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Mês: Dezembro 2005

9 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Plantação de igrejas

Enquanto em países europeus se instalam capelas em centros comerciais, nos Estados Unidos a estratégia parece ser outra. Num artigo da minha opinadora favorita do Find Law’s Writ, Marci Hamilton, não só descobri qual a nova táctica proselitadora dos teocratas cristãos norte-americanos como confirmei os meus piores receios em relação ao nomeado para o Supremo Tribunal Samuel Alito.

No referido artigo, Marci Hamilton critica a decisão tomada por um juíz federal de New York que decidiu a favor da Bronx Household of Faith, num caso contra o Conselho de Educação de New York, em que o referido juiz sustem que as escolas públicas de New York não podem proibir à referida instituição cristã o uso semanal das respectivas instalações para a realização das missas dominicais, das 9 da manhã às 2 da tarde todos os domingos do ano. Ou seja, o referido juiz considera que se as escolas permitem o uso esporádico das suas instalações por outros grupos então são obrigadas a transformar-se nos templos permanentes das igrejas que assim o desejarem.

Na realidade, os cristãos evangélicos nos Estados Unidos resolveram tomar de assalto os edifícios públicos, empreendendo uma campanha conhecida como «plantação de igrejas» e a ideia é «plantar» igrejas em edifícios públicos onde elas «crescerão». Com o apoio de um Supremo Tribunal onde predominam católicos teocratas certamente que conseguirão decisões federais que apoiem as suas decisões como o caso relatado no artigo indica.

A «plantação de igrejas» não só poupa dinheiro aos já obscenamente ricos movimentos cristãos como os aproxima da clientela a proselitar, no caso das escolas públicas os estudantes e respectivas famílias.

As escolas públicas são supostas serem aconfessionais, um ponto onde convivem de igual para igual todas as crenças ou falta delas. Com esta decisão, que ameaça generalizar-se, os filhos de ateístas, agnósticos, budistas, muçulmanos, hindus, etc., vão ver a escola de todos transformadas em templos de apenas alguns.

Como termina Marci Hamilton, o caso da Bronx Household acorrentou as crianças das escolas envolvidas às aspirações hegemónicas de algumas igrejas. Não foi de facto um caso de defesa do direito à liberdade de expressão mas sim uma nova variante de proselitismo.

Este é também um caso que realça algo para que há muito alertamos no Diário Ateísta: todas as religiões são intolerantes e quando em conjunturas que o permitam mostram a sua real vertente totalitária. Porque todas as religiões se afirmam as detentoras da verdade absoluta revelada e, especialmente as religiões do livro, consideram ser uma missão divina se não a conversão pelo menos obrigar todos aqueles que não acreditam nas suas mitologias a tornarem-se submissos às emanações destas!

8 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Evolução desenhada

No próximo número da revista Nature, disponível online ontem, é publicado o genoma da Tasha, uma cadela boxeur de 12 anos. Usando esta informação como referência, os cientistas envolvidos no projecto sequenciaram selectivamente partes do genoma de 10 raças caninas diferentes e de espécies relacionadas na árvore da evolução como o coiote e o lobo cinzento.

De facto, os nossos fiéis amigos são ideais para falsificar alguns detalhes do evolucionismo já que a espécie Canis familiaris, graças aos humanos que os «adoptaram» ainda na forma de Canis lupus e moldaram a sua evolução nos últimos 15 000 anos, permite traçar ao longo deste tempo as raízes genéticas das características que cada raça desenvolveu.

A descodificação do genoma do cão é fascinante de per se mas, não obstante os cães estarem mais distantes de nós na árvore evolutiva que outros mamíferos cujo genoma já foi sequenciado, como o chimpanzé, servirá principalmente para testar algumas hipóteses concernentes à forma como os mamíferos evoluiram.

Extremamente promissora é a análise de algumas sequências do ADN que continua a intrigar os cientistas, denominado «junk (lixo) DNA», no sentido que não é codificante, que são conservadas nos ratos, humanos e cães. O facto destas sequências serem muito semelhantes nas três espécies indica que podem funcionar como interruptores moleculares que ligam e desligam a actividade dos genes. A investigação do papel do «junk DNA» e a descoberta do que silencia e activa os genes são duas áreas da genética moderna ainda na sua infância.

