A próxima campanha política da ICAR
O Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa divulgou hoje a prometida «Nota sobre a procriação medicamente assistida», através da qual Jorge Ortiga, José Policarpo e os restantes bispos católicos tentam ansiosamente intervir num debate legislativo em curso na Assembleia da República. Sumarizo e comento em seguida as exigências políticas apresentadas pelos dirigentes clericais nessa «Nota…».
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A CEP exige que a legislação restrinja a casais heterossexuais o direito à procriação medicamente assistida. Segundo os bispos, é mesmo um «dever ético» impedir as pessoas sozinhas ou os casais homossexuais de terem filhos por fecundação assistida. Depreende-se que será também um «dever ético» impedir essas pessoas de procurarem a felicidade de qualquer outra forma que os bispos católicos não aprovem.
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A CEP exige que se interdite a doação de esperma ou óvulos, para que não haja «dissociação entre paternidade genética e social». Registe-se que tão desastrado é o argumento que a CEP encontrou para repudiar a generosidade de quem ajuda outrem a ter filhos que, se fosse levado a sério, implicaria a proibição da adopção!
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A CEP exige que se proíba o «recurso a mães portadoras», devido ao potencial de «conflito» que esta situação demonstrou «noutros países». Neste ponto, os bispos católicos voltam a rejeitar liminarmente as práticas potencialmente generosas que não compreendem.
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A CEP exige ainda que se «[evite] a existência de embriões excedentários» e, se existirem, que se proíba a investigação científica nestes. Curiosamente, os bispos católicos nada dizem quanto à possibilidade de a investigação em embriões vir a melhorar vidas. Não é, nitidamente, a qualidade de vida das pessoas que preocupa estes clericais.
Que a ICAR portuguesa se empenharia na luta contra o direito de ter filhos por fecundação assistida, já fora anunciado por José Policarpo na homilia de ano novo, que foi invulgarmente politizada, mesmo para os padrões habituais da ICAR. Como expliquei na altura, não discuto o direito da ICAR a falar de política, tal como não discuto o direito às liberdades de associação e de expressão da Associação Portuguesa de Satanismo ou da Federação Espírita Portuguesa, mas assinalo que a postura clerical de quem se acha patrono da ética e consultor permanente obrigatório do poder legislativo é perigosa para a democracia. E é perigosa porque a ICAR é uma organização autoritária (ninguém elegeu Ortiga e Policarpo: foram nomeados por um ditador estrangeiro), totalitária (pretende limitar a liberdade em assuntos íntimos que só dizem respeito aos próprios) e com princípios éticos duvidosos (veja-se a leveza com que os bispos condenam a procura de felicidade e a generosidade daqueles que não compreendem). Em vez de opinarem sobre assuntos éticos complexos, os bispos fariam melhor em dedicar-se, por exemplo, à missa.