11 de Dezembro, 2005 Mariana de Oliveira
A tocha
«Bento XVI benzeu a tocha olímpica».
Então, e as outras religiões não abençoam a tocha?
«Bento XVI benzeu a tocha olímpica».
Então, e as outras religiões não abençoam a tocha?
A vertente totalitária e intolerante da Igreja Ortodoxa russa ficou expressa numa carta escrita por um alto dignitário desta igreja, o arcebispo Nikon de Ufa e Sterlitamak, que descreveu Krishna, o deus máximo dos hindus, como um «demónio maligno» e «um lívido jovem lascivo».
A carta, dirigida ao presidente da câmara de Moscovo, Yuri Luzhkov, pretendia que este proibisse a construção de um templo a Krishna em Moscovo afirmando que tal seria «uma desgraça idólatra erigida à glória do perverso e malicioso ‘Deus’ Krishna». Alguns dos argumentos utilizados pelo prelado soam familiares já que na carta se faz igualmente um apelo à tradição e à cultura cristã do país e se invocam os sentimentos «feridos» do povo: «A construção do templo (uma obscenidade satânica que pretendem construir mesmo no coração da Rússia ortodoxa cristã) a Krishna ofende os sentimentos religiosos e insulta a cultura religiosa milenária da Rússia onde a esmagadora maioria das pessoas, cristãos e muçulmanos inclusive, consideram Krishna um demónio maligno, o poder personificado do Inferno que se opõe a Deus».
Sem qualquer surpresa, o teor da carta despoletou uma onda de protestos a nível internacional.
O Hindustan Times descreveu a carta como «evidenciando uma assombrosa ignorância sobre a religião mais antiga do mundo» para além de «ser evidente que a Igreja Ortodoxa Russa está ainda imbuída nos tempos negros da exclusividade religiosa, que não tem lugar na sociedade de hoje, cada vez mais pluralista».«Chamar satânico a Krishna não só é sacrílego aos olhos dos hindus como é claramente ridículo uma vez que, como qualquer estudante do hinduísmo sabe, Krishna é famoso como caçador de demónios»
Como contraste, Bimal Krishna, secretário geral do National Council of Hindu Temples britânico, frisa que os hindus respeitam o mítico fundador da religião cristã realçando que «Nós respeitamos todas as religiões. E achamos que o arcebispo poderia ganhar uma perspectiva nova da sua própria fé cristã se lesse as palavras de Krishna no Bhagavad-Gita (uma clara alusão à influência hindu na mitologia cristã).»
Ramesh Kallidai, secretário geral do Hindu Forum britânico afirma ainda «Os motivos para se espalhar semelhante ódio são claros – é uma tentativa de discriminar e perseguir a comunidade hindu na Rússia e impedi-la de construir um templo. É inacreditável que um líder de uma igreja tão poderosa possa fazer estas tentaticas tão infelizes e dogmáticas para instigar tensões entre diferentes religiões. Isto é completamente contrário a todos os princípios de coexistência e cooperação que religiões antigas e tolerantes como o hinduismo defendem».
Assim, para além da guerra dos crucifixos e demais símbolos cristãos com os muçulmanos que a parcialidade do governo russo em relação à religião cristã despoletou, a intolerância e totalitarismo cristãos russos conseguiram antagonizar mais uma religião. Esperemos que as chamas de (mais) uma guerra religiosa não tenham sido irremediavelmente ateadas!
Allah is our objective. The Prophet is our leader. Qur’an is our law. Jihad is our way. Dying in the way of Allah is our highest hope. Muslim Brotherhood ou a Irmandade do Islão
A Irmandade do Islão revelou-se o maior partido da oposição nas recentes eleições realizadas no Egipto com 19% dos votos expressos, o que se traduz em 88 lugares num parlamento de 454 deputados.
O jornal pro-governamental Al-Gomhuria publicou um artigo de título «Os Mullahs estão a chegar!», afirmando que embora a Irmandade tenha realizado uma campanha baseada não em religião mas em assuntos práticos, o seu slogan «O Islão é a solução» indica uma agenda escondida de intolerância social, repressão das mulheres e hostilidade às minorias religiosas (como os cristãos coptas, alvos de violência muito recentemente).
Por seu lado a votação alcançada pela Irmandade mereceu um artigo congratulatório no Tehran Times, que assegura que os ventos de mudança despoletados por esta eleição assolarão todo o mundo muçulmano, e exponenciarão a «tendência de países árabes e islâmicos a olharem para soluções religiosas para os seus problemas».
Na realidade os resultados desta eleição são preocupantes, especialmente se atentarmos à história desta Irmandade, a grande fonte de inspiração de Osama bin Laden, nomeadamente através dos escritos de um fundamentalista desta organização, Sayyid Qutb, enforcado em 29 de Agosto de 1966, após uma tentativa de assassínio do presidente Nasser pela Irmandade. De igual forma, na Universidade Rei Abdel Aziz em Jiddah, Bin Laden, segundo colegas, foi muito influenciado por um dos seus professores, Abdullah Azzam, um palestino que foi um importante membro da Irmandade Muçulmana.