Como disse Kerstin Lindblad-Toh, a líder deste projecto, «Estes sinais que decidem quando um gene é ligado e desligado são extremamente importantes. Agora nós estamos a olhar para a ponta do iceberg, mas quando tivermos dez ou vinte (genomas de) mamíferos poderemos cristalizá-lo ainda mais».

Ainda não são conhecidas reacções a mais esta evidência da macro-evolução por parte dos neo-criacionistas (ou IDiotas), certamente ainda a digerir o relatório da Fordham Foundation sobre o ensino de ciência nos Estados Unidos, mais concretamente sobre os padrões a serem seguidos nas escolas de cada estado. Como seria de esperar, o Kansas teve a nota mais baixa…

8 de Dezembro, 2005 Carlos Esperança

Laicismo quando convém…

O artigo da Palmira «Apelo à laicidade na Rússia» levou-me a reflectir sobre as religiões que exigem o laicismo quando são minoritárias e o monopólio quando maioritárias. Acontece com o judaísmo e, principalmente, com o islão e o cristianismo.

O totalitarismo faz parte do código genético das religiões monoteístas que vêem no martírio a prova maior da devoção e no assassínio de infiéis uma manifestação de piedade.

Os livros sagrados estão recheados de promessas aliciantes para os cadáveres precoces ao serviço da insânia da religião respectiva.

A demência do islão, que seria injusto e perigoso confundir com todos os devotos, atinge proporções tais que se tornou um perigo para si próprio e uma ameaça para a civilização.

É verdade que algumas seitas cristãs são hoje tolerantes, não por mérito próprio ou natureza, mas pela sólida formação democrática dos seus crentes. A Reforma prestou um inestimável serviço à civilização e constituiu um enorme progresso na defesa das liberdades individuais. Felizmente, sobretudo na Europa, muitos crentes assimilaram os valores sagrados da liberdade e são capazes de trocar a Bíblia pela Declaração Universal dos Direitos do Homem.

No entanto, o evangelismo neoconservador dos EUA, o catolicismo reaccionário de Bento XVI e o florescente cristianismo ortodoxo parecem mimetizar-se com o delírio prosélito do islão radical.

Só a laicidade lhes pode fazer frente.

7 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Confissões em catedral de consumo

Certamente preocupados com o estado das «almas» dos seus crentes, preocupação «legítima» nesta época em que os deveres religiosos do dia do sol, que deveria ser dedicado ao suposto criador que descansou ao sábado, são descurados face à azáfama consumista, a igreja de Katowice, no sul da Polónia, abriu uma mini-capela num centro comercial.

A capela, devotada primariamente à confissão dos polacos que, pouco catolicamente, dedicam o domingo a actividades mundanas, foi abençoada por um dos teólogos polacos mais proeminentes, Arkadiusz Wuwer, um padre que lecciona na Universidade da Silésia em Katowice.

Devo confessar que não consigo imaginar local mais apropriado, mais realista, para um local de culto da Igreja Católica.

7 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Em nome de Salazar, esse grande libertador

É o título de um artigo absolutamente imprescíndivel de Fernanda Câncio no Glória Fácil. Artigo que versa, numa prosa fabulosa, sobre a guerra dos crucifixos em que os fundamentalistas católicos transformaram um não acontecimento em qualquer outro ponto do mundo democrático: no seguimento de queixas sobre o incumprimento da lei máxima da República a tutela ordenou que a lei se cumprisse. Um pequeno excerto para abrir o apetite:

«de bagão félix a sarsfield cabral, de joão miguel tavares a barata feyo, para culminar no papa espada e nos habituais rigorismos informativos do espesso, les beaux esprits encontram-se na tese de que os crucifixos ‘são naturais’, estão ‘naturalmente’ nas salas de aula, em nome da ‘tradição’ (pois claro, a tradição, esse garante de civilidade e progresso, esse sinónimo de bondade absoluta e inquestionável e, já agora, de ‘cultura’) e querer de lá retirá-los é como extirpar uma parte da alma ao país sem sequer um pó de anestesia, atentando contra a ‘liberdade religiosa’ da ‘maioria cristã’ e desrespeitando ‘as mais fundas convicções’ do povo, contra o ‘bom senso’ e a ‘boa convivência’ — e a cultura, que, claro está, ‘é de todos nós’, mesmo dos muçulmanos e dos judeus e dos ateus.»

