilizações antigas há muito desaparecidas, e só o regresso humilde a esse tesouro tradicional e imutável permite reconciliar-nos connosco e com o nosso destino.

Nas versões mais abertamente ocultistas desta escola de pensamento, a verdade era cultivada por civilizações com as quais perdemos contacto: Atlantis, engolida pelo oceano, os Hiperbóreos, arianos 100% puros que viviam num cimo gelado de uma montanha eternamente temperada, os sábios da antiga Índia e outras divertidas patranhas que, sendo indemonstráveis, permitem que filósofos de terceira categoria e autores comerciais continuem a mastigar versões requentadas do mesmo velho lixo hermético para diversão dos veraneantes.»

Humberto Eco, artigo publicado no Guardian e disponível na Crítica, Revista de filosofia e ensino.

O meu post «A Sétima Dimensão» (e também a sua sequela «Pseudofilosofia»)
motivou uma acesa discussão sobre a verdade, discussão despoletada pelo parágrafo referente à moral e ética:

«O direito que rege as sociedades deve transcrever o progresso ético da humanidade e não «verdades absolutas» reveladas de uma qualquer mitologia. Verdadeiro e falso são valores lógicos atribuídos a uma determinada proposição, ou seja, a verdade não pode ser absoluta, porque ela é um conceito que emitimos sobre uma proposição. Uma verdade de ontem pode não ser uma verdade hoje, porque o contexto em que essa verdade é avaliada mudou ou porque novos dados entretanto descobertos transformaram essa verdade em mentira.»

Embora este parágrafo me parecesse pacífico no contexto em que esta «verdade» se inseria, como seria expectável, foi utilizado pelos crentes que frequentam estas páginas para mais um ataque non sequitur, ou seja, sem uma palavra sequer sobre ética ou moral ou sobre o «absolutismo» de verdades do passado «glorioso» do cristianismo, como ser a vacinação uma interferência inadmissível na vontade divina ou a legitimidade da escravatura, da tortura, da produção de castrati para os coros das igrejas, da morte na fogueira de hereges e blasfemos, etc..

Na realidade, como já escrevi há uns tempos, o progresso na descoberta das «leis absolutas» que regem o homem social é fortemente impedido porque a ética se confunde com a moral e esta, mesmo na sociedade mais laicizada, é ainda fortemente determinada pela religião. E na religião os dogmas são um fim, uma lei, uma verdade absoluta, e não um meio que se deve descartar quando se comprova desnecessário, anacrónico e até contraproducente. E assim a religião inibe o progresso ético da sociedade. Mas esta verdade histórica é desconfortável para os crentes que preferem atirar cegamente ao lado sempre que é levantada…

Neste dia em que a verdade assume outros contornos e quando finalmente tenho tempo para abordar o tema, vou tentar resumir algumas ideias que acho fundamentais sobre a verdade em geral e não apenas no contexto da ética. Nomeadamente as minhas elucubrações sobre o que é a verdade, porque para a atitude crítica ou filosófica, a verdade nasce da decisão e da deliberação de encontrá-la, da consciência da ignorância e do desejo de saber. Nesta procura da verdade, a Filosofia é herdeira de três grandes concepções do tema: a do ver-perceber (aletheia), a do falar-dizer (veritas) e a do crer-confiar (emunah). Destas concepções a veritas tem mais a ver com veracidade (cujo contrário é mentira ou engano) que propriamente com verdade (cujo oposto é erro).

Mas existem outras concepções de verdade, nomeadamente nas ciências exactas, descendentes há muito emancipadas da Filosofia, predomina a verdade pragmática, isto é, a verificabilidade dos resultados. E esta concepção da verdade está muito próxima da aletheia uma vez que esta é, se quisermos, a verdade absoluta, mas cujo conhecimento depende de que esta verdade se manifeste. Este problema não se põe em matemática em que o critério da verdade é dado pela coerência interna ou pela coerência lógica do pensamento matemático. Assim, em matemática a verdade é reconhecida pela validade lógica dos argumentos.

Ou seja, quando falamos em verdade podemos falar a vários níveis. No nível realista para que os nossos críticos crentes desviaram a discussão, a verdade intrínseca das coisas, o conhecimento da essência real e profunda dos seres – que é necessariamente universal e absoluta – a verdade é o acordo entre o pensamento e a realidade, a adequatio rei et intellectus, e para mim, claro, só pode ser estabelecida pragmaticamente. Claro que a verdade pragmática será sempre uma verdade relativa não só no sentido em que é necessário indicar o referencial em que estabelecemos esta verdade mas também porque muitas vezes esta verdade pragmática não é uma verdade ontológica mas sim fenomenológica (explicarei com um exemplo num próximo post o que quero dizer com isto).

A outro nível, de que a matemática é o exemplo perfeito, a verdade é uma verdade validada logicamente (que é diferente de verdade lógica ou adequação da inteligência ao objecto) , ou, mais genericamente, refere-se ao acordo entre o pensamento e a linguagem em que este pensamento é expresso (verdade moral). Neste nível por vezes a verdade é limitada pela linguagem, já que, como afirmava Ludwig Wittgenstein no Tractatus Logico Philosophicus «Os limites da minha linguagem são os limites da minha mente».

No nível idealista ou, talvez, spinoziano, em que coloquei a verdade no post que originou a discussão, a verdade refere-se a ideias no campo da ética que determinam o direito numa sociedade democrática e que são avaliadas verdadeiras ou falsas numa determinada conjuntura. Enunciados, argumentos e ideias éticas que, como nos recorda profusamente Albert Camus, devem evitar «o pior erro», «fazer sofrer», e devem preservar os direitos fundamentais dos homens, nomeadamente, a liberdade de eleger os próprios valores morais e/ou religiosos, e simultaneamente regular efectivamente a convivência nas sociedades.

Como tal, devem resultar de juízos éticos baseados na razão e não em quaisquer pretensas «verdades absolutas» reveladas. E devem assentar num consenso obtido validando logicamente argumentos que resultam em convenções universais sobre o que é verdade ou erro e que, como devem ser respeitadas por todos, não podem significar uma doutrinação das opiniões/valores morais defendidos pela maioria, ou, pior ainda, das opiniões de uma minoria religiosa fundamentalista.

Por outro lado, se analisarmos a evolução das várias concepções da própria verdade estas decorrem não só de mudanças na estrutura e organização das sociedades como também de mudanças na Filosofia. Ou seja, as verdades mudam, a própria concepção da verdade muda, mas não muda a atitude de procura da verdade, isto é, a invariante histórica é a determinação em ultrapassar dogmatismos e concumitantes preconceitos. É igualmente uma invariante histórica a oposição das religiões predominantes a este progresso, ético, filosófico e científico da Humanidade…