Quando da sua formação por um professor wahabita em 1928, Hassan al-Banna, a Irmandade era um movimento religioso, que se opunha ao domínio britânico do Egipto, mas que se ocupava essencialmente com programas sociais, de educação e de evangelização. Nas duas décadas seguintes ganhou um braço político, o partido da Irmandade do Islão, Hizb Al-Ikhwan Al-Muslimoon, que acusava o governo egipcio de ser muito brando com os sionistas. A sua actividade terrorista em território egipcio iniciou-se quando se demonstrou inevitável a formação do Estado de Israel. O movimento foi banido e em Dezembro de 1948 um membro da Irmandade assassinou o primeiro-ministro egípcio, Mahmud Fahmi Nokrashi.
O presidente Nasser, baniu o movimento em 1954, depois de uma (entre várias) tentativa de assassinato por parte de membros da Irmandade. Milhares de membros refugiaram-se na Síria, Jordânia, Líbano, Sudão e na Arábia Saudita. Onde continuaram a sua tarefa de evangelização e onde o grupo continuou a crescer agora também fora das fronteiras egípcias, sendo hoje um dos mais importantes movimentos islâmicos. Grupos como o al-Jihad e al-Gama’at al-Islamiyya no Egipto, o HAMAS na Palestina e vários grupos mujahideen no Afeganistão são spin-offs da Irmandade.
A Irmandade renunciou «oficialmente» à violência nos anos 70 (com uma «breve» interrupção em 1981 quando quatro membros assassinaram o presidente Anwar-as-Sadat) e desde então tem apresentado um discurso «moderado» de forma ao seu braço político poder integrar o processo democrático do Egipto, ainda a sua base principal. Por outro lado criou uma rede alargada de serviços sociais que lhe permitiu conquistar o apoio da população mais carenciada. A semana passada viu coroados de êxito os seus esforços… Agora que é a 2ª força política no Egipto iremos certamente assistir a uma radicalização do discurso dos seus representantes.
Não são necessários quaisquer dotes de presciência para prever um futuro próximo complicado naquela já conturbada zona do globo! Especialmente porque a Irmandade sempre afirmou ser o seu objectivo o estabelecimento da lei islâmica ou Sharia…
No dia 09 de Novembro, o juiz Luigi Tosti recusou-se a presidir a uma audiência numa sala de tribunal em que estava afixado um cruxifixo. No dia 18 do mesmo mês, Tosti foi julgado e condenado, por «omissão de cumprimento de funções», em pena de prisão suspensa de sete meses e à suspensão de funções durante um ano. O juiz, na sua defesa, invocou a Constituição italiana e o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, independentemente da religião.
Em comunicado de imprensa Luigi Tosti reagiu assim: «Espero que a sentença que me condenou – contra a qual recorrerei – seja o início de um incêndio que acorde as consciências dos súbditos italianos que não tencionem continuar a tolerar a marginalização e a discriminação que parte dos católicos impõe aos ateus, aos agnósticos, aos judeus, aos islâmicos, aos budistas, aos evangélicos, às testemunhas de Jeová e aos de todas as cores que se identificam com religiões diversas da deles».
No mesmo comunicado, o juiz italiano diz esperar que os quarenta dias para o trânsito em julgado da sentença «sejam suficientes para demonstrar a violação do artigo nono da Convenção dos Direitos do Homem», que afirma que «qualquer pessoa tem direito a liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou colectivamente, em público ou em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos».
A obrigatoriedade da presença de crucifixos nos tribunais italianos remonta a uma circular de 1926 – algo semelhante à nossa lei de 1936 que impõe a sua presença nas salas de aula – e que nunca foi revogada expressamente. No entanto, quando uma lei entra em colição com a Constituição, a última tem prevalência sobre a primeira, considerando-se esta tacitamente revogada.
A existência de símbolos religiosos nos tribunais não faz qualquer sentido num Estado laico e democrático. A pena manifestamente excessiva a que este magistrado foi condenado soa a um estranho resquício inquisitório e deve servir como um sinal de alerta para todos nós.
Durão Barroso repete os erros e pretende passar à história não apenas como um mau presidente da Comissão Europeia mas como o mais reaccionário.
Esquecido da triste novela de Rocco Butiglione, o homem de mão de Berlusconi e do Vaticano cujas posições ideológicas indignaram o Parlamento Europeu e lhe fizeram averbar uma vergonhosa derrota, Durão Barroso reincide no que parece ser uma deriva ideológica à direita, perante o silêncio da comunicação social autóctone.