7 de Dezembro, 2005 Carlos Esperança

Portugal – País laico

Não há anti-clericalismo sem clericalismo.

A presença de crucifixos em escolas públicas, além de ilegal, é uma exigência injusta e gratuita ao Estado laico. O Governo não defendeu, como devia, a liberdade religiosa quando assinou a Concordata – um instrumento ao serviço da Igreja católica -, mas não cedeu escolas para exibição de símbolos religiosos de nenhuma religião.

A Concordata não derroga a Constituição embora favoreça a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) face às outras religiões, conferindo-lhe benefícios especiais.

À ICAR não basta ser privilegiada, pretende a omnipresença. São hábitos que herdou do passado, onde o ensino religioso era obrigatório e o acesso a algumas profissões (ensino primário e enfermagem, v.g.) era, na prática, vedado aos não católicos.

À tolerância e pluralismo responde com proselitismo. Não lhe bastam os privilégios, deseja a exclusividade e ameaça a legalidade acirrando os fiéis.

«Dar a César o que é de César» é uma norma que a ICAR só aplica nos países onde é minoritária.

O Estado tem de ser laico para respeitar igualmente todos os cidadãos, seja qual for a crença, ou a sua ausência, e poder exigir-lhes respeito. Ao conceder privilégios à ICAR, que não pode dar a outras religiões, arrisca-se a capitular perante o fascismo islâmico se os mullahs começarem a pregar o ódio a partir das mesquitas.

Do mesmo modo que o Estado renuncia a colocar a Bandeira, o busto da República ou a foto do Presidente nos templos, também as Igrejas devem abster-se de colocar os seus símbolos nos edifícios públicos.

É uma forma de conter o proselitismo e evitar guerras religiosas.

7 de Dezembro, 2005 Palmira Silva

Apelo à laicidade na Rússia

A imposiçao abusiva em locais públicos dos símbolos religiosos de uma determinada fé a todos os cidadãos de uma nação supostamente laica não é exclusivo português. Da Rússia chega-nos a notícia que os principais clérigos islâmicos protestam o uso e abuso dos símbolos religiosos da Igreja Ortodoxa russa em locais públicos e apelam à reposição da laicidade violada pelas autoridades russas.

Entre os pedidos dos clérigos islâmicos figura a retirada dos símbolos cristãos da heráldica de estado mas existem inúmeras violações da laicidade pelas quais os muçulmanos russos afirmam sentir os seus sentimentos violados.

«Não se trata apenas do brazão russo. Nós podemos dizer que os ícones estão praticamente afixados em todas as paredes de instalações estatais» afirmou Nafigulla Ashirov, presidente do Conselho Espiritual dos muçulmanos da Rússia asiática, que acusou ainda os Ministérios da Defesa e do Interior e o Serviço Federal de Segurança de se terem apropriado de vários santos «supostamente os patronos dos guerreiros». Lamentando-se «As estruturas de poder, as autoridades e Igreja Ortodoxa russa do patriarcado de Moscovo estão a erigir enormes crucifixos em postos fronteiriços e na aproximação de cidades. Estão a construir capelas ortodoxas nos postos de comando das forças armadas».

Preocupações e lamentos partilhados por outros líderes da comunidade muçulmana russa, nomeadamente Damir Mukhetdinov, presidente do Conselho Espiritual dos muçulmanos da região de Nizhny Novgorod e Ali Visam Bardvil, o seu equivalente para os muçulmanos da Karelia.

O primeiro recorda que «Nós, os muçulmanos da região de Nizhny Novgorod, fomos inteiramente a favor da introdução do feriado da unidade dos povos. Nunca imaginámos, no entanto, que o som dos sinos da Igreja Ortodoxa e o ícone da Virgem de Kazan se tornariam os símbolos deste feriado na Rússia». O mufti está convicto de que «tudo isto viola a natureza laica do estado e não contribui para a unidade dos povos na Rússia».

Esperemos que os cristãos ortodoxos russos mostrem mais bom senso que os seus homólogos católicos em Portugal e não tentem fazer uma guerra de crucifixos (e ícones) daquilo que deveria ser evidente e que os responsáveis muçulmanos na Rússia reconhecem: a laicidade é indispensável e é a melhor prevenção de possíveis conflitos!

6 de Dezembro, 2005 Carlos Esperança

JP2 e Pinochet

João Paulo II, Papa pela graça do Opus Dei e sobre o cadáver precoce de João Paulo I, disse de Augusto Pinochet e Esposa: «São um casal católico modelo».

Perguntas:

– JP2 foi infalível?

– Os católicos confiam em JP2?

– Deus levou-o a sério?

– O milagre na área oncológica obrado numa freira francesa na véspera do centenário da lei da separação da Igreja e do Estado será verdadeiro?

– A ICAR é uma entidade de bem?

6 de Dezembro, 2005 jvasco

Uma questão de motivação

Quem segue assiduamente este diário pode ter notado que já não escrevo há vários meses. Isto tem uma razão de ser: estou no ano final da minha licenciatura, e quis concentrar todo o meu esforço nas questões académicas (na verdade tenho continuado a contribuir para o Pipismo, mas isso exige realmente muito pouco tempo).

Nunca tive como motivação o ataque aos católicos ou aos religiosos em geral. Já aqui esclareci que tenho grandes amigos católicos, familiares que estimo católicos, e grandes amigos de religiões não-cristãs. Não pretendo atacar as crenças das pessoas, e nunca tive essa vontade ao escrever aqui, como julgo que a generalidade dos autores deste blogue não tem. Tenho pena que qualquer afirmação ateísta seja vista como um ataque por alguns religiosos, mas é precisamente esse estado de coisas que gostaria de mudar.
Na verdade, lamento que exista um tabu no que respeita à religião: em vez de se discutir esses temas com frontalidade e sem preconceitos, existe um enorme medo que argumentos, afirmações e informações ofendam os católicos. Por essa razão, quando a ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana) de Timor prendeu portugueses em casa do Bispo, molestando-os fisicamente por considerar que não eram católicos, como forma de uma grande pressão popular de obrigar o governo a manter obrigatórias as aulas de religião e moral (coisa que qualquer católico razoável em Portugal deveria condenar), os jornais e televisões portuguesas trataram esse tema como uma nota de rodapé, sem lhe darem a atenção que merece.

Este bloqueio informativo sempre foi, para mim, uma das maiores razões de existir deste site. A igreja não pode ser criticada, alguns crentes vêm isso como um ataque, e ficam muito revoltados. Assim, não importa se seria justo criticá-la, se realmente a ICAR esteve mal ou não, o que importa é que da ICAR não se diga mal. Lamento por estes crentes, e por aquilo que estão a construir. Um grande amigo meu católico disse que gostava do DA, porque os podres da ICAR deviam ser atacados e denunciados, e que os católicos só tinham a ganhar com isso. Se os católicos em geral pensassem como ele, aposto que os autores do DA teriam muito mais trabalho para encontrar material…

De uma forma ou de outra, eu, ao longo dos últimos meses, fui constantemente privilegiando outros usos para o meu tempo que não a publicação de artigos aqui. Até que ontem fui ver os comentários ao artigo da Palmira. «Como é possível? Como é possível que estas pessoas sintam tanta raiva? Como é possível que se sintam tão ofendidas por a Palmira escrever sobre factos históricos? Como é possível que queiram tanto sacudir a história para baixo do tapete, que se enchem com tanto ódio por quem não o faz?»
Comentário sarcásticos do tipo «Se a inquisição tivesse acabado com todos os ateus vocês não estavam aqui…» assustam-me. A sério.

A solução para este problema não é ter medo de ofender esta gente, como os jornais e as televisões cobardemente fazem. As pessoas não têm nada que se ofender por se lembrarem factos ou por se defenderem opiniões legítimas. A solução para este problema é mostrar que o seu ódio não nos desmotiva, que continuamos a dizer o que pensamos. E por isso dedico este post a todos os católicos que nos odeiam. Só vocês me deram motivação para escrever ao fim destes meses.