A composição do Grupo europeu de ética abriu uma polémica que compromete o presidente da CE. «Estamos chocados que tenha escolhido tantas personalidades próximas do Vaticano» declarou ao Le Monde de ontem Robert Goebbels, socialista luxemburguês especialista em questões de ética das ciências e das novas tecnologias.
Dos quinze membros do Grupo europeu, cinco são « activistas da direita católica, sem qualquer competência específica», afirmou ao Monde o deputado socialista Philipe Busquin, ex-comissário belga encarregado da investigação.
A promissora investigação sobre as células embrionárias, vital para os avanços terapêuticos e para a competição europeia, ficam dependentes de personalidades tão controversas como o italiano Carlo Casini, presidente do movimento pró-vida e membro da Academia pontifícia «para a vida» ou do polaco Krzysztof Marczewski, professor de ética da Universidade de Lublin.
À Itália, Polónia, Áustria, Eslováqua e Malta – suspeitos do costume -, junta-se agora a Alemanha como minoria de bloqueio a tornar sombrio o futuro da investigação e o seu financiamento.
Durão Barroso sai uma vez mais pela direita baixa.
O reverendo Richard Thomas, director de comunicações e conselheiro do bispo de Oxford, foi ouvido a semana que passou no tribunal de Didcot para responder a oito acusações de produção de pornografia infantil e oito acusações de posse de pornografia infantil. O prelado foi libertado sob fiança e deve voltar a tribunal dia 9 de Janeiro.
Um porta-voz da diocese de Oxford afirmou a tristeza da diocese por saber que «Richard Thomas foi acusado de fazer download de material indecente da internet» ressalvando que tal aconteceu «no seu computador pessoal na sua casa de Abingdon».
O referido porta-voz acrescentou que o prelado, suspenso das suas funções mal foram conhecidas as acusações, «trabalhou com dedicação e perícia em prol da Igreja», acrescentando que o dito prelado não tem estado «bem» e desde Junho que tem recebido aconselhamento.
A histérica reacção de católicos fundamentalistas relativamente à retirada dos crucifixos de algumas escolas públicas, onde houve queixas, não é apenas a beata exibição de repúdio pela lei e pela Constituição da República, é um treino para novos combates que se avizinham.
A ICAR não mandava sair as tropas de elite, com Bagão Félix e César das Neves, não comprometia por três ou quatro crucifixos que a ditadura fascista mandou colocar entre o Presidente da República da época e o Presidente do Conselho o estado-maior do Opus Dei. Não se sujeitava a afrontar a lei, por tão pouco.
A vocação prosélita e o gosto pela arruaça estão, de facto, inscritas no código genético da ICAR e na demência mística dos beatos mas a ICAR reserva a artilharia pesada para batalhas decisivas e evita desgastá-la em escaramuças.
É verdade que o desastre político de Bagão Félix e a nódoa indelével da sua última passagem pelo Governo o tornam vulnerável e lhe amesquinham o crédito, mas é ainda um dos principais activos para os trabalhos sujos da ICAR.
Não é pois o sinal mais em madeira que, sem o JC, parece um ícone de homenagem à aritmética que preocupa as lúgubres sotainas e os soturnos prelados. É a campanha pela despenalização do aborto que os eriça e azeda.
As escaramuças recentes em que a ICAR soltou os jagunços da fé para uivarem nos meios de comunicação social, não são mais do que um exercício de aquecimento para a cruzada que se avizinha, um afiar de dentes para as mordeduras que preparam.
Faz hoje cem anos a lei francesa da separação da Igreja e do Estado destinada a conter a influência política das religiões especialmente a da Igreja católica.
«A República assegura a liberdade de consciência » e «garante o livre exercício dos cultos» mas «não reconhece, não remunera nem subvenciona nenhum culto» diz o texto que o Papa Pio X se apressou a condenar.
Depois de séculos de monarquia absoluta, de direito divino, nasceu a cidadania plena e a igualdade dos cidadãos perante a lei. Tratou-se de conceder a liberdade religiosa a todos sem a tutela e a vocação hegemónica de uma religião sobre outra ou sobre os que não perfilham qualquer credo.
A lei que hoje comemora um século mantém actualidade plena e legitima o combate contra a demência do fascismo islâmico. A própria Igreja católica que durante duas décadas combateu a laicização iniciada em 1880 acabou por se submeter e aceitar a bondade da lei em causa.
Jacques Chirac considera-a um «pilar» que permite à França viver num «clima de liberdade, de concórdia e de tolerância religiosa», apesar do pesadelo que o proselitismo agressivo algumas vezes acorda.
São muitos os adversários do modelo francês da laicidade mas foi o abrandamento da sua vigilância que permitiu o atrevimento dos sectores mais fanáticos do islão e a cumplicidade dos católicos mais retrógrados.
Viva a laicidade. Viva a França
Fonte : Le Monde
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